“(..) Eu pedia que eles fizessem algo, porque já eram 12h de trabalho de parto. Eu temia pela vida do bebê, porém somente às 10:40h eu fui levada para o andar onde ocorrem os partos, já quase sem forças. As contrações estavam tão fortes que eu já nem respondia as perguntas. Insisti tanto para ser examinada, repetindo que meu filho ia nascer ali mesmo, que um médico veio com raiva e realizou o 4º toque e constatou que realmente o meu filho iria nascer. Foi ele mesmo que estourou a bolsa com a própria mão. Meu sofrimento ainda não tinha acabado.” (Relato que se encontra na sentença)
O Juízo da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas condenou na ação civil pública 1005413-82.2018.4.01.3200, movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE-AM), o Estado do Amazonas por violência obstétrica sofrida por mulheres grávidas, puerperal e em situação de abortamento nas maternidades públicas do Amazonas.
Na sentença, datada do dia 21 de outubro, a Juíza Federal Substituta Raffaela Cássia de Sousa condenou o Estado do Amazonas ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), com juros e atualização, ao fundo que trata do art. 13, caput da Lei 7.347/1985. Segundo consta no documento, o Estado, mesmo com acordo homologado em audiência de conciliação, não apresentou nos autos seus editais e contratações relativas à ginecologia e obstetrícia medidas de prevenção e apuração de violência obstétrica. A Magistrada ainda condenou o Estado à:
i) garantir que todos os profissionais que atendam na rede estadual de saúde do Amazonas pautem suas atuações em protocolos clínicos e diretrizes baseadas em evidências científicas definidas pela CONITEC e aprovadas pelo Ministério da Saúde como tecnologias mais benéficas para o resguardo da saúde da mulher;
ii) garantir que todos os profissionais que atendam na rede estadual de saúde do Amazonas passem por atualizações com periodicidade preferencialmente anual, à luz das normas que regem a humanização do parto;
iii) garantir que os profissionais que, sem justificativa idônea e devidamente registrada, tenham atuado em desconformidade com as normas e protocolos do CONITEC e do CFM, no que se refere às parturientes, e cuja conduta tenha sido objeto de denúncia na via administrativa, tenham seus atos apurados em procedimento administrativo, com contraditório e ampla defesa, e, se for o caso, sejam afastados do exercício das atividades na rede pública de saúde;
iv) garantir o funcionamento, em tempo integral, de ouvidorias e/ou mecanismos de recebimento de denúncias que confiram aos denunciantes número de protocolo para acompanhamento, preferencialmente estabelecendo um protocolo único integrado para o registro das demandas, podendo funcionar, inclusive, através de meio virtual;
v) garantir que todas as denúncias recebidas pela Secretaria Estadual de Saúde, com relação ao funcionamento de sua rede de atendimento à parturiente, sejam finalizadas em tempo oportuno;
vi) implementar Comissões de Revisão de Prontuários, conforme Resolução CFM nº 1638/2002.
A Juíza concedeu ainda tutela de urgência para que em 3 (três) meses, a contar da intimação, o Estado apresente em juízo:
i) para profissionais contratados, diretamente, por meio de interpostas empresas, cooperativas, empresas, OSCIPS, ONGS e qualquer outro meio, contratos que disponham de cláusulas claras e explícitas quanto à obrigatória atualização profissional e quanto à observância das normas técnicas definidas pela CONITEC como diretrizes para a atenção à parturiente e abortante no Sistema Único de Saúde, estabelecendo mecanismos para a intervenção e eventual afastamento, por parte do Estado, de profissionais que não atuem de acordo com o preconizado nas normas e diretrizes nacionais de humanização hoje vigentes, excetuados casos de disponham da oportuna e idônea justificativa, devidamente registrada em prontuário;
ii) caso haja negativa de assinatura de contratos nos moldes constantes no item “i”, que o Estado apresente um plano voltado ao lançamento de edital nacional para a contratação de profissionais ou para a realização de concurso público com vistas à substituição de profissionais contratados que não se coadunem com as diretrizes de humanização do parto hoje vigentes;
iii) com relação a todos os profissionais que atuam no atendimento à mulher em estado gravídico, puerperal ou em situação de abortamento, possuam estes vínculos estatutários ou contratuais, meios que garantam que as denúncias recebidas, via ouvidorias ou por outros modos, sejam apuradas e respondidas em tempo razoável;
iv) planejamento que garanta a possibilidade de recebimento, 24h por dia (podendo ocorrer por meio online), de denúncias e solicitações dos usuários dos serviços na rede pública do Amazonas, com definição de número de protocolo que permita o acompanhamento da queixa até sua derradeira avaliação pela administração pública.
Segundo a Juíza “As situações de violência contra a mulher, seja a gestante, a parturiente ou após o parto, são repudiadas pelo ordenamento jurídico nacional e pela Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, conhecida como CEDAW. A CEDAW prevê, expressamente, que o Estado deve garantir à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto.”. Registrou a magistrada na sentença.
A União Federal também era parte no polo passivo da ação, mas quanto a esse ente, a Magistrada homologou definitivamente o acordo firmado em audiência de conciliação, que previa a reavaliação das maternidades do Amazonas, visto que a União comprovou o cumprimento do acordo.
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Seção de Comunicação Social