O Tribunal Regional Federal da 1ª Região homenageou, no dia 22 de mar- ço deste ano, a magistrada aposentada Neuza Alves, a primeira desembargadora negra do TRF1, com a inauguração da exposição permanente de sua toga e aposição de retrato no Memorial Mauro Leite Soares, no Edifício-Sede do Tribunal, em Brasília/DF.
Hoje, o JFH publica, na íntegra, o texto assinado pela desembargadora Daniele Maranhão por ocasião da solenidade de aposição da toga. Confira:
“Há na vida de qualquer pessoa um momento em que pensamos ser capazes de tudo. Num súbito de vigor e determinação, temos a plena certeza de que podemos alçar voo e alcançar o objetivo mais longínquo, mais distante.
Eu quando a vi pela primeira vez, parecia um relampejar de alegria. Mas não era a alegria de quem foi tomada por um lapso de prazer momentâneo ou por uma lembrança colhida de tenras memórias. Era uma alegria construída. Olhos que perfuravam o agora com os prodígios que só mais tarde as lágrimas de satisfação pelo dever cumprido poderiam, na mais perfeita dimensão, espelhar.
Era Neuza. Ela sabia por que estava ali. Preparava-se para ser a primeira desembargadora federal negra do Brasil. Como? Com que ousadia? Com permissão de quem? Não. Para Neuza, essas não eram as perguntas. Neuza tocou as vestes da pureza e de tanto esperar pelo tempo prometido, vingou. Estudou. Desceu à ciência para traduzir, no discurso da razão, uma história de muita desolação, ardor, sofrimento. E nesse discurso, como que emprestando graça à hermenêutica, levantou-se para fazer valer a justiça dos seus. Dos pequenos. Das mulheres. Das negras mulheres. Inclusive daquelas que ousaram o voo, sem parar pra pedir licença ou se desculpar pelo espaço agora conquistado.
E com que disposição! Se necessária a proeza, lá se ia Neuza com toda vontade enfrentar o eito. É preciso aplacar a dor que é das dores uma das mais doí- das: a dor da injustiça. Mas há que fazê- -lo com a necessária delicadeza. Com as mãos doces, Neuza acenava com graça e serenidade, nunca sem elegância. É, Neuzinha... menina sábia, olhos vivos, olhar sorrateiro, a filha de Nininha... O que esperar agora? Seus julgados, impregnados de sensibilidade, deixaram a marca da mulher sábia, da magistrada competente e operante.
Os servidores e auxiliares, olhos brilhantes, cresciam de orgulho pela equipe exitosa que representavam. Foram tantas realizações, tantas conquistas, que certamente a imagem da toga saberá bem rememorar e representar a figura da magistrada Neuza Maria Alves da Silva.
Agora, a tarde cai. E a gente chora porque finda a tarde. Você teve vontade de partir para outras descobertas. E o andar ficou trôpego. Uma dor a mais? Um desconforto a mais? Não. Para Neuza, essas não eram as perguntas... mais de mil julgados numa mesma sessão. Itinerantes de itinerários continentais... quem é essa mulher que vence a si mesma para vencer o medo? Essa é Neuza. Neuza! Que não se calou quando chamada, que não se sentiu menor quando convocada a ocupar lugares de destaque, a filha de Nininha que usou os palanques com maestria, que nunca deixou sua origem e nunca deixou ninguém esperando por Justiça! Neuza. Que enfrentou os milhares de processos com a mesma dedicação de quem arou a terra dura das incertezas, dos preconceitos, da pouca fé e da pouca memó- ria... E agora, liberta das vestes que nos serviram, livre para seu destino, deixa força e inspiração para as mulheres, luta e vitória para o povo negro: idealismo e determinação para os magistrados.
E os amigos? Ah, esses a terão para sempre, ninguém deseja se afastar da luz, porque a luz e não as trevas nos faz ver o caminho. Talvez o caminho do bem não seja escolhido por todos, mas certamente Neuza é luz, ela é negra luz, ela vai pelo caminho do bem e do amor. E seus amigos... esses irão com ela, para onde ela for.”