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27/08/2008 -

Em entrevista ao Portal CT, ex-relator do RCED defende pressão da sociedade sobre o Judiciário

Em entrevista ao Portal CT, ex-relator do RCED defende pressão da sociedade sobre o Judiciário

Wákila Mesquita
Da Redação

Talvez a pessoa mais observada pelos tocantinenses nos dois últimos anos tenha sido o, agora, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), José Delgado. Mais do que acompanhar as decisões do governador do Estado, dos líderes da oposição e dos parlamentares estaduais e federais, o Tocantins passou a observar o que José Delgado fazia ou deixava de fazer.

Uma ação sua, por mais simples que fosse, mexia com os tocantinenses, seja de Palmas, Araguaína, Gurupi ou qualquer cidade do interior do Estado. José Delgado foi relator do Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED) que o ex-governador Siqueira Campos (PSDB) move contra o governador Marcelo Miranda (PMDB) e o vice Paulo Sidnei (PPS).

Em entrevista exclusiva ao Portal CT, concedida via e-mail, o ex-ministro afirmou que os RCEDs contra governadores que estão no TSE serão julgados “no tempo devido”. Sem comentar de forma direta os processos nos quais atuou no TSE – esses casos ainda não foram encerrados –, Delgado defende que a sociedade acompanhe mais de perto as ações dos governantes e mesmo que exerça pressão legítima sobre a Justiça para que os processos não deixem de ser julgados em tempo hábil.

Delgado deixou o TSE em março deste ano. O RCED contra o governador Marcelo Miranda e Paulo Sidnei passou a ser relatado pelo ministro Felix Fischer.

A seguir a entrevista com o ex-ministro José Delgado:

Portal CT: Ministro, o senhor foi relator de três processos que tratam de Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED) contra governadores de Estado. Há, no momento, sete processos assim no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nenhum foi julgado ainda. O presidente Carlos Ayres Britto chegou a afirmar que daria mais celeridade a esses casos para que sejam encerrados antes das próximas eleições gerais em 2010. O senhor acredita que isso é possível? A Justiça brasileira vai conseguir concluir esses casos a tempo?

Delgado: Inicialmente, registro que, em 5 de junho de 2008, por ter completado 70 anos de idade, estou aposentado no cargo de Ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Atualmente, exerço a profissão de advogado, com muita honra.

Creio que há possibilidade de a Justiça Eleitoral analisar, no tempo devido, todos os recursos interpostos contra expedição de diploma contra governadores de Estado. Não se pode deixar de verificar que esses recursos são complexos e abordam aspectos fáticos e jurídicos que exigem uma apreciação profundamente cuidadosa.

Há processos que são formados por centenas de volumes, como é o caso do recurso contra o diploma outorgado ao governador de Tocantins. Quando integrava, com muita honra, o Tribunal Superior Eleitoral fui relator desse processo que é composto por de 550 volumes de 400 páginas cada. Os demais recursos estão inseridos, também, em processo volumosos. Todos exigem uma leitura cuidadosa dos fatos alegados, dos documentos apresentados e das razões desenvolvidas pelos advogados.

É uma tarefa, como está sendo demonstrada, que exige um esforço desmedido do julgador. Acrescente-se que o TSE é composto por Ministros (3 do STF, 2 do STJ e 2 advogados) que têm outras atribuições. Os ministros do STJ e do STF recebem, por mês, mais de 1.000 recursos nos seus referidos tribunais. Os advogados Ministros, os juristas do TSE, continuam exercendo as suas atribuições em seus escritórios. Evidentemente todos esses fatos contribuem para aumentar as dificuldades para o exame dos autos onde constam os recursos em exame. Toda a prova tem de ser examinada com o máximo de cuidado, comparando-se as alegações das partes recorrentes e das partes recorridas. É o sistema criado pelo nosso ordenamento jurídico, com base nos princípios formadores do Estado Democrático de Direito.

Portal CT: As acusações contra esses sete governadores são muitas e graves, na maioria dos casos são acusados de uso da máquina pública. Não existe uma falha nos sistemas de controle que antecedem a Justiça, casos das Assembléias Legislativas, Ministério Públicos, Tribunais de Contas e mesmo a Justiça de primeira instância, casos dos TREs, em se tratando de governadores?

Delgado: Não se pode afirmar, ao meu pensar, sem um exame dos fatos que estão depositados nos autos, se as acusações são muitos graves ou não. A Justiça, ao analisar as acusações, busca a prova real, a prova concreta, isto é, que elas, realmente, tenham como base situações praticadas de modo ilegal.

A afirmação de que a máquina pública foi usada há de ser demonstrada com base em provas documentais, periciais, testemunhas ou de outras espécies, de modo que não imponha qualquer dúvida no convencimento do julgador. Há de ser feito o confronto entre o que a lei eleitoral permite e o que não permite no referente ao processo eleitoral.

O sistema de controle externo exercido pelo Legislativo, pelo Ministério Público e pelos Tribunais de Contas é ditado pela Constituição Federal e pela legislação a ela subordinada. Entendo que esse controle necessita ser reformulado para tornar-se mais efetivo, eficaz e transparente.

O controle pode, também, ser exercido pelo cidadão por via da ação popular, da provocação da ação civil pública por via do Ministério Público, pelas associações específicas e por denúncias que cada pessoa pode fazer aos Tribunais de Contas, às Assembléias Legislativas e ao Ministério Público.

Defendo, também, que os princípios postos na Constituição Federal, no sentido de que os atos administrativos devem ser praticados com obediência aos ditames da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, da moralidade e da eficiência, da proporcionalidade e da razoabilidade devem ser seguidos de modo absoluto e considerados por qualquer via de controle, impondo-se aos que cometerem ilicitudes as penalidades da lei.

Portal CT: Essa demora nos julgamentos - no caso de serem considerados culpados - isso não pode significar perdas difíceis de reparar? Afinal, se um desses governadores for cassado já terão cumprindo mais da metade dos mandatos.

Delgado: Realmente, se a demora for exagerada, não serão alcançados os objetivos da lei. Muito mais: a ilicitude, se por acaso tiver sido praticada, ficará sem punição, causando um péssimo exemplo para as gerações do presente e do futuro, com a agravante maior de não ter sido respeitada a pureza do voto, a liberdade da escolha, a virtude da democracia.

É salutar que as partes interessadas, o Ministério Público e a sociedade acompanhem, com o máximo de respeito, a possibilidade dessa situação ocorrer, requerendo, a quem de direito, o pronto julgamento dos recursos, observando-se as regras do devido processo legal. Às vezes a demora é causada por múltiplos comportamentos: das partes e dos demais agentes jurídicos que funcionam no processo. Tomando, por empréstimo, uma mensagem de Seabra Fagundes, entende que, no caso de configurada essa demora, deve haver a lícita pressão da sociedade, que é a pressão da democracia.

Portal CT: Há casos de denúncias contra esses governadores - denúncias inclusive que constam dos RCEDs - que chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, em algumas situações, o STF já julgou e decidiu contra os acusados. Com esse tipo de situação, onde uma instância inferior - TSE - julga caso específico em que o STF já se manifestou como o senhor entende que deve andar o processo. É possível uma decisão diferente?

Delgado: A pergunta é muito genérica. Não tenho conhecimento de que há denúncias contra governadores que já foram julgadas pelo STF e que o TSE tenha entendido diferente. Não identifico nenhum registro dessa natureza nos anais dos mencionados tribunais.

Ainda mais: a competência para julgar os recursos contra a expedição de diplomas expedidos em benefício do candidato eleito para o cargo de governador é do Tribunal Superior Eleitoral, com recurso para o STF quando existir matéria de natureza constitucional. Os fatos ilícitos eleitorais que motivam a cassação do diploma são analisados sob prisma diferente dos demais que podem ensejar responsabilidades atingidas pela lei de improbidade administrativa, pela lei de responsabilidade propriamente dita e pelo Código Penal. Os julgamentos, em instâncias diferentes, não se comunicam. No direito eleitoral, o que se examina é a compra de votos, o abuso de poder econômico, o abuso de autoridade, a corrupção eleitoral, etc. Exige-se prova real desses acontecimentos para que tenha êxito a cassação do diploma.

Portal CT: Que medidas o senhor entende serem possíveis para dar mais rapidez a processos como esses sem que a defesa seja prejudicada?

Delgado: A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXVIII, introduziu, por via da Emenda Constitucional n. 45, o direito fundamental do cidadão ter o litígio, de qualquer natureza, nas instâncias administrativa e judicial, decidido em tempo razoável. Para se aplicar esse direito fundamental, hoje, da cidadania, o processo tem de ser desburocratizado e favorecido pela união de propósitos de todos aqueles que são responsáveis pela sua tramitação, sem se deixar de lado a necessidade de se instrumentalizar o Poder Judiciário com meios materiais e pessoal de apoio para o cumprimento dessa tarefa.

Exerci a magistratura estadual e federal no Brasil durante 43 anos. Servi à Justiça, como Juiz, no primeiro grau estadual, no primeiro grau federal, no segundo grau federal. Fui Juiz Eleitoral, Juiz de Tribunal Regional Eleitoral e Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Durante quase 13 anos exerci as honrosas funções de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Hoje, após minha aposentadoria compulsória, ingressei, com os mesmos ideais, na valorosa classe dos advogados, função essencial à administração da Justiça, por querer constitucional.

Afirmo, com consciência de causa, por conhecimento próprio, que a questão da demora na entrega da prestação jurisdicional no Brasil só será resolvida quando o Poder Legislativo e o Poder Executivo resolverem dotar o Poder Judiciário de uma estrutura que seja capaz de dinamizar a atividade processual, revestindo-a de um processo de gestão onde o resultado seja o fim visado, sem prejuízo das garantias constitucionais.

Necessário que haja boa vontade no fazer as leis e que recursos sejam destinados ao alcance desses propósitos. Não se deve obscurecer que a presença da sociedade, em reivindicar, o alcance desse direito fundamental do cidadão é necessária, exercendo pressão por via de suas associações e de outras entidades permitidas pela lei.


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