A Polícia Militar não divulga os números, mas os proprietários rurais de Goiás já não têm dúvidas: o crime está migrando para o campo. "A partir do momento em que as pessoas reforçam a segurança nas grandes cidades, o crime tende a fugir para cidades menores e chega ao campo. Estamos vivendo isso aqui", afirmou o vice presidente da Faeg (Federação da Agricultura do Estado de Goiás), José Mário Schreiner.
A situação é tão grave que a entidade criou uma comissão específica para tratar da segurança rural. "O que mais nos tem assustado é que o perfil das ações dos marginais tem mudado. Agora as quadrilhas estão bem armadas, agem com violência, tomam a propriedade de assalto, fazem reféns. É assustador", diz Schreiner.
Ele mesmo foi vítima nos últimos dois anos e ambos os casos o alvo dos marginais foram defensivos agrícolas. "Imagino que nos dois anos, tenha tido um prejuízo próximo de R$ 150 mil. Muitos fazendeiros já estão apelando para a contratação de segurança particular, armada. Isso acaba até influenciando no custo de produção", avalia o produtor, que tem fazenda no município de Mineiros.
Mas o alvo dos ladrões vai muito além de defensivos. A Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos apresentou no final da manhã desta quarta-feira um lote de 11 máquinas agrícolas que haviam sido furtadas em fazendas de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais.
"Só em máquinas agrícolas, acreditamos que o valor dos produtos já apreendidos está próximo de R$ 2 milhões", disse o delegado adjunto Valdemir Pereira. Apenas uma das máquinas apreendidas no primeiro lote está avaliada em R$ 500 mil.
E ele garante que esses números podem ser ainda muito maiores. "Sabemos que somente dessa quadrilha tem ainda pelo menos uns 15 tratores a serem recuperados. Isso só em Goiás. Fora do Estado, temos pelo menos mais 30", disse o delegado. Até agora, cinco pessoas foram presas e outros membros da quadrilha estão sendo procurados.
Pereira afirmou, no entanto, que a polícia já investiga pelo menos outros três grupos por prática do mesmo crime. Entre as vítimas está a Agetop, órgão do Estado responsável pelas obras de infra-estrutura em Goiás. Durante a construção de uma aeroporto no interior do Estado, teve três máquinas roubadas -nenhuma delas foi recuperada.
"Tem dois fatores que contribuem e facilitam as investidas dos ladrões na zona rural. Primeiro porque é muito mais fácil conseguir documentação para uma máquina agrícola do que 'esquentar' documentos de um carro, por exemplo. Além disso, a segurança na zona rural é precária e as pessoas não se preocupam muito", ressaltou o delegado.
Os criminosos são tão organizados que costumam fazer um levantamento prévio das máquinas disponíveis na propriedade e, quando vão consumar o crime, já levam um caminhão que abrigue todo o material que pretendem roubar. Além das máquinas agrícolas, geralmente levam bombas, geradores, motores diversos e eletrodomésticos.
A polícia também prendeu nessa semana uma dupla especializada em outro tipo de crime: o furto de gado. "Podemos afirmar que somente uma das pessoas presas já furtou mais de 600 animais nos últimos três anos", garantiu o delegado Álvaro Castro, responsável pela 2ª Regional da Polícia Civil, em Aparecida de Goiânia.
Ele se referia a Sirlon Pinheiro de Paula, 40, que inclusive chegou a ser preso no fim do ano passado pelo mesmo crime, na cidade de Guapó. Mas foi liberado poucos dias depois pela Justiça. Ele, que estava acompanhado de Nildo Bueno, 25, foi flagrado após furtar três animais na cidade de Indiara.
Na residência de um dos acusados a Polícia Militar (PM) ainda encontrou um freezer, facas, martelos e ganchos utilizados para a preparação da carne ilegal. Pelo que apurou a polícia, a carne era repassada para açougues e feiras livres da periferia de Goiânia e cidades vizinhas.
No carro dos acusados foram encontrados mais de 100 quilos de carne e três couros. "Eles preferiam as vacas mais mansas e que pudessem abater, arrumar e sair do local o mais rápido possível. Levavam toda a carne e deixavam no pasto apenas a cabeça e os restos", conta o delegado.
O abate clandestino pode, inclusive, refletir diretamente na saúde dos consumidores da carne. A preocupação é com as condições do abate e também com o transporte, que não atende às exigências legais. "O abate precisa ser feito em condições de higiene e a carne mantida sempre em temperaturas adequadas", disse o Chefe da Divisão de Alimentos da Vigilância Sanitária Municipal de Goiânia, Ricardo Wagner Rodrigues.
A reportagem do
UOL entrou em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Militar de Goiás em busca de estatísticas oficiais sobre crimes praticados na zona rural. A polícia recusou-se a repassar os dados de ocorrências. A alegação da assessoria é de que se trata de números estratégicos para o desenvolvimento do trabalho da PM nessas regiões. Não foi informado nem ao menos quantos agentes estão em atividade no Batalhão Rural, responsável pelo policiamento nas regiões de fazenda.
UOL Celular