De O Estado de S.Paulo
Há menos R$ 15,58 bilhões nos cofres do Tesouro, revela mapeamento do Serviço de Perícias de Engenharia Legal da Polícia Federal - braço do Instituto Nacional de Criminalística (INC) que inspeciona obras públicas sob suspeita.
Os valores do desvio, corrigidos para 1.º de agosto, são relativos ao período entre 2000 e 2008 e foram calculados a partir da análise de 1.770 laudos elaborados pelos engenheiros federais em obras contratadas com recursos da União.
Nesses empreendimentos, espalhados pelos 26 Estados e o Distrito Federal, foram investidos R$ 110,47 bilhões.
Para chegar ao montante do rombo, os técnicos adotaram procedimentos de análise documental, levantamento topográfico, avaliação objetiva da qualidade do pavimento e ensaios laboratoriais.
Os modelos de obras que mais passaram pelo crivo da perícia são as edificações (33%) e as estradas (16%). Também foram alvo pontes (4%), drenagem (5%), hídricas (3%), elétricas (2%), água (9%), saneamento (8%). Os técnicos da PF identificaram superfaturamento médio de 30% nas obras em rodovias. Em alguns casos, o sobrepreço atingiu 250%.
Uma análise mais restrita, tomando por base universo de 430 Formulários de Procedimentos Posteriores - produzidos a partir de leitura minuciosa de laudos conclusivos -, aponta gastos de R$ 26,7 bilhões e desvios de R$ 3,77 bilhões.
Os peritos vistoriaram 9,32 milhões de metros quadrados de área e 3,84 milhões de metros cúbicos de materiais. Percorreram 211,8 mil hectares de terras. Foram inspecionados 364 canteiros. Eles analisaram o custo mínimo de 313 obras e a qualidade do material empregado em 177 delas. Em apenas 58 não identificaram malversação. Superfaturamento é recorrente: 168 contratos com preços irreais.
O índex da perícia enquadra 143 casos por "inexecução parcial ou total" dos serviços; outros 75 apresentaram "deficiência na qualidade"; e 63 não tinham o projeto básico exigido pela Lei 8.666/92, que disciplina procedimentos de licitação.
As fontes dos recursos que escoam pelo ralo da corrupção são ministérios, autarquias e também governos estaduais e municipais que firmam parcerias com a União.
São três os canais do desperdício, indica o catálogo dos peritos: preço muito acima da média de mercado, quantidade insuficiente de material aplicado e o desequilíbrio contratual que permite acréscimo e inclusão de serviços mais caros.
Sonrisal
Protagonistas de tantas aventuras, aqui diante de obras fantasmas na floresta, ali em visita a empreendimentos suntuosos, os técnicos da PF descobrem coisas do submundo do crime que os deixam indignados.
"Viaduto Sonrisal", por exemplo, é o pontilhão que desmancha logo, porque erguido sobre peças descartáveis.
"Contrato imortal" é documento antigo, porque firmado em gestões passadas, mas que ainda tem valor legal para abrigar contratações burlando imposição de uma nova licitação.
Tocantins: descaso e abandono
Régis Signor, mestre em engenharia civil e doutor em engenharia de produção, e Pedro de Souza Oliveira Júnior, bacharel em engenharia civil, são peritos tarimbados. Mas eles ainda ficam pasmos com o que vêem e anotam em seus cadernos. Os dois integraram a equipe que examinou obras em cinco rodovias no Tocantins. O que mais eles viram, além de descaso e abandono de obras com dinheiro da União, foi sobrepreço.
"Superfaturamento de 250%", aponta Oliveira Júnior. "A cada R$ 1 que o empreiteiro investia, R$ 2,50 ele enfiava no bolso."
O rombo nas estradas sugou R$ 200 milhões. "O gerenciamento de recursos públicos no Brasil é equivalente ao dos países mais pobres da África", compara o perito-engenheiro Marcos Cavalcanti Lima.
Na primeira estrada vistoriada, descobriram superfaturamento de preços e de volume de serviços. "As empresas contratadas cobraram durante quase 11 anos, cujo contrato inicial tinha duração prevista para menos de dois anos, mais de R$ 20 milhões para a execução de 70 quilômetros de uma rodovia que nunca foi acabada", concluíram os peritos da PF.