Ângela Catão não está entre denunciados, mas polícia avalia que ela tem ligações com operador de fraudes
Fausto Macedo
Trezentas páginas que compõem o inquérito federal 671/07 narram passo a passo como operava o esquema de liberação de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e apontam para o suposto envolvimento da juíza Ângela Maria Catão Alves, da 11ª Vara Federal de Belo Horizonte.
O documento, sob guarda da Corregedoria do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região (Brasília) e da Procuradoria da República, sustenta que a magistrada “tem plena consciência” de que Francisco de Fátima Sampaio - gerente afastado da Caixa Econômica Federal na capital mineira - representa os interesses de Paulo Sobrinho de Sá Cruz, lobista e dono do escritório PCM Consultoria Municipal.
Pelo menos dois juízes teriam ligações com a organização, segundo a Polícia Federal: Weliton Militão dos Santos, da 12.ª Vara Federal de Belo Horizonte, e Ângela Catão.
Há 12 dias a PF deflagrou a Operação Pasárgada e prendeu 17 prefeitos, 15 de Minas e 2 da Bahia, além do juiz Militão. Todos os suspeitos já foram libertados. A Corte Especial do TRF avaliou que o desembargador-corregedor Jirair Aram Meguerian, que decretou as prisões, não tinha função jurisdicional para tomar tal medida - e todos os atos que praticou seriam ilegais.
Na semana passada, o Ministério Público Federal denunciou o caso à Justiça e pediu ação penal contra Militão, o gerente da Caixa e outros servidores da União, por corrupção e lavagem de dinheiro. A PF afirma que Sá Cruz seria o mentor do golpe e o elo das prefeituras com a toga federal para resgatar verbas retidas. A trama teria provocado desfalque de R$ 200 milhões no Tesouro, nos últimos 3 anos.
RELAÇÕES PRÓXIMAS
Ângela não está entre os denunciados pela procuradoria, mas a PF avalia que ela mantém relações próximas com Sampaio, da Caixa. “Importante ressaltar a forma com a qual a juíza Ângela Catão recebe em seu gabinete o gerente da Caixa”, assinala o inquérito, à página 98.
A investigação rastreia duas operações de liberação de dinheiro do FPM para a Prefeitura de Conselheiro Lafaiete (MG), em 10 de julho e em 10 de agosto de 2007, que resultaram na captação de R$ 766,8 mil. A PF informa que, em uma das ações, os autos foram retirados pela Procuradoria da Fazenda Nacional em 4 de julho e devolvidos 22 dias depois.
Nesse intervalo, em 10 de julho, a juíza teria despachado na mesma petição que o gerente da Caixa lhe entregara, “comprovando a defesa de interesses privados perante a Justiça Federal”. No dia 11, ela ordenou expedição de ofício à Receita.
“Tal movimentação somente foi registrada no site da Justiça Federal em 30 de julho, 20 dias depois da decisão mandando desbloquear os valores, sem possibilidade de defesa para a Fazenda Pública, atendendo com eficiência aos interesses da organização criminosa”, acusa o inquérito. “Os valores foram efetivamente desbloqueados em agosto, com a decisão da juíza Ângela Catão, conforme extrato do Banco do Brasil.”
HAPPY HOUR
Do auto de vigilância 03/2008 constam filmagens e diálogos interceptados que indicam a movimentação da organização para liberar valores do FPM de Lafaiete. Segundo a PF, o lobista Sá Cruz bancou contratação da dupla sertaneja Marcos e Santiel para animar happy hour na 11.ª Vara. Grampo mostra o gerente da Caixa contando ao lobista que “deixou claro” à juíza que foi ele, Sá Cruz, quem patrocinou o evento.
A interceptação revela que no dia 11 de julho o lobista cobra do gerente da Caixa retorno sobre a petição à juíza. “É... pois é... ela já deferiu tudo o que você pediu”, responde Sampaio.
No dia seguinte, a conversa sobre os sertanejos. O gerente pergunta a Sá Cruz sobre a possibilidade de “levar os meninos lá pra doutora ver o showzinho”. Dia 13, o lobista liga para o gerente e diz: “A comadre é quente.” Segundo a PF, era uma referência à juíza, que já havia oficiado à Receita. Sampaio gaba-se: “Comigo não tem brincadeira não, ué.”
O relatório da investigação é incisivo, à página 100: “Vê-se que Sampaio goza de toda a intimidade de drª Ângela, inclusive esta conversa com ele sobre processos e despacha petições a ela levadas pelo gerente da Caixa, que não é advogado, nem procurador das partes.”
Segundo a PF: “A juíza aceita apresentação gratuita dos cantores empresariados por Sá Cruz; consegue, através de Sampaio, obter financiamento para Vany, sua empregada, de forma aparentemente ilegal; e pede a Sampaio para conseguir a compra de um carro muito mais caro do que aquele que ela dará em pagamento.”