No dia 24 de outubro de 1955 as águas do Itapecuru amanheceram mansas, mais bonitas e maiores. Nascia um de seus filhos mais ilustres: Leomar Barros Amorim de Sousa, o terceiro da numerosa prole de Maria do Rosário e Leonel Amorim.
Desde cedo demonstrou o gosto pelo novo, pelas letras, pela descoberta do conhecimento. Inteligente e estudioso, sempre se destacou nos exames colegiais da sua terra natal, no Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão, na Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes, na Academia Maranhense de Letras Jurídicas, nos concursos públicos de Advogado do Banco da Amazônia, de Juiz de Direito do Estado do Maranhão, de Professor do Curso de Direito da UFMA e de Juiz Federal, tendo exercido neste último cargo as funções de Juiz da 3ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão, de Diretor do Foro da Justiça Federal no Maranhão e no Piauí, de membro da Corte Eleitoral do Maranhão, de Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e de Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Para além de seu país, Leomar quis conhecer o Velho Continente junto com a sua família e cursou na Universidade de Lisboa o seu Mestrado na área do Direito Público, publicando quando do seu retorno de Portugal a obra “A produção normativa do Poder Executivo”.
Em todas essas honrosas funções, Leomar exerceu o Poder com competência, dignidade, firmeza e humildade. Ele sempre contrariou o exercício arrogante e autoritário do Poder. Era um líder respeitado e confiável. Sua autoridade provinha do seu preparo jurídico, do serviço justo e equilibrado que prestava à sociedade, da sua temperança, da sua serenidade. Tive o privilégio de conviver com Leomar por mais de três décadas, inclusive na Justiça Federal, onde sou servidora há 23 anos. Com ele muito aprendi. Era com entusiasmo e paciência que dividia a sua vasta cultura jurídica e geral. Nunca presenciei de Leomar um ato de ira, de perseguição, de falta de controle. Ele era um manso de espírito, não era afeito a ódios e rancores. Sua mansidão, porém, não obscurecia a firmeza de seus atos e decisões. Nós, os servidores, nos sentíamos seguros ao seu lado. Não era um homem de talvez.
Além de profissional competente e dedicado à causa da Justiça, Leomar era um amigo leal e solidário. O texto do nosso amigo em comum, Juiz Roberto Carvalho Veloso, bem expressa o amigo a quem tanto admirávamos. Com Leomar vivíamos o verdadeiro sentido da amizade: vibrava com o nosso sucesso e compartilhava a nossa dor. Nossas alegrias eram suas alegrias, nossas tristezas eram as suas tristezas. Sempre presente em nossas vidas, ele se tornou nosso irmão do coração, aquele irmão que acolhe de forma discreta, reservada e generosa. Suas amizades eram múltiplas e variadas. Era também amigo das crianças. Minha filha Clarissa ainda hoje se recorda com carinho das estórias e causos do Tio Leomar.
Leomar Amorim era um ser amoroso. Amava a vida, a natureza, o conhecimento, o estudo dos idiomas (francês, inglês, italiano e latim), o seu trabalho de professor e magistrado, seus alunos, aqueles que buscavam a Justiça no dia a dia, seus amigos e, sobretudo, a sua família. A ele pode se aplicar os versos de Carlos Drummond de Andrade, quando proclama com maestria: “Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? Amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? Sempre, e até de olhos vidrados, amar?”.
Leomar amou todo dia, e sempre, a sua família de origem, representada pela querida Dona Maria do Rosário, sua mãe, seus irmãos e sobrinhos, e a família que construiu com Maria da Graça Peres Soares Amorim, sua companheira fiel de todas as horas.
Como num romance medieval, o bonito cavaleiro montado em seu imponente cavalo encontrou a sua bela amazona e desse encontro real nasceram Guilherme Valente, Luiz Gustavo, Gabriel e Geovanne, os queridos transgressores, como carinhosamente Leomar os chamava. Aqueles que têm o privilégio de conhecer os Amorim constatam o bem-querer e a união que reinam nesta família, ampliada e fortalecida com a vinda de Gabriela e de Guilherme Patrício, os netos queridos do Vovô Leomar e da Vovó Graça.
O imenso amor de Graça e Leomar foi expresso nos momentos de prazer e de alegria, mas também no poço fundo da escuridão. Tornaram-se o melhor amigo um do outro.
Giselle Náufel guarda com carinho e sensibilidade, na sua memória afetiva, as palavras de Leomar ao se referir à Graça e a ele próprio:
“Eu sou calado, mais quieto, introspectivo...
Mas Graça, quando entra em casa, parece que começa a vida... que acende a luz...”
E, assim, quero homenagear a família de Leomar Amorim na pessoa de Graça, uma guerreira igualmente intrépida e corajosa, um ninho de amor e aconchego para o seu marido, filhos, noras e netos. Durante o período da doença de Leomar, Graça não mediu esforços para garantir o melhor e mais eficaz tratamento ao seu marido, seja em São Luís, Brasília ou São Paulo. O seu cuidado refletiu o afeto sem limites que dedicava ao amor de sua vida.
A saudade é grande, incomensurável, mas lá no fundo do seu coração, Graça sabe que tudo fez para atravessar com Leomar, de mãos dadas, bem juntinhos, a sua prova final.
Dentre suas inúmeras qualidades, Leomar era um homem temente a Deus e se interessava pelo estudo das religiões. Embora católico, respeitava profundamente os outros credos religiosos. Era um homem de fé e com essa fé insubjugável professou a vida em sua plenitude. A fé era o seu arcabouço, o seu pilar, para enfrentar os oásis e os desertos da sua caminhada. Com essa fé sólida, tal qual uma rocha, que não desmorona, entregou-se à Misericórdia Divina e conviveu durante sete anos com a doença que o levou no dia 05 de março deste ano, uma quarta-feira de Cinzas. Com sua fé inabalável e fortalecido pelo carinho de sua família, Leomar partiu definitivamente para a sua nova morada.
Aqui, permito-me usar as palavras de nosso irmão Reynaldo Fonseca, quando da última visita que fez a Leomar em São Paulo: “O nosso guerreiro está partindo cercado pelo amor de Graça, Guilherme, Gustavo, Gabriel e Geovanne”.
Vários são os legados de Leomar Amorim, mas talvez o maior de todos é a riqueza da sua alma invencível. Por isso, quero homenagear o nosso grande guerreiro com versos do Poema “Invictus”, o mesmo que inspirou o estadista Nelson Mandela para que pudesse permanecer com fé e serenidade nos seus 28 anos de prisão, na África do Sul. Este poema, de autoria de William Ernest Henley, representa a vida de Leomar Amorim, especialmente os seus últimos anos na Terra:
Sob as garras cruéis das circunstâncias
eu não tremo e nem me desespero
Sob os duros golpes do acaso
Minha cabeça sangra, mas não se curva
Mais além deste lugar de lágrimas e ira,
Jaz apenas o Horror da Sombra.
Mas a ameaça dos anos,
Me encontra e me encontrará, sem medo.
Não importa quão estreito o portão
Quão repleta de castigo a sentença,
Eu sou o senhor de meu destino
Eu sou o capitão de minha alma.
Victor Frankl, psicólogo que conheceu as atrocidades dos campos nazistas de extermínio, nos ensina em seu livro “Em Busca do Sentido”, que não escolhemos o nosso destino, mas podemos, sim, escolher a resposta que daremos a ele. Aí reside a nossa liberdade.
Leomar Amorim, em seus 58 anos, fez as suas opções com clareza e serenidade, mesmo diante das condições mais adversas. Por isso, meu amigo de alma invencível, dorme em paz. És um homem livre.
São Luís, 31 de março de 2014.
Tereza Cristina Soares da Fonseca Carvalho