"A experiência como Juiz Federal na Seção Judiciária de Rondônia tem sido rica e muito positiva" - juiz federal Dimis Braga.
Para ilustrar o cenário memorialístico da comemoração dos 35 anos de Justiça Federal em Rondônia, o Decano dos juízes federais em Rondônia, Dimis Braga, provocado pelo corpo editorial do setor de Comunicação Social, respondeu a duas perguntas: Como tem sido sua experiência como juiz federal nesses cinco anos de trabalho da Justiça Federal de Rondônia e qual é sua visão sobre a importância da Justiça Federal no macro cenário contemporâneo da nação brasileira?
Como sempre digo, Rondônia me recebeu de braços abertos e de mim fez seu filho mais apaixonado. A experiência como magistrado aqui, por sua vez, ressai deveras enriquecedora, haja vista que, salvo em relação aos jurisdicionados que postulam benefícios previdenciários, rurais ou não, no mais, Rondônia em nada se parece, sequer no âmbito da Amazônia, com outras jurisdições nas quais tive oportunidade de atuar anteriormente.
Fui Juiz da Subseção de Santarém, no Pará, de 1999 a 2001 e da Seção do Amazonas, em Manaus, por duas vezes, de 2002 a 2004 e de 2009 a meados de 2013. Tive oportunidade de atuar, além disso, em Minas Gerais, na sede em Belo Horizonte, em 2004 e 2005 e, por fim, na Bahia de 2005 a 2008, na sede da Seção, em Salvador, como substituto e na Subseção de Juazeiro, onde titularizei e passei três anos.
Cada experiência totalmente diversa da outra, considerando as enormes diversidades geográficas, culturais e econômicas do Brasil.
De longe a minha experiência em Rondônia supera as anteriores. Aqui fui Juiz Titular da 1ª Vara de 2013 a 2016 e membro da Turma Recursal, de 2013 a 2015, Vice-Diretor e Diretor do Foro, Juiz Eleitoral Efetivo e Substituto, Coordenador dos Juizados Especiais Federais, Coordenador e Coordenador Substituto do Sistema de Conciliação - SistCon. Coordenei itinerantes no Baixo Madeira e na Ponta do Abunã, participando de outros eventos dessa natureza coordenados por outros colegas. Participei da Operação Ágata, na concretização de um projeto antigo que elaborei, ainda no Amazonas, para que juízes do TRF1 acompanhassem a importante ação social e combativa de crimes na região de fronteira, inclusive ambientais, e que se não vingou de forma oficial, mediante o convênio que eu pretendia, aqui aconteceu de maneira informal, sem um efetivo convênio.
Além disso, pude elaborar projetos, inclusive sendo um deles finalista do Prêmio Innovare, na categoria Juiz. Granjeei o respeito da sociedade e da comunidade jurídica e por isso, fui homenageado na Assembleia Legislativa, com o título de cidadão rondoniense, assim como na 17ª Brigada de Infantaria de Selva, como Colaborador Emérito do Exército e tendo em vista da participação efetiva nas comemorações dos 70 anos da Força Expedicionária Brasileira – FEB, e de três concursos de arte, um literário e dois de pintura, daquela Organização Militar.
Quando Diretor do Foro fui também membro da Comissão de Precatórios de Rondônia, função que ainda desempenho, composta por Juízes Estaduais, Federais e do Trabalho, conforme Resolução do CNJ, e membro do comitê gerenciador do PJe, e no plano associativo, Delegado Seccional da Ajufe.
Mas tudo isso foi possível, exatamente em razão do grande significado e importância que tem a Justiça Federal para o Brasil e especialmente para esta parte fronteiriça da Região Amazônica. Por se tratar de um ex-Território Federal, Rondônia se destaca por possuir demandas específicas e diversas, seja de servidores, seja da comunidade, de quaisquer outros Estados da 1ª Região, exigindo dos magistrados estudo e aperfeiçoamento contínuos para solucioná-las, não só no plano dos serviços públicos, como no plano das próprias entidades federadas, inclusive de forma antenada com os direitos que são assegurados pela Constituição e legislação federal em prol dos servidores de demais estados que foram transformados de territórios, por se tratar de um feixe de direitos que não pode ensejar, a meu ver, discriminação de uma entidade federada em relação às demais, salvo quanto às peculiaridades de cada uma.
Ademais, no aspecto de trabalhadores rurais, quanto aos feitos em tramitação e produção da economia primária, Rondônia assusta pelo volume no espectro da Amazônia, considerando o modelo de Reforma Agrária diferenciado que o Estado Brasileiro, através do INCRA, desenvolveu na Região.
Embora um tanto desfigurado em algumas regiões do Estado, pela desigualdade social e dificuldades dos trabalhadores que primeiro se instalaram de se manter sobre a terra que receberam do INCRA ou ocuparam, nas linhas então com pouca ou nenhuma estrutura (favorecendo o interesse latifundiário), ainda assim há uma grande quantidade de produtores que podem ser considerados minifúndios rurais, para os padrões da Amazônia. Portanto, a economia primária no Estado é um grande passo para o futuro, a produtividade é incomparável com um Estado gigante como o Amazonas, por exemplo – aqui é muito maior.
Uma análise do volume de ações distribuídas e em trâmite desta 5ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Estado de Rondônia visando assentamento ou regularização fundiária pelo reconhecimento de posse legítima, em comparação a essa demanda nas demais varas coirmãs dos demais Estados que compõem a Amazônia na 1ª Região, vai demonstrar que o número de processos distribuídos na 5ª Vara de Rondônia é bem maior do que o das unidades da mesma natureza de outros Estados, no caso, quatro Estados da 1ª Região que possuem varas ambientais e agrárias, o que posso falar de cadeira, pois fui Juiz no Pará, em Minas Gerais, na Bahia e Amazonas, além de ter sido o primeiro titular da 7ª Vara Ambiental e Agrária do Amazonas.
O leitor me perguntaria por que isso acontece. O número de propriedades e posses rurais com grande vocação agropecuária, seja em razão do fomento inicial, seja em razão da localização geográfica extremamente favorável do Estado de Rondônia, hoje favorece a fixação do homem na terra, estando num ponto central da América do Sul e em relação ao centro e Sul do Brasil, comparadamente aos demais estados da Região Amazônica.
Isso não começou do nada nem decorre exclusivamente da localização, mas de uma infraestrutura que aos poucos foi se criando, num processo ainda em consolidação. Rondônia hoje dá seus primeiros passos como um estado autossustentável economicamente, mas, no passado, essa parte do Município de Humaitá, depois desmembrada para criar Porto Velho, do Sul do Amazonas e o extinto Município de Santo Antônio, o mais extremo ao Norte do Mato Grosso, parte dele incorporado a Porto Velho e parte transformado no Município de Guajará-Mirim, cujos territórios somados hoje constituem o Estado de Rondônia, com 52 municípios, viveram de surtos sociais, econômicos e culturais, que hoje poderiam ser chamados de ciclos.
O primeiro (1860/1918) e segundo (1943/1945) Ciclos da Borracha, passando pelo Ciclo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, o Ciclo da criação do Território Federal do Guaporé que em seu início coincide com esse Segundo Ciclo da Borracha, o Ciclo da BR 364 que por sua vez produz o Ciclo do INCRA, em cujo bojo está incluída a pavimentação da BR 425 que encerrou o ciclo da EFMM.
Tal ciclo agrário, vale dizer, é responsável por toda uma transformação étnico-sócio-cultural da região, se estende até a Transformação do Território Federal de Rondônia em Estado, seguido da consolidação da unidade federativa pela eleição do seu primeiro governante e a conclusão da primeira hidrelétrica (Samuel), viabilizando energia estável para Rondônia e Acre. A posteriori, poder-se-ia falar em um Ciclo dos Direitos Fundamentais, que se inicia com a consolidação da Constituição de 1988, o qual, infelizmente para Rondônia ainda não se concluiu, considerando essa quadra política de uma ascensão no Brasil e no mundo, de representantes políticos daquilo que se pode chamar de direita – geralmente favoráveis aos interesses de expoentes econômicos e grandes grupos corporativos –, e mais recentemente o Ciclo da Construção das Hidrelétricas no Rio Madeira.
A BR 364, antiga BR-29 ou Brasília-Acre, que se formou sobre os caminhos percorridos pelo então Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, o Marechal Rondon, deixando suas marcas no eixo central do Estado, torna a localização de Rondônia no mapa do Brasil e da América do Sul ainda mais favorável, servindo como estuário natural da produção do Estado e fazendo ligação com a BR 319, que em breve deverá estar ligando definitivamente o Brasil a Manaus, passando por dentro de Rondônia e do imenso interior do Amazonas – e acabará por transformar também essa região –, e com a BR 429, BR 425, BR 421 e BR 435, além de rodovias estaduais, que ligam a BR 364 às demais regiões do Estado.
Toda essa infraestrutura que foi se construindo ao longo do tempo, não só de serviços e equipamentos públicos como hidrelétricas, estradas e pontes, como nas próprias propriedades rurais privadas, que foram se estruturando para produzir e escoar seus excedentes, desde o período do INCRA e que continua se fortalecendo até os dias atuais, produz diversas consequências importantes que pode ser observadas.
Em primeiro lugar, poder-se-ia citar o enriquecimento das famílias e melhoria de vida das populações rurais e urbanas; em segundo, a atração contínua de famílias de outros estados, países e regiões, com crescimento da demanda por alimentos que gera um ciclo virtuoso da produção interna bruta no âmbito do Estado. Surge a demanda por comunicações físicas e audiovisual, com a ampliação da construção de vias e pontes, instalações e ampliações de empresas de transportes terrestres, fluviais e aéreos, assim como de rádio, telefonia fixa e móvel, televisão aberta e fechada, etc.
O crescimento populacional da região é inolvidável: saiu de menos de 100.000 habitantes em meados da década de 1960 para cerca de 1.800.000 habitantes apenas 50 anos depois.
Tudo isso não se dá de forma impune: como a vocação maior do Estado é no campo da chamada economia primária, isto é, produção e exploração rural e florestal, a consequência inicial foi uma exploração grandemente predatória do meio ambiente, com danos e modificações severas na geografia do Estado.
Por tudo isso, exsurgem grandes demandas sociais públicas e privadas, não só decorrente da grita da sociedade em defesa do meio ambiente abusivamente explorado, como por novos espaços para obtenção de terras produtivas por famílias carentes; por direitos fundamentais ligados à fixação do homem na terra, em Rondônia, em razão de haver um déficit de regularização fundiária dos imóveis rurais existentes, como por cobrança das multas aplicadas por violação das leis e regulamentos ambientais.
Uma coisa e outra, por sua vez, produzem a correlata demanda processual, seja no sentido de ações pleiteando regularização fundiária, desapropriação e titulação de reforma agrária, execuções fiscais, ações e mandados de segurança relativos a notificações ambientais, etc.
Na área penal também as mesmas demandas sociopolítico-econômicas proporcionam um volume grande de processos.
Essas vicissitudes abrem um enorme campo de exigências de estudo, constante aperfeiçoamento e conhecimento da natureza humana, bem como da história e da formação do Estado e do componente humano de Rondônia, seja na sua feição urbana, seja na sua feição rural.
Assim, para um magistrado que é, antes de tudo, um amazônida, Rondônia se mostra sempre um enorme desafio e motivo de grande satisfação profissional.
IMPORTÂNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL NO ÂMBITO NACIONAL
Vale registrar uma palavra quanto à importância da Justiça Federal no âmbito da Nação. Compreendo que se dá hoje um retorno da magnitude desse ramo do Poder Judiciário, considerando ter sofrido uma quebra em sua estrutura e importância, com a transformação do extinto seu grande Tribunal, o Tribunal Federal de Recursos, no Superior Tribunal de Justiça, pela Constituição de 1988.
A magistratura dos estados se ressentia da falta de um tribunal superior que lhes possibilitasse ingressar no cenário do Judiciário em âmbito nacional, o que era restrito a juízes e desembargadores que se destacavam como doutrinadores renomados, bem como a juízes federais e do Tribunal Federal de Recursos, que em regra eram chamados a compor o Supremo Tribunal Federal. Para se ter uma ideia, ao tempo da promulgação da Constituição de 1988, eram ministros do Supremo Tribunal Federal os juízes federais de carreira Aldir Guimarães Passarinho (sucedido em 1991 pelo também juiz federal Ilmar Galvão), José Néri da Silveira, Carlos Mário Veloso e Carlos Madeira, este, embora advindo da Justiça Militar da União, fora membro do Tribunal Federal de Recursos, que era o órgão de cúpula da Justiça Federal, depois transformado no STJ.
Esse Tribunal, ao mesmo tempo em que se torna uma entre-instância, no plano da Justiça Federal e da Estadual, para a decisão final do Supremo Tribunal Federal, amortece a importância da Justiça Federal, eis que, composto apenas um terço por juízes oriundos dos tribunais de apelação federais, outro terço de estaduais, sendo a outra terça parte dividida entre nomes indicados pela OAB e membros dos Ministérios Públicos Estaduais e Federais. Enquanto isso, foram criados cinco tribunais federais de apelação, sem qualquer estrutura para existir, naquele momento, e cujas decisões deixam de ser definitivas no âmbito federal, admitindo-se o recurso especial além do extraordinário.
Esses novos tribunais federais demoraram a se estruturar e capilarizar, cada um a seu tempo, suas unidades judiciárias no território do país e hoje, se os da 4ª e da 5ª Região são modelos de funcionamento, o da 1ª Região, com jurisdição sobre catorze unidades federativas inclusive toda a Amazônia, encontra-se com uma estrutura muito aquém de suas responsabilidades, em termos de número de magistrados, por deter uma competência territorial desproporcional à sua capacidade de julgar e à extensão territorial dos demais, especialmente os da 2ª a 3ª regiões, com jurisdição sobre apenas dois estados federados cada um, e o da 4ª, com jurisdição sobre três unidades federativas.
Por outro lado, a Carta Política, no plano político-institucional ampliara o foro privilegiado e o sentido do princípio da presunção de inocência. Essas discussões todas convergem para o campo da histórica impunidade que grassa na realizada brasileira, em relação às violações praticadas pelos poderosos, tão bem registradas por Raymundo Faoro em Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro.
Ora, a Constituição Brasileira possui certas contradições que precisam ser rediscutidas, pois, ao mesmo tempo em que concede ao Judiciário a proclamada independência e isenção, vale-se de instrumentos de escolha de juízes que muito fortalecem o Poder Executivo nesse campo: os ministros do STF são nomeados exclusivamente pelo presidente da república, passando apenas pelo crivo da CCJ do Senado que jamais recusou um nome.
Na exata medida em que se reduzem de poder e importância os cargos do Poder Judiciário, amplia-se o grau de isenção da escolha de seus juízes: p. ex., os ministros do STJ são também escolhidos pelo presidente da República, mas após indicação em listas tríplices formuladas pelo Tribunal a partir das categorias de cujas instituições se compõe o tribunal; os juízes de tribunais federais, promovidos por merecimento e os advindos do quinto constitucional, são escolhidos também pelo presidente da República, mas dentre nomes de listas tríplices indicadas pelo próprio Tribunal, após redução das listas indicadas, no caso do quinto, pela OAB e MPF.
Os magistrados de carreira, federais e estaduais, cuja assunção dos cargos se dá mediante aprovação em concurso público de provas e títulos isentos de qualquer interferência, sentem-se livres para julgar com independência, malgrado as ameaças que não raro suportam. Os Juízes federais, maior ainda a independência, haja vista a não vinculação a uma unidade específica da federação. Assim, o contributo do Poder Judiciário, especialmente da Justiça Federal no momento político pelo qual passa o Brasil é inegavelmente importantíssimo.
O Brasil perpassa uma enorme crise política e econômica. A Operação Lava jato ainda não conhece os seus próprios limites. Há diversas ações (operações) em andamento como repercussão dela e, mesmo que haja desmembramento ou mudança de foro, as demais unidades da Justiça Federal competentes para julgar as matérias que vão surgir estão preparadas para atuar, em quaisquer rincões deste imenso Brasil.
Faz-se necessário que os agentes públicos de todos os poderes, assim como os atores privados, compreendam a necessidade de adoção de medidas muitas vezes duras; a crise ética exige ações firmes e o fiel cumprimento da lei e dos princípios constitucionais mais elevados, dentre eles o princípio da moralidade. É nesse aspecto que a Justiça Federal se destaca.
Assim, os Juízes federais de primeiro e segundo grau, ao tempo em que possuem uma competência muito sensível no espectro político da Nação, possuem um alto grau de independência, que se tem revelado em suas decisões em todos os campos e daí se extrai a enorme respeitabilidade e confiança que no cenário nacional nesse período tão delicado na história política e econômica do país.
É preciso que o país evolua na eliminação completa do denominado foro privilegiado, bem como não retroaja na questão da execução da pena após decisão em segunda instância, o que fará muito bem ao Brasil. Bom seria que essas alterações viessem por meio de emenda constitucional, de forma estável e segura, para garantir também a estabilidade da jurisprudência.
Faz-se necessário que o Brasil dê passos indispensáveis à sua evolução política- administrativa, que repercutirá na conduta social e também, no cenário econômico, para o bem de todo o povo. A Justiça Federal, chamada, jamais negou, tampouco jamais negará sua parcela de contribuição.