Queda das bolsas, congelamento do crédito, redução de taxas de juros, recessão. Com a crise global da economia, o futebol brasileiro já começa a estudar esses termos, se preparando para quando o esporte for atingido. Especialistas alertam que o mercado boleiro já sente efeitos da desaceleração global e prevêem reflexos maiores nos gramados.
Botafogo atrasou salários. O Atlético-MG teve crédito negado mesmo dando como garantia o dinheiro da televisão. Corinthians e Palmeiras, com Herrera e Kleber, acham difícil contratar os atacantes com valores fixados em dólar.
Alguns culpam a globalização, outros os investidores. Mas ninguém nega que a bolha em que o futebol brasileiro se encontra, a mesma que está estourando no esporte europeu, está prestes a explodir também por aqui.
Perigo, inclusive, para a preparação do Brasil para a Copa do Mundo. Com estádios a construir e obras bilionárias de infra-estrutura em pauta, um mercado em recessão e com crédito parado só pode ser mau sinal. Se na Europa o Liverpool cancelou as obras de seu novo estádio e o Barcelona deu um tempo nos planos do novo Camp Nou, como o Brasil terá dinheiro para os dez ou 12 estádios para 2014?
Ouvidos pelo
UOL Esporte, Amir Somoggi, especialista em marketing e gestão de clubes da Casual Auditores, e Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e diretor de planejamento do Palmeiras, têm certeza que o futebol verde-amarelo vai sofrer.
INGLATERRA: DÍVIDA DE US$ 5 BI |
Se a situação no Brasil é preocupante, na Inglaterra é catastrófica. O futebol inglês juntou dívidas de cerca de 3 bilhões de libras (5,2 bilhões de dólares) em todos os seus níveis e importantes clubes podem falir em vista da atual crise financeira.
"A montanha de dívidas tem credores espalhados pelo mundo todo e, portanto, parte dos clubes está espalhada pelo mundo, na mão de instituições financeiras, entre elas algumas que estão em situação péssima, ou na mão de ricos que não querem mais o clube", disse o presidente da Federação Inglesa, David Triesman.
Quase um terço da dívida total - 950 milhões de libras - pertence aos quatro principais times do país, Manchester United, Liverpool, Chelsea e Arsenal. Além disso, gastos com salários aumentam em média 12 por cento ao ano. A Federação Inglesa também deve: 400 milhões de libras para construção do novo estádio de Wembley. |
EUA: FALÊNCIAS JÁ EM FEVEREIRO |
ATRASO SALARIAL PREOCUPA |
TORCEDORES SÃO SALVAÇÃO |
CRISE ATRAPALHA PATROCÍNIOS |
"No longo prazo, o que tem me preocupado é a questão dos estádios. Não sei se todos que estão sendo construídos usarão apenas verba proveniente do Brasil. Normalmente é mais barato pegar dinheiro fora e fazer investimento no país. Agora, com a escassez de crédito, teremos dificuldades para construir dez ou 12 estádios", opina Somoggi.
Belluzzo é menos pessimista. "Essa crise deve ser longa, já que os mais otimistas falam em uma duração de 18 meses. Mesmo assim, não creio que teremos problemas para 2014, talvez vá encurtar o tempo para executar os projetos".
Os danos imediatos também devem ser problemáticos. A venda de jogadores para o exterior, solução mágica dos clubes para fechar os balanços a cada temporada, já diminuíram na janela de transferências do meio do ano e devem cair ainda mais na abertura de fim do ano, que tradicionalmente já é mais fraca.
"Como essa crise é muito abrangente e os clubes europeus não andam bem das pernas, nós tivemos um dos menores índices de jogadores vendidos para fora. Acho que tirando alguns times que não dependem do circuito legal para obtenção de recursos, os demais vão ter muitas dificuldades. Na verdade, o mercado deve encolher um pouco, pois ele vinha crescendo por conta da bolha financeira", explica Belluzzo.
Traduzindo: William, dois gols marcados pelo Corinthians, nunca seria vendido atualmente pelos 19 milhões de dólares que os ucranianos do Shaktar pagaram em 2006. "O valor dos atletas vai baixar, pois este tipo de negociação requer acesso ao crédito. Com o dólar valorizado poderíamos levar vantagem na venda de atletas para o exterior, mas isto também tem um efeito duplo: pode render um pouco mais em real, mas lá fora eles estão sem dólar e com certeza vão querer pagar preços mais baixos", analisa o coordenador de finanças do Coritiba, Francisco Araújo.
Outro mecanismo usado no futebol brasileiro para pagar contas, o adiantamento dos direitos de televisão, corre risco de sumir. Quando adiantam as cotas de TV, os clubes, na verdade, fazem empréstimos nos bancos e dão como garantia o valor que receberão das emissoras no prazo estabelecido. Com os empréstimos parados, esse artifício deixa de ser alternativa. A primeira vítima disso foi o Atlético-MG, que teve um empréstimo, teoricamente aprovado, negado após o estouro da crise.
"Um clube que tem um fluxo de caixa negativo, como o Atlético, tem de recorrer ao capital de terceiros, empréstimos, usando o que vai receber no futuro como garantia. Mas com a turbulência momentânea e a incerteza que tomou conta do mercado, os comitês de créditos dos bancos estão receosos de fazer novos empréstimos", explica o diretor financeiro do clube mineiro, Flávio Pena Medeiros.
Nesse cenário, o Clube dos 13 pode apresentar uma nova fonte de renda que amenizaria os efeitos da falta de dinheiro: a venda de direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro para o exterior, que está sendo negociada. "Há um cenário que deve ser benéfico aos clubes se mantida a trajetória de alta do dólar em relação ao real. Os contratos de direitos internacionais de transmissão são atrelados à moeda norte-americana", diz o vice-presidente do C13, Fernando Carvalho.
A crise pode diminuir, também, os valores de patrocínio. A maioria dos clubes brasileiros já negocia novos contratos para a temporada 2009 - justamente no momento em que as grandes empresas, nacionais e internacionais, decidem como lidar com a crise econômica.
"Ainda não dá para avaliar muito bem o tamanho dessa crise. Haverá reflexo nos patrocinadores e nas renovações de contrato, pois estamos lidando com uma crise econômica mundial. Haverá menos giro e menos crédito, já que as operações de crédito estão paradas não só no Brasil. Todos os clubes devem se preocupar", avisa Raul Corrêa da Silva, vice-presidente financeiro do Corinthians.