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19/04/2024 - INSTITUCIONAL

Juízo Federal da 2ª Vara condena casal por manter empregada doméstica em trabalho análogo à escravidão

Juízo Federal da 2ª Vara condena casal por manter empregada doméstica em trabalho análogo à escravidão

O Juízo da 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária da Bahia condenou um casal por manter uma empregada doméstica em situação análoga à escravidão, sujeitando-a a condições degradantes de trabalho por cerca de 40 anos. A pena aplicada foi de 4 anos de prisão, convertidas em serviços à comunidade, além de multas e perda do imóvel onde a vítima trabalhava, que deve ser direcionado a programas de habitação popular, após o trânsito em julgado. A sentença foi proferida pelo juiz federal Fábio Moreira Ramiro, titular da 2ª Vara Federal/SJBA, em 7 de abril de 2024.  

O caso teve origem em 6 de abril de 2022, com denúncia recebida pelo Ministério Público Federal (MPF). Após verificação in loco na residência dos denunciados, os auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificaram diversas infrações às leis trabalhistas praticadas pelos denunciados, entre elas: o não reconhecimento da relação de trabalho; a ausência de assinatura na Carteira de Trabalho de Previdência Social (CTPS); o não pagamento de salário, 13º terceiro e horas extraordinárias trabalhadas; a ausência de concessão de férias e folga semanal; o comprometimento do direito fundamental de ir e vir da trabalhadora; a imposição de jornada extraordinária acima do limite legal ou incompatível com a capacidade psicofisiológica da empregada e imposição de trabalho em condições degradantes. 

Citados, os denunciados apresentaram resposta à acusação e, no curso da instrução, foram ouvidas as testemunhas arroladas na denúncia e pela defesa, bem como os réus. Apesar dos argumentos da defesa, alegando a relação de afeto entre a doméstica e os membros da família, o MPF comprovou que o casal praticou crime de redução de pessoa à condição análoga à de escravo, por sua empregada não só executar todas as atividades domésticas, como também cuidar do neto dos acusados.  

Outro ponto destacado foi a falta de oportunidades educacionais para a empregada doméstica, já que uma das partes do casal era professora e a outra funcionário de uma instituição de ensino tradicional de Salvador.   

A materialidade e a autoria delitivas foram devidamente comprovadas através do Relatório de Fiscalização promovido pelo Ministério do Trabalho e Previdência e pelas provas testemunhais produzidas em juízo.  

Diante do panorama fático processual delineado, ao analisar o caso, o juiz federal Fábio Moreira Ramiro verificou a comprovação de submissão da vítima a trabalhos forçados, configurando, por via de consequência, a conduta dos acusados ao tipo previsto no art.149, do Código Penal, em cujo caput, citado na sentença, se extrai: “reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.” 

Outros fatores decisivos para a decisão do caso foi a verificação de que a vítima jamais teve a possibilidade de vivenciar experiências fundamentais para o adequado desenvolvimento humano, desde a infância até a idade adulta; a retirada da possibilidade de compreensão da vítima, através do adequado acesso ao ensino, que a história de vida dela não estava predestinada a servir as necessidades da casa onde vivia, bem como aos desejos cotidianos dos acusados e de seus familiares e a clara constatação da jornada exaustiva de trabalho acima do suportável pelo ser humano e fora dos parâmetros da saúde do trabalho, por ausência de consciência crítica da vítima.  

“No caso dos autos, não é preciso qualquer esforço para concluir que os acusados possuíam plena consciência que, retirando o acesso da vítima Elisabeth a direitos básicos, como o acesso à educação e ao convívio social, acarretariam um contexto ideal para colocá-la numa situação de subserviência e submissão, configurando-se, assim, o elemento intelectual do dolo”, afirmou o magistrado.  

Sendo assim, o juiz federal entendeu que o modus operandi delineado nos autos se acopla com perfeição ao conceito de escravidão moderna, já discutido pelo Supremo Tribunal Federal, citando fala da ministra relatora Rosa Weber, presente no bojo do Inquérito 3.412 asseverando que: “A escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa reduzir alguém a condição análoga à de escravo.”  

Ao final da decisão, o juiz Fábio Moreira Ramiro, titular da 2ª Vara Federal Criminal da SJBA, ressaltou que, “no caso dos autos, a violação à dignidade e ao trabalho ficam comprovados quando se rememora que a todas as possibilidades de a vítima adquirir independência social, econômica e intelectual foram sucessivamente tolhidas ao longo das últimas quatro décadas, através da ausência de acesso ao ensino e ao desenvolvimento de outras relações sociais que foram cerceados pelos acusados."  

A sentença determinou aos acusados penas de 4 anos de reclusão convertidas em serviços à comunidade, além de multas e perda do imóvel onde a doméstica trabalhava. Ele será direcionado a programas de habitação popular, após o trânsito em julgado.    

Com fundamento no art. 201, §2º, do CPP, o magistrado determinou ainda, que seja encaminhada pessoalmente cópia da sentença à vítima. Neste ponto, tendo em vista que a vítima não sabe ler, deverá o oficial de Justiça realizar a leitura da sentença de forma adequada, didática e compatível, considerando o desconhecimento da linguagem jurídica pela vítima.  

Essa matéria está associada ao ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes).


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