22/07/13 17:50
A Defensoria Pública da União propôs ação em desfavor da União, do Estado de Goiás e do Município com o objetivo de obrigá-los a fornecer medicamentos para o tratamento de pessoa com câncer.
Em embargos de declaração, a União alegou que a autora é titular de serviço de assistência médica dos servidores do Estado do Tocantins, indicando, portanto, que não era ela hipossuficiente e que não era da União e do SUS a responsabilidade por seu tratamento.
Em decisão que rejeitou os embargos, o magistrado que conduz o processo, o juiz federal EDUARDO PEREIRA DA SILVA, lembrou que a universalidade de acesso é uma das principais características do SUS, não se podendo impor qualquer tipo de condicionante ligado à renda, condição social ou política do cidadão.
A seguir, alguns trechos da decisão:
“Anteriormente a 1988, os serviços de saúde eram prestados pela iniciativa privada, para quem podia pagar, ou por instituições públicas, àqueles que recolhiam contribuições à Previdência. Havia, é verdade, instituições filantrópicas e públicas que prestavam assistência aos necessitados, sem pertencerem, porém, a nenhum serviço público nacional concebido para tal fim.
Estima-se, assim, que antes de 1988, a maior parte da população brasileira estava fora da cobertura de qualquer sistema de saúde.
A Constituição Federal, ao prever a saúde como direito social e dever do Estado, criou o Sistema Único de Saúde, com uma característica que o torna um dos maiores e mais ambiciosos programas sociais do mundo: a universalidade de cobertura (art. 196 e seguintes da Constituição Federal).
O art. 2º da Lei 8.080/1990 também prevê a universalidade de acesso ao SUS. Vale dizer, não se pode impor qualquer tipo de obstáculo ao acesso ao SUS, seja relativo a cidadania, renda, classe social e titularização de plano privado de assistência médica. O SUS se destina, pois, ao atendimento de toda a população brasileira, aí incluídos os estrangeiros.
O argumento da UNIÃO nestes autos, no sentido de excluir do acesso ao SUS os titulares de plano de saúde privado, não encontra qualquer apoio na legislação brasileira e se baseia em premissa equivocada.
A ideia de que o SUS serve apenas aos necessitados se baseia na realidade brasileira, em que as classes abastadas procuram assistência médico-hospitalar de melhor qualidade por meio de empresas privadas. Isso, porém, não decorre de qualquer característica legal do SUS.
Registre-se, aliás, que os serviços prestados pelo SUS vão muito além dos serviços médico-hospitalares, pouco utilizados pelas classes mais favorecidas da população.
Diversos programas do SUS vêm sendo utilizados por todas as classes sociais, sem contestações. Como exemplos, citem-se os programas de vacinação (febre amarela, gripe A, rubéola, entre tantos outros), os programas de dispensação de medicamentos de alto custo, o programa de tratamento para portadores de HIV, transplantes e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
Excluir o acesso de classes mais abastadas ao SUS é relegar tal relevante serviço justamente àqueles que menos condições políticas e econômicas têm de cobrar melhorias do sistema, ajudando a perpetuar a precariedade de parte dos serviços oferecidos à população brasileira.
A UNIÃO promove nestes autos, ainda, uma leitura completamente equivocada ao art. 32 da Lei 9.656/1995. O mencionado artigo não exclui nem condiciona o acesso ao SUS dos titulares de plano privado de assistência à saúde. Dispõe o artigo:
Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS
O dispositivo não apenas reforça que o titular de plano de saúde privado será atendido pelo SUS, como cria relação jurídica própria entre o SUS e as operadoras de plano de saúde.
O advento do dispositivo legal teve por base uma triste realidade observada nos países em que se desenvolveram os serviços de assistência médica privada. Observa-se nestes países que as operadoras de plano de saúde, na tentativa de cortar custos, vêm impondo uma série de obstáculos para a prestação de serviços muito caros, seja pela imposição de diversas autorizações, auditorias, pressões sobre médicos conveniados, e utilização de cláusulas restritivas geralmente relacionadas à carência ou pré-existência da doença.
Essa disputa bastante comum entre o paciente e a operadora é psicologicamente penosa e pode interferir significativamente na qualidade de vida e resultado do tratamento médico.
Ao criar uma relação jurídica própria entre a operadora e o titular de plano privado, a Lei 9.636/1995 quis livrar o paciente da dolorosa disputa pelo atendimento previsto em contrato, nos casos em que optasse pelo SUS ou visse o serviço médico pretendido negado por seu plano.
Por tal motivo, é incabível a invocação do artigo 32 da Lei 9.636/1995 para obrigar o paciente a litigar judicialmente contra a operadora de plano de saúde.”
Processo nº 17921-26.2013.4.01.3500
Fonte: Secos/GO