31/03/14 11:43
A juíza federal Vânila Cardoso André de Moraes foi a primeira especialista a apresentar suas considerações sobre As Demandas Repetitivas e Grandes Litigantes – tema do painel de abertura da reunião preparatória do VIII Encontro Nacional do Judiciário. Realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na última quarta-feira (26/03), o painel foi coordenado pelo juiz auxiliar da presidência do CNJ, Clenio Schulze. Segundo ele, o objetivo foi tratar de um dos macrodesafios aprovados durante o Encontro Nacional do ano passado. "Nas reuniões das redes de governanças colaborativas, representantes do Judiciário demonstraram uma preocupação muito grande em relação às demandas repetitivas. Por isso, separamos um espaço próprio para apresentar alguns aspectos teóricos e práticos sobre o assunto", explicou.
A magistrada Vânila Cardoso, que representou a Justiça Federal, também destacou a necessidade de discutir a questão das demandas repetitivas. Para ela, esse é, sem dúvida, o principal macrodesafio a ser enfrentado, pois atinge negativamente todos os outros. "No momento em que se enfrenta demandas de massa, não há tempo de atuar em outras questões", avaliou. Para a magistrada, o CNJ, ao enfrentar esse desafio, se debruçou sobre o grande problema do judiciário na atualidade. "Para mim, a matéria desse painel tem um sabor especial e amargo. E o que me fez estudá-la foi o impacto negativo que tem tido na Justiça Federal, aliado a uma sensação de vazio interno que senti quando não solucionei muitas das minhas demandas a tempo", revelou.
Durante a apresentação, Vânila Cardoso fez uma breve introdução teórica do que são demandas repetitivas, momento em que explicou não se tratar de um instituto jurídico. "É, na verdade, um fenômeno processual, um diagnóstico, uma doença da Justiça. Criamos instrumentos processuais de enfrentamento, mas é um problema que deve ser delimitado na sua origem", avaliou a jurista.
Onde estão as demandas repetitivas
Ainda de acordo com a magistrada, existem hoje cerca de 92 milhões de processos tramitando na Justiça, número que teve um aumento de 10% nos últimos quatros anos – o que prova que as taxas de congestionamento dos tribunais, apesar do aumento de magistrados e de servidores recém ingressados no judiciário, continuam crescendo. "Se não entrarmos com toda a nossa energia e unificação de toda a justiça, a tendência é ter um judiciário parado, porque o que vai entrar não vai sair e isso fará com que se tenha um acúmulo ainda maior de processos", alertou.
Vânila Cardoso expôs ainda que o CNJ fez um ranking dos 100 maiores litigantes do país e ficou claro pelos resultados que o Estado está se utilizando do Poder Judiciário de uma forma equivocada. "Ficou comprovado que o setor público federal lidera em questões de litigância, com um total de 38,5%, seguido do Setor Público Estadual, com 7,8% e o Municipal, com 5,2%. Isso significa que vinte entes da Administração Pública alcançam maior número de demandas (51,5%) que os demais oitenta maiores litigantes do país”, destacou. Segundo ela, esse panorama retira do cidadão seus direitos de proteção social e de equilíbrio, disse.
Ela ressaltou também a necessidade de tratamento diferenciado para as demandas repetitivas de direito público e as de direito privado na gestão e na administração, com acompanhamento constante. "Temos no país um problema muito sério, porque o nosso Processo Civil foi criado para atender demandas de direito privado. Esse mesmo processo, porém, vem sendo utilizado para solução de demandas repetitivas contra o poder público. Isso gera repetição, uma vez que essas demandas têm como base o fundo coletivo, o interesse público. Então, o que acontece é que o Judiciário acaba respondendo individualmente a questões coletivas, ficando assoberbado de trabalho”, apontou. Para a magistrada, é importante repensar que a origem dos problemas das demandas repetitivas não está na Justiça, mas na administração e na falta de uma legislação eficiente.
Soluções
Para a juíza federal, é preciso trabalhar em perspectivas de curto, médio e longo prazos, com foco na gestão do acervo. “Para curto prazo, e necessário urgentemente um mapeamento nacional dos temas repetitivos de grande repercussão que estão suspendendo processos em primeiro e segundo graus. Mas, para que dê certo, é necessária uma comunicação eficiente entre as justiças, pois as cortes superiores precisam dar prioridade absoluta a esses processos”, falou.
Em médio prazo, ela ressalta que o judiciário precisa realizar mais pesquisas institucionais, a exemplo do CNJ. “As escolas de magistratura do país inteiro têm um elemento humano extremamente qualificado, nós precisamos pesquisar mais a nossa Justiça. Isso não é estudar a Constituição, mas sim pesquisar os problemas e, a partir deles, buscar soluções. Isso terá um excelente efeito para a Justiça, porque contaríamos com centenas de juízes pensando sobre o mesmo assunto. É por isso que tanto o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), quanto a Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), apoiam hoje essas missões”, revelou.
Alterações legislativas também estão dentre as ações citadas pela jurista como realizações em longo prazo. “Precisamos nos movimentar para que isso aconteça, com base em pesquisa, com base em gestão. Precisamos alterar a legislação para que consigamos trabalhar bem essas matérias. Se não diferenciarmos os processos das demandas de direito público e demandas de direito privado, nunca teremos uma solução”, concluiu a magistrada.
Fonte: Conselho da Justiça Federal