A Caixa Econômica Federal (CEF) não poderá mais debitar valores de contas- -correntes ou contas salário de clientes para cobrir parcelas de empréstimos ou financiamentos em atraso. A decisão – que tem validade em todo o território nacional – foi tomada pela 5.ª Turma do TRF da 1.ª Região, ao apreciar ação civil pública apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a instituição bancária.
No processo, a 5.ª Turma declarou a anulação de uma “cláusula-tipo” – usada em diversos contratos – que previa a retenção de valores, mediante inadimplência, de contas destinadas ao recebimento de verbas de natureza alimentar, como salários, pensão alimentícia, pensão previdenciária ou aposentadoria. A restrição valerá, também, para contratos firmados com a Caixa, mas não incluídos os empréstimos consignados de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Estes titulares poderão ter os valores descontados em folha, mas somente até o limite de 30% do benefício previdenciário.
A Caixa também foi condenada a devolver, em dobro e corrigidos, os valores retidos dos clientes em contratos firmados nos últimos dez anos. Em caso de descumprimento da decisão, o banco será multado em R$ 20 mil por dia.
Processo
A ação judicial foi protocolada, inicialmente, na 6.ª Vara Federal em Goiânia/GO e o juiz HUGO OTÁVIO TAVARES VILELA deu razão ao Ministério Público Federal. O MPF entendeu que a cláusula contestada afronta o artigo 649 do Código de Processo Civil (CPC) – que prevê a impenhorabilidade das verbas alimentares – e o artigo 70 da Constituição, configurando “prática abusiva no mercado de consumo”. Também pediu a restituição dos valores, em dobro, baseada no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.
Em recurso ao TRF, a Caixa sustentou não haver ilegalidade na cláusula-tipo, por não se tratar de “penhora” e sim de uma negociação legítima pactuada entre as partes para solucionar eventual inadimplência e afastou a afirmativa de abusividade ou “desvantagem exagerada ao consumidor”. Alegou, ainda, a incompetência do MPF para apresentar a ação civil pública e pediu que, se acaso fosse vencida, a decisão do TRF valesse apenas no âmbito territorial onde a ação foi proposta, sem abrangência nacional.
Todas as alegações, contudo, foram derrubadas pelo relator da ação no Tribunal. No voto, o desembargador federal Souza Prudente, reforçou o entendimento de que a Caixa, ao vincular o empréstimo a um bem do cliente – o dinheiro –, criou um vínculo “real” e não “pessoal”. Dessa forma, com base no artigo 1.419 do Código Civil (CC), a cláusula deve ser reconhecida como “penhor” e se submeter às suas regras legais. Assim, conforme previsto no artigo 1.424 do CC, o contrato deveria estipular, entre outros pontos, as “especificações do bem dado em garantia”, o que não está explícito nas condições contratuais.
“O que se constata, na verdade, é que a CEF tentou instituir em seu favor uma garantia real semelhante à que a lei concede aos hospedeiros, fornecedores de pousada e alimento e aos locadores de imóveis, a qual não exige a prévia especificação dos bens e permite auto-executoriedade”, citou o relator.
Com relação aos empréstimos consignados de aposentados e pensionistas do INSS, no entanto, Souza Prudente reconheceu a legalidade do desconto em folha, mas somente até o limite de 30 por cento do benefício e para os contratos firmados a partir do dia 28 de setembro de 2004. Nesta data, foi publicada a Lei 10.953/2004, que instituiu as mudanças na Lei 10.820/03 e autorizou a retenção dos valores.
Legitimidade
Ao discorrer sobre a competência do MPF para protocolar a ação civil pública, o relator destacou que o órgão agiu dentro de suas atribuições constitucionais ao defender direitos individuais homogêneos, decorrentes de origem comum: no caso, os direitos dos consumidores, previstos nos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor. A Lei Complementar 75/1993 também garante a atuação do MPF em questões que envolvam o sistema financeiro nacional. Esse entendimento já foi, inclusive, consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O desembargador federal Souza Prudente frisou, ainda, que a ação civil pública deve ser aplicada não apenas em observância à sua lei disciplinar – Lei 7.347/85 – mas a partir da Constituição como instrumento de defesa da cidadania. “No caso concreto, a discussão gira em torno de suposta abusividade de cláusula inserida em contrato de mútuo (...). Trata-se, sem qualquer dúvida, de interesses individuais homogêneos para o que o Ministério Público está legitimado a defender, podendo lançar mão da ação civil pública”, enfatizou.
Sobre o argumento de que a anulação da cláusula deveria valer apenas no âmbito territorial da Seção Judiciária de Goiás (SJGO), o magistrado citou decisões anteriores do TRF e do STJ para afirmar que as ações coletivas que visam proteger interesses difusos ou coletivos devem ter repercussão em todo o território nacional.
Dessa forma, os três desembargadores federais que compõem a 5.ª Turma do Tribunal decidiram pela anulação da cláusula constante nos contratos da Caixa. O único ponto divergente, em que o relator foi voto vencido, diz respeito à prescrição. Por defender a “anulabilidade” – ao invés da “nulidade” – do dispositivo contratual, os magistrados Selene de Almeida e João Batista Moreira se basearam no artigo 178 do Código Civil para estipular em quatro anos o prazo prescricional da medida.
Processo n.º 0007205-76.2009.4.01.3500
Fonte: ASCOM-TRF-1ª Região