A Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf/TRF1) e a Seção Judiciária do Piauí (SJPI) realizaram o Seminário Litigância Estratégica no Processo Estrutural nessa segunda-feira, 18 de novembro. O evento ocorreu no Edifício-Sede da SJPI, em Teresina, e abordou a importância do Judiciário nos processos que visam reestruturar a administração quando há deficiência no atendimento à população.
Saúde, moradia, direito de ir e vir são alguns exemplos de assuntos constantes nesse tipo de ação, que funciona como instrumento jurídico usado para reestruturar organizações sociais ou políticas públicas que possam estar colaborando para as situações de “estado inconstitucional de coisas” ao invés de solucioná-las.
Na abertura oficial, o diretor da Esmaf, desembargador federal Jamil de Jesus Oliveira, lembrou que a importância do tema reside justamente na série de direitos, prerrogativas e garantias que a Constituição estende a brasileiros e estrangeiros – mas que acabam lesados por uma atuação ineficiente e insuficiente do Estado.
“É nesse contexto que surgem as ações estruturais, procurando fazer com que o Estado se aparelhe. A Constituição proclama que nenhuma lesa de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário. Portanto, o Poder Judiciário tem uma atuação muito importante nesses processos que visam reestruturar a administração em alguns pontos nos quais haja deficiência de atendimento à população”, ressaltou.
Para o magistrado, o tema é oportuno porque os processos estruturais trazem uma dinâmica diferente para a interpretação das decisões judiciais, nas quais há um longo caminho a ser percorrido após a sentença.
“O atendimento ou cumprimento dessas decisões judiciais é sempre algo muito complexo”, ressaltou o diretor da Esmaf. “Portanto, é um tema muito presente, e é muito bem-vinda à proposição de temas como este, que demandam do magistrado, do aparelho Judiciário, e, também, com a sua intercomunicação com entidades envolvidas, muita vigilância e muita renovação. A primeira etapa é a da certificação de direito e da verificação de um estado inconstitucional de coisas; e, a partir disso, definem-se quais são as providências importantes a serem cobradas”, concluiu.
IA, Orçamento, principais desafios e impactos
Marcou o evento uma manhã inteira dedicada aos debates, cujas atividades começaram por volta das 9h. O Seminário trabalhou essencialmente, em três painéis, os seguintes focos: a utilização da inteligência artificial nos processos estruturais, a relação entre processos estruturais e tutela jurisdicional do orçamento e os principais desafios e impactos dos processos estruturais na Justiça Federal.
No painel inaugural das discussões, a utilização da inteligência artificial nos processos estruturais foi tema abordado pelo desembargador federal Roberto Veloso que, em 2020, foi designado para os trabalhos de coordenar a migração dos processos para o Processo Judicial Eletrônico (PJe) e de implantar a Inteligência Artificial no Tribunal, na época, o “Alei”.
O magistrado falou sobre os benefícios da IA para a Justiça, entre eles a redução da litigiosidade, o fortalecimento da previsibilidade e a maior celeridade na tramitação processual, dando exemplos concretos, como a utilização da Inteligência Artificial no Supremo Tribunal Federal (STF).
Veloso também explicou seu trabalho no Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e os desafios que lá encontrou, especialmente com a triagem, onde justamente foi percebida a necessidade de utilizar a IA para selecionar casos representativos – em uma integração com o PJe, tendo como foco a formação de uma jurisprudência do Tribunal.
Na utilização de precedentes, portanto, Veloso identificou os seguintes aspectos: a necessidade de adaptação a inovações tecnológicas, superação de resistência, cultura e o uso eficiente da IA para identificar padrões.
A palestra do desembargador também contou com um breve histórico do desenvolvimento da Inteligência Artificial no mundo, partindo dos primeiros conceitos com Alan Turing e passando pela primeira máquina de IA que venceu um famoso campeão de xadrez em 1997.
Sobre a análise da Inteligência Artificial atualmente, o desembargador federal Roberto Veloso falou que o panorama da IA no Judiciário prevê utilização crescente para eficiência e transparência e automação de processos e análise de jurisprudência.
Na oportunidade, o magistrado também mostrou, ao vivo, como se pode utilizar a Inteligência Artificial nos gabinetes, alertando para o devido cuidado para não cair nas “ilusões” de IA e divulgadas as ferramentas desenvolvidas com o apoio de magistrados (veja, por exemplo, as ações do projeto Sinergia no âmbito da 1ª Região).
O desembargador federal Roberto Veloso lembrou que a finalidade da Justiça são as pessoas. “Não existe outra finalidade, não pode haver outra finalidade que não as pessoas. Quando falamos de processos estruturais, não se trata de coisas, se trata de pessoas. Das pessoas com deficiências, das pessoas com direito à saúde, das pessoas afrodescendentes, indígenas. As pessoas: é disso que a Justiça cuida”, afirmou.
Em seguida ao desembargador federal Veloso, o procurador da República Marco Aurélio Adão falou sobre a relação entre os processos estruturais e a tutela jurisdicional do Orçamento, abordando o anteprojeto sobre a questão no Senado Federal, as principais conclusões sobre o processo estrutural no debate acadêmico brasileiro e a diferença de enfoque no orçamento, trazendo à discussão o antigo, porém sempre constante, debate a respeito de limitações orçamentárias a decisões judiciais. O procurador trouxe ainda a perspectiva da tutela jurisdicional do orçamento como técnica subsidiária.
Desafios e impactos na Justiça Federal
Por fim, as últimas considerações do dia foram da juíza federal Marina Rocha Cavalcanti Barros, que falou sobre os principais desafios e impactos dos processos estruturais na Justiça Federal – foi ela também quem sugeriu ao diretor da Esmaf o tema da litigância estratégica no processo estrutural.
Sua apresentação tratou a princípio da mudança de paradigmas do estado (do liberal para o social) e das rupturas necessárias para garantir as prestações positivas do estado (que incluem a diferença entre justiça comutativa e justiça distributiva, os direitos comunicantes e a centralidade da política pública).
Para a juíza federal Marina, o grande desafio presente nas rupturas necessárias é o desafio de o Judiciário não ser “cemitério” de políticas públicas. “Como ele se transforma em um cemitério de políticas públicas? Quando, de fora, tutela orçamento sem saber as peculiaridades do orçamento”, mencionou.
Alguns impactos concretos da litigância estratégica no processo estrutural explorados pela juíza foram:
– A distinção de conflitos de natureza comutativa e distributiva (o papel do juiz no correto enquadramento);
– A construção de soluções por meio de consenso;
– O respeito ao dinamismo, construtivismo e “gradatividade” próprios das políticas públicas.
Antes de encerrar sua participação, a magistrada também falou sobre a importância da Justiça Federal como protagonista nessa “guinada” da mudança de paradigma, citando casos concretos em que atua, como ações envolvendo o tratamento de câncer e ações do Minha Casa, Minha Vida. Ela também apresentou um vídeo sobre o círculo de conciliação em políticas públicas.
O evento pode ser conferido na íntegra no canal da Esmaf no YouTube. O evento pode ser conferido na íntegra no canal da Esmaf no YouTube.
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AL
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região