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14/04/2016 -

“A Lava Jato é uma operação que já é histórica”

“A Lava Jato é uma operação que já é histórica”

14/04/16 16:54

A entrevista do Justiça Federal Hoje é com o juiz federal da 24ª Vara Fábio Moreira Ramiro. Ele é presidente da Associação dos Juízes Federais da Bahia e na entrevista abaixo o magistrado fala sobre o trabalho desenvolvido pelas associações da categoria e sobre as ações envolvendo o Judiciário Federal de repercussão nacional, como a Operação Lava Jato.

Justiça Federal Hoje - Fale aos nossos leitores um pouco sobre a atuação da Associação dos Juízes Federais da Bahia, entidade da qual o senhor é o presidente

Juiz federal Fábio Ramiro - A AJUFBA foi criada em outubro de 2014 visando a atender a questões de interesse local e, especialmente, visando à efetiva implantação do TRF com sede em Salvador e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe. Em Minas Gerais, há anos, já existia a Ajufemg, e visava inicialmente à criação do TRF da 6ª Região, o que acabou ocorrendo com a Emenda Constitucional 73. A Ajufba serviria para uma finalidade semelhante aqui na Bahia, mas, infelizmente, atravessamos crises políticas e econômicas, em que nada avança, inclusive no Judiciário, onde pende há 1000 dias o referendo da decisão liminar proferida pelo então presidente Joaquim Barbosa em ADI contra a EC 73. Pensamos nela como uma futura associação regional quando o tribunal vier a ser sediado em Salvador, mas também para que não percamos oportunidades que surgem. Por exemplo, em 2010, foi regulamentada uma lei de criação de 230 varas no Brasil segundo estudos do CJF. A Bahia recebeu 12 varas, e Minas Gerais, através de um trabalho da Ajufemg, 32 varas. Ainda que Minas seja maior, não é nessa proporção. Recebeu quase o triplo das varas da Bahia.

JFH - E o senhor atribui isso a quê?

Juiz federal Fábio Ramiro - A um trabalho muito bem feito pela Ajufemg, que estava no direito dela, e a uma insuficiência de trabalho da Seção Judiciária da Bahia, dos seus juízes. Esta é uma autocrítica. E também de uma falta de uma associação local. Mas já começamos a amadurecer. Hoje a maior parte dos juízes da Bahia é filiada à Ajufba.

JFH - Qual é a sua opinião sobre o trabalho da AJUFE ?

Juiz federal Fábio Ramiro - A atual gestão do presidente Bochenek foi a que mais se abriu para as associações regionais e seccionais. Hoje, a Ajufe representa quase dois mil juízes federais ativos e inativos, desembargadores e até ministros do STJ e do STF. O presidente Bochenek, também por ter sido presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais, adotou a linha de aproximar a Ajufe das associações regionais e as seccionais. Podemos ter divergências, mas objetivamos sempre o melhor para a Justiça Federal.

Em janeiro, nós, juízes federais, nos manifestamos em todo o País, pois estávamos atravessando uma crise com cortes orçamentários e era preciso que o Judiciário dissesse: “Nós temos nossa autonomia, temos independência”. A Direção da Ajufe e alguns presidentes de regionais e seccionais fizeram um manifesto em que alertavam a sociedade para os perigos da crise decorrente de um corte orçamentário de tal magnitude. E, naquele momento em que o orçamento foi aprovado, verificamos que até mesmo parcelas da nossa remuneração não estavam previstas no orçamento. Por exemplo, o auxílio alimentação. Juízes e servidores ficariam sem essa parcela. Ainda que seja uma parcela menor, ninguém aceita perder. Foi a partir daquele manifesto, com muitas reuniões com o presidente Lewandowski, que conseguimos reverter isso. Mas nós estamos hoje vivendo uma crise orçamentária muito grande, estamos com uma contenção de gastos brutal, jamais vista aqui na Seção Judiciária da Bahia e em todas as secionais do País.

JFH - O senhor acredita que a redução no horário de trabalho para redução de gastos irá prejudicar o jurisdicionado?

Juiz federal Fábio Ramiro - De forma alguma. O TRT já adota esse novo horário. Nós ainda não temos o processo eletrônico na Bahia, que chegará em setembro apenas para duas classes processuais, mas na opinião da nossa associação, não se justifica hoje um atendimento externo de 9 às 18 horas, pois não temos servidores para isso, e o que está provado agora, é que nós não temos recursos para manter tanto tempo as portas abertas para o atendimento. Isso não existe em nenhum país do mundo.

JFH - Qual a sua opinião sobre o trabalho da Lava Jato?

Juiz federal Fábio Ramiro - A Lava Jato é uma operação que já é histórica só pelos resultados alcançados nesses 24 meses, com uma pressão enorme sobre seus procuradores, agentes da polícia federal e da receita, servidores do COAF e apenas um juiz federal da primeira instância. Um juiz que sofre todas as pressões da sociedade. As decisões do juiz federal Sérgio Moro têm sido, na sua imensa maioria, 94%, mantidas pelo TRF sediado em Porto Alegre, STJ e STF. Já foram condenadas 67 pessoas e já estamos na 27ª fase de uma operação e cada fase é gigantesca. É óbvio que pode haver, aqui ou ali, reparos que podem e devem ser corrigidos, mas não há uma contaminação. Nós reviramos uma importante estrutura do país, que envolve o braço político, o braço das empreiteiras, o braço das pessoas que circulavam em torno de tudo isso aí. Haverá repercussão em várias outras esferas importantes do nosso país. E por muito tempo.

JFH - Qual a importância da colaboração premiada e da decisão de que a prisão já vale para segunda instância nesse contexto?

Juiz federal Fábio Ramiro - Essa decisão do Supremo, que autorizou a prisão do condenado por um orgão colegiado a partir da segunda instância, é importantíssima, na minha opinião. Quando fazemos um estudo do direito comparado, países que são berço da civilização moderna democrática e de estado democrático de direito, França e Estados Unidos, preveem a prisão desde primeira instância. Em quase todos os demais, a prisão se dá na confirmação da sentença condenatória na segunda instância, quando as provas não são mais revolvidas. Já a colaboração premiada no Brasil vem para efetivamente mudar para valer o processo penal brasileiro envolvendo as organizações criminosas. Uma crítica injusta é quando dizem que as colaborações premiadas só são feitas com as pessoas presas. Na sua grande maioria, 70%, foram com os acusados soltos. Os réus que assim procedem veem vantagens em colaborar com a justiça, com o Ministério Público, com a Polícia Federal, para que a articulação da organização criminosa seja desmembrada e desmantelada. Esse é o objetivo do trabalho.

Sobre as delações, não estamos falando de delator naquele sentido pejorativo da palavra, do dedo-duro, do Joaquim Silvério dos Reis. São pessoas que estão colaborando com a justiça, entregando provas e elementos para que sejam descobertos outros componentes ou outros fatos que interessam à investigação. A Lei 12.850/13, que trata das organizações criminosas, dá ao Estado instrumentos mais fortes para enfrentar tais organizações, que têm braços dentro do próprio Estado. É algo muito organizado e os crimes são praticados com transnacionalidade. É preciso que o Judiciário, a Polícia Federal e o MPF tenham instrumentos efetivos para atuar, porque senão o crime vai estar sempre muitos passos à frente.

JFH - Impeachment é golpe?

Juiz federal Fábio Ramiro - Não vejo assim. O impeachment é um processo político-jurídico, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal quando chega ao Senado. O que leva um presidente a sofrer um impeachment é a prática de crimes de responsabilidade previstos em lei. Hoje, a Câmara dos Deputados discute a denúncia contra as denominadas pedaladas fiscais e a edição de decretos sem numeração que aumentaram despesas sem autorização do Congresso Nacional, debatendo se se configuram crimes de responsabilidade.

Ainda que o impeachment seja aprovado, ainda que haja o afastamento da presidente, isso não será um golpe. A denúncia é de que ela teria vulnerado a lei orçamentária e, por conseguinte, a própria Constituição. Um crime de responsabilidade é um crime que se pratica apenas dolosamente. Um princípio basilar da Constituição é a presunção da inocência para todas as pessoas, inclusive nos crimes de responsabilidade a serem julgados pelo Congresso Nacional. Os congressistas são os juízes naturais do processo de impeachment. A Constituição assim determinou e ela não diz que havendo crime de responsabilidade do presidente da República, ele será julgado pelo Supremo. Ela só é julgada pelo Supremo nos crimes comuns.

Além disso, são os nossos representantes que a julgam. Se eles são bons ou ruins, são os representantes que temos. Nós os elegemos. Lembro um artigo muito lúcido que a colega juíza Clara Mota escreveu e que o JFH publicou na última quinta-feira sobre a demonização da política. Nós não podemos execrar a política. Isso seria negar a própria democracia.


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