18/09/19 13:27
ANA
Uma associação de pescadores do açude público do município de Andorinha/BA (oficialmente denominado de Açude Andorinha II), conjuntamente com associações de moradores e de pequenos produtores rurais do seu entorno ingressaram, em 16.05.2014, com uma ação civil pública objetivando a suspensão da outorga do direito de uso de recursos hídricos, concernente à captação de água no aludido reservatório, concedido pela Agência Nacional de Águas – ANA à Companhia de Ferro Ligas da Bahia - FERBASA através da Resolução nº 194, de 12 de abril de 2011.
As associações autoras sustentavam que a captação de água na vazão outorgada pela ANA à FERBASA não seria compatível com o uso sustentável pelos pescadores, pequenos criadores de animais e moradores do entorno do açude, principalmente quando considerado que, em maio de 2014, o reservatório ainda se recuperava de uma severa seca que o deixara completamente vazio no período de 2011 a dezembro de 2013.
Em 30 de julho de 2014, o então magistrado condutor do feito concedeu parcialmente a tutela antecipada, determinando a redução da captação de água para uma vazão bem inferior à outorgada pela ANA à FERBASA.
Mesmo após a concessão da tutela provisória de urgência, a situação conflituosa no açude público ainda permaneceu tensa, inclusive com relatos de atos de vandalismo contra bens da FERBASA e ameaças de morte contra empregados da empresa mineradora que faziam a segurança da casa de bomba do açude.
A situação permaneceu bastante polarizada até a realização da primeira audiência de conciliação, em 20 de abril de 2017. Os debates entre as associações e a empresa mineradora ainda demonstravam uma acentuada tensão.
Contudo, o juiz federal Rafael Ianner Silva, o qual passou a conduzir o feito, constatou que a ANA era vista pelas associações autoras e pela FERBASA como uma espécie de mediadora no conflito instaurado.
Isto porque, ao menos desde o ano de 2015, a aludida agência reguladora passou a realizar o processo de alocação da água no Açude Andorinha II, através da sua Coordenação de Marcos Regulatórios e Alocação de Água (COMAR).
Consoante se extrai de pagina do sítio eletrônico da ANA, a alocação de água “é um processo de gestão empregado para disciplinar usos múltiplos em sistemas hídricos assolados por estiagens intensas, pela emergência ou por forte potencial de conflito pelo uso da água. (...) Em síntese, a alocação compreende o diagnóstico do conflito, a promoção de regras de convivência entre usuários (marcos regulatórios), o levantamento de ações estruturais e não estruturais necessárias à sustentabilidade da gestão e a realização de reuniões públicas com a participação dos órgãos gestores federal e estaduais de recursos hídricos, dos usuários de água, dos operadores de reservatório e da sociedade em geral”.
Identificada a confiança das partes quanto à atuação da ANA, o magistrado federal insistiu na via conciliatória, determinando a realização de uma perícia por empresa indicada pela agência reguladora (estudo tecnicamente denominado de batimetria), com o fito de aferir a topografia do açude e, assim, obter dados mais precisos para disciplinar o uso dos recursos hídricos do reservatório. Para reforçar o animo conciliatório, a FERBASA aceitou arcar com o pagamento dos honorários periciais, estipulados em R$ 108.000,00 (cento e oito mil reais).
Após a realização da perícia e a consequente revisão técnica da ANA quanto aos parâmetros do termo de alocação de água no açude, foi realizada nova audiência de conciliação em 22 de agosto de 2019.
Aberta a audiência, a ANA trouxe à mesa uma nota técnica com proposta de um marco regulatório sob a forma de resolução, o qual estabeleceria as condições de uso dos recursos hídricos no sistema formado pelo reservatório de Andorinha II em todos os possíveis estados hidrológicos - EH (relativos aos níveis do açude em hm³ e divididos em EH verde, EH amarelo e EH vermelho).
Com a proposta, a ANA tornava possível o exercício da outorga inicialmente concedida à FERBASA em condições hidrológicas normais (EH verde), a qual sofreria progressivas limitações à medida que o nível do açude se tornasse mais crítico (EH amarelo e vermelho), com priorização do uso para abastecimento das comunidades e das atividades do entorno, bem como para a pesca artesanal.
Os debates duraram mais de duas horas, principalmente por conta da inicial resistência das associações autoras em substituir a aparente segurança jurídica trazida pela decisão liminar por um marco regulatório mais amplo e complexo.
Após as preciosas intervenções da Exma. Procuradora da República, Drª Analu Paim Cirne Pelegrine, e do advogado da FERBASA, Dr. Eraldo Ramos Tavares Filho, bem como dos determinantes esclarecimentos do coordenador da COMAR/ANA, Wilde Cardoso Gontijo Júnior, o magistrado federal permitiu que os representantes das associações ficassem a sós na sala de audiência, com o objetivo de debaterem entre si a proposta trazida pela agência reguladora.
Passados trinta minutos de conversa reservada, tais representantes associativos se convenceram de que o marco regulatório proposto pela ANA fornecia a segurança e a garantia necessárias à utilização prioritária do açude pelos moradores e pequenos agricultores do entorno, bem como pelos pescadores artesanais. A conciliação foi homologada por sentença, no ato da audiência.
Neste longo processo de construção do consenso, destaca-se a importância do diálogo franco, da capacidade dos envolvidos de ouvir e ser ouvidos uns pelos outros, da tolerância às diferenças e da compreensão de que o caminho para o convencimento exige paciência, criatividade, dedicação e, principalmente, tranquilidade.