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20/11/2023 - INSTITUCIONAL

Dia da Consciência Negra: confira entrevista especial com a desembargadora federal Neuza Maria Alves

Dia da Consciência Negra: confira entrevista especial com a desembargadora federal Neuza Maria Alves

Hoje, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o¿JFH traz¿uma entrevista especial, promovida pela Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação no âmbito da Seção Judiciária da Bahia (CPEAMASD/SJBA).

 A entrevistada é a desembargadora federal aposentada Neuza Maria Alves da Silva. 
 
Baiana, soteropolitana, mulher, educadora, Dra. Neuza Alves foi¿a primeira desembargadora federal negra do Brasil. Aluna de escolas públicas durante toda a sua trajetória escolar, após a conclusão do curso de Magistério, prestou o vestibular e ingressou no curso de Direito da Universidade Federal da Bahia,¿graduando-se em 1974. Especializou-se em Direito Processual (Civil e Penal) e em Direitos Humanos.¿O ingresso na magistratura federal ocorreu na Seção Judiciária de Rondônia, em 26 de agosto de 1988, onde assumiu a titularidade da 2ª Vara Federal. Desempenhou a função provisória de juíza auxiliar junto à 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Bahia, e em outubro do mesmo ano, tornou-se juíza federal titular da 8ª Vara Federal/BA. Em maio de 1989, assumiu a titularidade plena da 5ª Vara Federal/BA. Neuza Maria Alves da Silva tomou posse como desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em 17 de dezembro de 2004, promovida pelo critério de merecimento.¿ 
 
1 - Para a senhora, o que a data 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, representa para a comunidade afro-brasileira?¿¿ 
 
Respeitar a simbologia do 20 de novembro como data comemorativa da CONSCIÊNCIA NEGRA, com efeito, representa muito para a comunidade afro-brasileira, visto que se tornou uma excelente oportunidade para a tomada de posição diante do enfrentamento da questão racial em nossa sociedade. Com isto eu quero dizer que aqueles que só fingiam estar de acordo com o tema foram, em certa medida, levados a adotar postura significativa, produzindo ações mais efetivas para a conquista dos passos necessários a fortalecer a luta contra o racismo, a divulgar dados históricos desfavoráveis à continuação da crença no mito da democracia racial, entre outros diversos pontos de abordagem firme e corajosa que ganharam luz... ou pelo menos conseguiram sair quase totalmente das sombras. 
 
2 - Dra. Neuza Alves, a senhora foi a primeira desembargadora federal negra do país. Na sua trajetória, percebeu alguma evolução na conquista desse espaço por outras mulheres negras?¿¿Com a sua valorosa experiência no Judiciário Federal, ao seu ver, como o sistema de Justiça pode atuar para acabar com o racismo estrutural?¿¿ 
 
A minha trajetória já se faz longa, pois quando logrei a aposentação contava com pouco mais de 30 anos de magistratura (1987/2017), incluindo os dez meses de exercício junto à Justiça do Trabalho...  Decorreu tempo mais que suficiente para que eu pudesse testemunhar a presença de muitos de nós negros, homens e mulheres, no Judiciário Federal..., mas a evolução dessas conquistas não se operou na forma desejada. Essa é uma avaliação minha, muito particular, que encontra eco no que vou revelar agora: nesses trinta anos tomaram posse como Juízes Federais diversos cidadãos e cidadãs da raça negra, pelo menos com características típicas negroide incontestavelmente, mas não tenho conhecimento de nenhum que tenha assumido o Segundo grau de jurisdição. Digo isso dentro do universo da Primeira Região com certeza, mas ponho alguma dúvida no que tange à formação dos demais Tribunais Regionais Federais, que hoje são seis. Minha dificuldade se explica pelo fato de que alguns (algumas) são pardos (as), mas nunca se autodeclararam componentes desse grupo. Não os critico ostensivamente porque eu bem sei o que pode significar ser negro ou quase negro (?) nesse ambiente um tanto elitista e sofisticado, composto majoritariamente por pessoas de pele clara, com poder econômico de médio para cima, com sobrenome estrangeirado ou próximo de famílias tradicionais brasileiras... 

Considerado isoladamente o Poder Judiciário Federal (leia-se, a Justiça Federal) pouco pode fazer para pôr cobros a essa revoltante e sistematicamente reproduzida situação de descalabro que grassa na sociedade brasileira em referência ao racismo, seja ele institucional ou visto por qualquer outro prisma. Eu explico. A Justiça do Trabalho também é federal e lá não ocorre exatamente da mesma forma... a Justiça Eleitoral, embora composta em sua maioria por Juízes Estaduais e Desembargadores oriundos do Poder Judiciário Estadual, também é uma justiça remunerada pelos cofres da União, não registrando essas tão sentidas ausências em nossa Justiça Federal... A respeito da Justiça Militar, a gente pouco vê divulgação de notícias de quem assumiu, quem saiu... e eu não conheço mais de perto como as coisas se passam por lá.   

Acrescento um dado importante: pela divisão constitucional de competência, cabe à Justiça do Estado decidir as questões pertinentes ao crime de racismo.  

ATUAR para acabar com o racismo é tarefa que nos incumbe a todos, cidadãos e cidadãs desse país que aprendemos a amar e precisamos continuar a ter bons motivos para respeitar e engrandecer. 

3 - A Seção Judiciária da Bahia tem instituída a Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, na opinião da senhora, de que forma a atuação da Comissão pode contribuir no combate à discriminação e ao racismo?
¿ 
A Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, da Seção Judiciária da Bahia, pode e deve contribuir para o combate ao racismo dispondo-se a ouvir relatos, valorizar o sentimento envolvido nas diversas situações, investigando as circunstâncias, planejando palestras e discussões sobre o tema com estudiosos do assunto, servidores e abrindo os meios de comunicação possíveis dentro do universo que pretende atingir, fazendo sua parte em matéria tão ingente, tão cheia de aspectos psicológicos e emocionais, além dos funcionais em jogo. Sem receio de incomodar! Sem medo de ousar, mas cuidando de respeitar os limites do respeito à figura do ser humano, esteja ele em qualquer lado da discussão. 
 
4 - Podemos dizer que há o que se comemorar no dia 20 de novembro? Ou ainda há mais a fazer e a refletir?¿¿ 
 
Podemos dizer que há o que se comemorar no DIA VINTE DE NOVEMBRO! Como deixei induzido na primeira questão, é melhor do que se não tivéssemos nem isso! Não é um dia comercial como tantos outros e que nem assim perdem seu significado e importância. A história, vivida e construída tijolo a tijolo, para chegarmos a essa altura do calendário mundial, passados mais de quinhentos anos do Descobrimento do Brasil, tendo chagas do tipo racismo para combater, justifica a importância de se dedicar uma data específica para celebrar os passos que foram dados na direção desse objetivo e mantém viva a chama do desejo de continuar laborando por essa justa causa! 

Que ainda há muito a fazer ninguém tem dúvida, nem pode duvidar! Que devemos aproveitar toda e qualquer oportunidade para discorrer sobre o tema, aprofundar nossas razões e refletir sempre a respeito das ações a serem adotadas, também não se duvide! Mas para além de todas essas evidências, de toda essa conformidade de pensamento que invade nossa alma nesse momento, não podemos esquecer de começar de dentro de nós essas convicções, trabalhar nossos sentimentos e nossas reações para agir CONSCIENTEMENTE, não por mera imitação ou apenas para fazer o “politicamente correto”. E assim é porque é assim que tem que ser! 
 
5 –¿A senhora gostaria de deixar para os nossos leitores alguma consideração final?¿¿ 
 
Aos amigos da Justiça Federal, negros ou não negros, quero confessar que minha passagem por essas paredes não foi fácil! Na Primeira Instância foi mais contundente pois eu ainda não estava preparada para viver algumas situações limite. Já na Segunda Instância foi um pouco mais fácil porque eu já estava calejada pelas intempéries experimentadas, embora o inusitado de algumas situações tivesse me “pegado de jeito”. Apesar de ser assim, uma verdade há que não quer calar: fui bastante auxiliada por uns, paparicada por outros, consolada por alguns e até salva por outros tantos que, conscientes e resolutos, partiram em minha defesa. Fico me perguntando vez por outra, quais os motivos dos ataques e do maltrato: será porque eu era de origem pobre? Será porque eu era mulher? Será porque eu era negra? Será porque eu era tida como preparada e inteligente? Ou será por tudo isso junto, misturado e incondicionalmente inseparável? Só sei dizer que meu imaginário é bem composto por todos esses cenários, esses que me propiciam dizer hoje sem medo de errar: valeu a pena!  

Desejo ardentemente que todos vocês, sem exceção, sejam muito felizes e possam desfrutar das lições de quem veio antes, a fim de se aprimorarem cada vez mais! 
 

Essa matéria está associada ao ODS 10 (Redução das Desigualdades) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes). 


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