O magistrado inicia sua sentença de forma bastante original, com o trecho da canção “Purificar o Subaé”, do compositor santamarense Caetano Veloso. Após citar os versos (aqui resumidos): “Purificar o Subaé/Mandar os malditos embora/.../O horror de um progresso vazio/Matando os mariscos e os peixes do rio/Enchendo o meu canto/De raiva e de pena”, o juiz federal Pompeu Brasil lembra que, apesar de no primeiro grau não ser necessário encimar as sentenças com uma ementa (que sintetiza a definição jurídica do conflito), “tal refinamento permite imediata assimilação do quanto decidido”. O magistrado, que não tem por hábito utilizar o recurso nas suas sentenças, pela singularidade do tema julgado, o adota “por não possuir apuro de sensibilidade nesse nível” se utiliza a canção do célebre baiano a guisa de ementa.
O Ministério Público Federal buscou a condenação da Plumbum – Mineração e Metalurgia S.A e União Federal, para que fossem recuperados os danos ambientais e sociais causados em Santo Amaro da Purificação e na região de Boquira, na Chapada Diamantina. Também pediu o pagamento de indenização pelos danos ambientais irrecuperáveis e a obrigação de que a UNIÃO, por meio da FUNASA, promova pesquisas visando a avaliar o grau de contaminação dos moradores dessas regiões por metais pesados (chumbo e cádmio), desenvolvendo plano de atendimento às vítimas.
O Ministério Público Federal relata que após 30 anos de atividade (desde 1960) a empresa findou a indústria metalúrgica próximo a Santo Amaro após imposição de exigências do Conselho de Proteção Ambiental da Bahia. Nesse período teriam sido depositadas no solo cerca de quinhentas mil toneladas de resíduo perigoso, pondo a saúde pública em risco, prejudicando o ambiente, contaminando o Rio Subaé e as águas subterrâneas, dispersando escória no solo e na própria cidade de Santo Amaro, acarretando danos à população que apresenta inaceitáveis taxas de concentração de chumbo e cádmio no sangue.
Para o ente autor, a mineradora Plumbum, “depois de auferir lucros exorbitantes, foi embora, deixando para trás, sem o menor receio, um passivo ambiental de milhões de toneladas de rejeito e escória altamente tóxica e uma população contaminada e doente, enquanto que o poder público fechou os olhos para os prejuízos sociais e ambientais sofridos pela mesma população, privando-a de direitos constitucionalmente assegurados”.
Alega o MPF que a União se manteve inerte, demonstrando descaso diante de tão grave quadro enfrentado pela população contaminada por metais pesados
O magistrado cita laudos que atestam: “as taxas de emissões na atmosfera e a poluição do Rio Subaé; a vulnerabilidade do lençol freático em virtude da escória depositada a céu aberto; os efeitos nocivos desse resíduo contaminado por metais pesados (chumbo e cádmio), sua dispersão pela cidade de Santo Amaro (utilização na pavimentação de jardins, ruas, praças e áreas escolares); os graves riscos à saúde das crianças decorrentes da exposição crônica ao chumbo (nefropatia irreversível, saturnismo...). Fotografias de gado pastando na área da empresa e da camada de escória visível sob a pavimentação das ruas ilustram a peça técnica...”
Laudo pericial elaborado por profissionais designados pelo Juízo ratifica a contaminação ambiental em frutas, vegetais e águas pluviais. A pastagem contaminada pelo gado levou à contaminação do leite vendido à população local.
O magistrado lembra:“A questão ambiental, embora despontando na agenda política das nações apenas no século passado, assoma-se, hoje, como tema fundamental para a qualidade de vida das pessoas e a preservação dessa qualidade para as futuras gerações”.
Ao final, a sentença do juiz federal Pompeu Brasil obriga a mineradora Plumbum a: (a) cercar eficazmente a área da antiga fundição e toda a zona circunvizinha (de propriedade da empresa) sujeita à contaminação; (b) instalar (repondo quando preciso), em todo o perímetro sob domínio da empresa, placas de advertência, quantas forem necessárias à adequada visualização de quem se aproxime daquele sítio, indicativas dos riscos de contaminação; (c) manter quadro de vigilantes em número suficiente à cobertura da área, de modo permanente e com condições de repelir eventuais invasores daquele espaço; (d) instalar área alagadiça que evite a migração da escória depositada para o leito do Rio Subaé.
Condena ainda a empresa a pagar pelos danos ambientais causados, em valor correspondente a 10% do seu faturamento bruto, tal como declarado aos órgãos oficiais, apurado mês a mês desde a data em que sucedeu a extinta COBRAC (em 1989) até quando encerrou suas atividades no local em 1993, montante monetariamente atualizado e vinculado à utilização em ações de recuperação ambiental das áreas atingidas pela disseminação de chumbo e cádmio no Município de Santo Amaro da Purificação.
A União e a Funasa ficam condenadas à implantação, naquele município, em prazo não superior a seis meses, de um centro de referência para tratamento de pacientes vítimas de contaminação por metais pesados, elaborando plano (protocolo) de efetivo atendimento.
Também obriga a empresa ré a promover o encapsulamento superficial do vale da escória, guardando atenção às normas técnicas brasileiras e sob acompanhamento do INEMA e consolida a proibição de retirada e alienação de quaisquer bens sob titularidade da empresa ré naquele município, que ficam reservados para garantia de cumprimento das obrigações infligidas à empresa.
A sentença determina que ao Registro de Imóveis da cidade de Santo Amaro seja ordenado o bloqueio de todos os bens da empresa-ré.