O Brasil tem, infelizmente, uma cultura de descontinuidade mesmo daquelas políticas que se mostraram exitosas. Para a área da educação, isso é dramático
Mozart Neves Ramos — Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFP
No próximo domingo, o país realizará mais uma eleição de prefeitos e vereadores nos seus mais de 5 mil municípios. Mais uma oportunidade não só para consolidar o processo democrático brasileiro, mas também para avaliar os resultados das políticas públicas implementadas nos últimos anos. O Brasil tem, infelizmente, uma cultura de descontinuidade mesmo daquelas políticas que se mostraram exitosas. Para a área da educação, isso é dramático face à sua forte capilaridade social. Cabe assim à sociedade se mobilizar para evitar esse cenário de "começar tudo do zero" e ser a grande guardiã das políticas que vêm dando certo, especialmente aquelas que se mostraram eficientes, eficazes e efetivas. Os três Es significam: a eficiência — se as políticas governamentais estão produzindo os resultados esperados a um custo razoável; a eficácia — se as metas e objetivos do governo estão sendo alcançados; e, finalmente, a efetividade — se a população está satisfeita com os serviços que lhe são prestados.
Notadamente, uma política torna-se estruturante quando se transforma em lei, deixando, assim, de ser de governo e passando a ser de Estado. Não pertence a um prefeito ou a um vereador, mas é uma conquista de toda uma sociedade. Mas, para que isso ocorra, é preciso que o gestor municipal possa ter dados confiáveis acerca dos resultados dessa política e clareza em comunicá-la. A certificação desses resultados por instituições sérias e credenciadas pode ser um aliado importante nesse processo. Temos visto isso com o trabalho da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto junto a municípios paulistas, como Jundiaí, Batatais e Cordeirópolis. Os dois últimos recentemente sancionaram uma lei de fortalecimento da construção de políticas públicas de educação baseadas em dados e evidências científicas.
Costumo dizer, com frequência, que o Brasil pode aprender com o Brasil. Dois exemplos podem ilustrar o que quero dizer. O primeiro vem do estado do Ceará com o Programa de Alfabetização de Crianças na Idade Certa (Paic), enquanto o segundo vem do estado de Pernambuco com as escolas de tempo integral de ensino médio. Tais políticas estruturadas por lei inspiram o país no campo da alfabetização e do ensino médio, respectivamente. Os resultados são expressivos, e a própria sociedade reconhece tais programas como conquista de vários governos, sejam por aqueles que iniciaram, sejam por aqueles que expandiram ou por aqueles que aperfeiçoaram tais políticas, mas sempre mantendo a espinha dorsal do que os caracteriza. Manter não significa preservar para sempre sua estrutura inicial, mas aperfeiçoá-la, sem perder os seus pilares.
O Brasil ainda vive as consequências nefastas deixadas pela pandemia de covid-19. Um grande esforço vem sendo feito por estados e municípios, responsáveis diretos pela oferta educacional, em colaboração com o governo federal, na recomposição da aprendizagem escolar, especialmente em crianças menores na fase de alfabetização. Isso reforça ainda mais a tese de que não é hora de descontinuar as políticas que estão dando certo, mas de manter e aperfeiçoar. Jamais pregar a política do começar do zero, do que nada presta.
Os próximos gestores municipais terão muitos desafios pela frente no campo da educação. O principal deles persiste no avanço da aprendizagem escolar e na redução da desigualdade. Os últimos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), relativos a 2023, mostraram que o Brasil melhorou em relação a 2021, mas, em geral, ficou ainda abaixo daqueles de 2019 — ou seja, daqueles de antes da pandemia, que já eram relativamente pífios.
Torna-se fundamental aumentar a escolaridade de jovens e adultos articulada com programas de geração de renda e com a cadeia produtiva local. Nesse caso, vai exigir uma ação articulada com diferentes secretarias de governo e nas três esferas do Poder Executivo.
Outro exemplo, e isso ficou bastante evidente nas campanhas eleitorais, refere-se à oferta de creche, estratégica para que as mães não só possam trabalhar e estudar, mas também para promover o desenvolvimento pleno das crianças de 0 a 3 anos. É preciso entender que creche não é apenas cuidar, mas também educar. James Heckman — prêmio Nobel de Economia de 2000 — é enfático ao afirmar que nenhum investimento é maior do que aquele feito na fase da primeira infância, pois cada dólar investido se reverte em sete dólares no futuro.
Os tempos são de recomposição da aprendizagem e de inovação para que a educação avance na velocidade que a sociedade espera. Serão tempos que vão exigir cada vez mais o uso da ciência na tomada de decisão e de usá-la adequadamente, assim como no emprego de novos modelos de gestão no campo da educação, tais como o uso eficiente e transparente das parcerias público-privadas.
Fonte: Correio Braziliense
Iris Helena
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