Ainda vale a pena unir pessoas e países construindo templos aos livros; a persistência do belo num mundo bruto precisa de certa dose de ingenuidade
Rui Tavares
Colunas
Biblioteca com cerca de 350 mil livros do Real Gabinete Portugues de Leitura, no centro do Rio de Janeiro - Eduardo Knapp/20.set.19/Folhapress
Uma coluna é a coisa mais fácil do mundo: só precisa ter um título (e aqui na Folha, um subtítulo), um tema, um argumento, um princípio e um fim. E pronto. A única dificuldade está em explicar que o mais importante de uma coluna não é o tema ("já tens tema para a coluna?" é a pergunta mais fútil, porque quem tem tema para a coluna não tem ainda nada; quem tem um argumento já tem quase tudo, e quem tem princípio e fim já tem mesmo tudo).
O pior é quando uma coluna não quer ser apenas uma coluna; no caso, esta coluna quer ser um edifício —o Gabinete Brasileiro de Leitura, em Lisboa, Portugal.
Por quê? Bem, a primeira razão é que não há praticamente lista de bibliotecas mais belas do mundo em que não apareça o Real Gabinete Português de Leitura, do Rio de Janeiro, que é de fato lindo (são ambos, o Real Gabinete e o Rio).
A imagem mostra o interior de uma biblioteca com um design arquitetônico clássico. As estantes de livros são altas e repletas de volumes, com detalhes ornamentais em dourado. Um grande lustre pendurado no centro ilumina o espaço, que possui um teto alto com janelas que permitem a entrada de luz natural. No piso, há mesas de leitura e algumas pessoas estão presentes, interagindo no ambiente
É bonito o orgulho que têm brasileiros e portugueses de uma biblioteca como aquela, mesmo sendo uma pena que a sua beleza ofusque a existência de pelo menos mais quatro esplêndidos gabinetes portugueses de leitura em Salvador, Santos, Recife e Porto Alegre.
E justificado esse orgulho, também, quando pensamos na história que levou à sua fundação por imigrantes portugueses saudosos da terra, década e meia depois da independência do Brasil, em 1837.
A teimosia dessa comunidade de românticos exilados (o mais teimoso deles todos, José Marcelino da Rocha Cabral, que fugiu de Portugal por apoiar o liberalismo contra os absolutistas) teve de aguentar meio século para conseguir construir o belo edifício que hoje conhecemos, inaugurado em 1888, e mais uns anos para fazer dele biblioteca pública, hoje com mais de 350 mil volumes, incluindo raridades de Luís de Camões, Camilo Castelo Branco e João do Rio.
Centenário, Real Gabinete Português de Leitura atrai turistas no Rio
Esse presente oferecido por uma comunidade imigrante à comunidade que a acolhe, e ambas ao mundo que gosta de bibliotecas, é ainda um exemplo que nos deveria pôr a sonhar acordados.
Fonte: Folha de São Paulo 16/10/2024
Iris Helena
Biblioteca