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Publicações de Interesse Público

30/10/2024 -

Meninos não choram?

 Meninos não choram?

Pesquisa mostra que engajar jovens em conversa sobre normas sociais pode reduzir percepções equivocadas

Lorena Hakak

Colunas

 "Garotos perdem tempo pensando, em brinquedos e proteção, romance de estação, desejo sem paixão. Qualquer truque contra a emoção". A canção Garotos, lançada nos anos 80 pelo grupo Kid Abelha, retrata um aspecto cultural que observamos até hoje.

 Quem nunca ouviu a seguinte frase: "Homem que é homem não chora"? O artigo "We don’t talk about boys: Masculinity norms among adolescents in Brazil", escrito pela doutora Ieda Matavelli pela University of British Columbia lança luz sobre o tema.

 A literatura mostra que homens têm maior probabilidade, comparados às mulheres, de morrer por abuso de drogas ou suicídio e de cometer homicídios, e que parte dessa desigualdade de gênero pode ser explicada pelas normas de masculinidade.

 Essas normas podem estar associadas à restrição emocional —homens devem esconder suas emoções —ou à agressividade. Nessa última, há uma crença de que os homens ganham respeito dos pares através do uso da violência.

Silhueta de duas cabeças humanas com psicoterapia de saúde mental cerebral, conceito bipolar, terapeuta e paciente, ilustração plana em vetor - ST.art/Adobe Stock

 A questão central é porque essas normas persistem. Será que muitos realmente acreditam nisso? Ou temos uma percepção equivocada sobre o que os outros pensam sobre o assunto? Muitas vezes, a falta de diálogo sobre o tema contribui para a perpetuação desses conceitos, quase como um tabu.

 Foi com essa perspectiva que Ieda realizou sua pesquisa, visando entender se a falta de comunicação ou uma comunicação viesada entre jovens pode contribuir para a persistência dessas normas de masculinidade. Para isso, ela testou essa hipótese entre jovens de 13 a 15 anos de diversas escolas do Rio de Janeiro, uma fase crítica para a formação dessas normas.

 Para realizar essa análise, ela selecionou de forma aleatória alunos de uma mesma turma para participarem de uma discussão de 15 minutos sobre masculinidade, enquanto outro grupo discutiu sobre reciclagem (grupo de controle). 

Nas discussões sobre masculinidade, um mediador homem perguntava para os estudantes se eles concordavam com as seguintes afirmações: "homens que choram são fracos" e "homens deveriam recorrer à violência, se necessário, para ganhar respeito".

 Ieda conduziu uma pesquisa antes, logo após e três semanas depois da discussão para avaliar se o diálogo reduzia percepções equivocadas sobre masculinidade.

 Antes da roda de conversa, somente 10% dos meninos concordavam, privadamente, com a primeira afirmação. Entretanto, os meninos estimaram que 31% dos outros meninos da sua turma acreditavam na frase, gerando uma diferença de 21 pontos percentuais entre a crença estimada e a verdadeira. 

Em relação ao que eles acreditavam que as meninas responderiam, a diferença foi ainda maior, de 28 pontos percentuais. Na afirmação sobre uso de violência, a diferença foi de 13 e 11 pontos percentuais, respectivamente. 

Depois da roda de conversa, a diferença da percepção equivocada entre o grupo que discutiu as afirmações e o grupo de controle, caiu pela metade, com uma redução para 11 e 6,5 pontos percentuais, respectivamente. 

Assim, a pesquisa de Ieda Matavelli sugere que o simples fato de engajar os jovens numa conversa sobre normas sociais, que podem ser prejudiciais à sociedade, pode reduzir percepções equivocadas entre os jovens.


Fonte: Folha de São Paulo 30/10/2024

Iris Helena
Biblioteca


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