No sistema de três dias de repouso por semana, proposta pela PEC, seriam 192 dias sem trabalhar e remunerados — o dobro do sistema atual
José Pastore* e Hélio Rocha**
Opinião
As redes sociais deram um enorme impulso à discussão da proposta de emenda constitucional (PEC) apresentada pela deputada Erika Hilton (PSol/SP) cujo texto propõe a redução da extensão semanal do trabalho de 44 para 36 horas, a ser cumprida, no máximo, em quatro dias, com o consequente aumento do período de repouso de um para três dias, mantido o limite de oito horas diárias — equação que não fecha, posto que 4 x 8 = 32. Tudo isso sem diminuição do salário atual, o que significa que os empregados e servidores públicos civis passarão a trabalhar quatro dias e a receber sete. Nem a Lei Aubry 2, que, na França, reduziu a duração do trabalho para 35 horas, estabeleceu um número de dias de trabalho por semana.
As justificativas da parlamentar incluem: (1) há uma tendência mundial de redução de jornada; (2) isso proporciona uma melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores; e (3) cria mais de 6 milhões de novos empregos. Realmente, não é de hoje que muitos países debatem sobre a redução legal das horas semanais e diárias de trabalho, seja para aumentar o tempo de convívio familiar, seja para dedicação à requalificação e às atividades culturais e de lazer, com efeitos que se supõe serão positivos à saúde física e mental dos empregados e na sua produtividade, seja como mecanismo para gerar empregos.
São objetivos meritórios. Mas nada disso ocorre automaticamente. Para o alcance desses objetivos, é imperioso observar, entre muitos fatores, as condições econômicas, as características da produção, das empresas, dos empregados e de cada região. Razão pela qual a redução do tempo de trabalho tem ocorrido mais depressa quando praticada por meio de processo de negociação e, o que é mais importante, pari passu com os ganhos de produtividade do trabalho. Sem isso, o impacto econômico e social é muito grave.
Para se ter uma noção, a redução da jornada semanal de 44 para 36 horas, como pretende a referida PEC, gera um aumento do custo do trabalho, no mínimo, de 18%, quando os aumentos reais de salários costumam ser de 2%, 3%, 4% ou pouco mais do que isso. Em outubro de 2024, o reajuste nominal mediano foi de 5%, segundo o Salariômetro, da Fipe. Um aumento de 18% sem contrapartida de aumento de produtividade afeta profundamente a equação de custo de um enorme número de empresas, o que pode redundar na sua inviabilidade econômica e dispensa de pessoal.
Além da redução das horas semanais, há o impacto da redução de seis para quatro dias de trabalho por semana e, consequentemente, um aumento de um para três dias de descanso. No sistema atual, temos 48 dias de repouso por ano, 18 dias sem trabalho devido aos feriados legais, religiosos ou costumeiros e 30 dias de férias, o que dá um total de 96 dias sem trabalho e remunerados. No sistema proposto de três dias de repouso por semana, seriam 192 dias sem trabalhar e remunerados — o dobro do sistema atual. Dos 365 dias do ano, 53% seriam sem trabalho.
É claro que, para certas empresas e situações, isso pode ser tolerado. Mas, com certeza, esse aumento de custo inviabiliza milhões de pequenas empresas que operam em dias corridos e que precisam contratar um grupo adicional de empregados só para atender a escala de 4 x 3. Não se quantificou ainda os efeitos que a limitação a quatro dias de trabalho semanais poderá ter sobre setores que operam em turnos ininterruptos de revezamento de seis horas, sete dias por semana, como o siderúrgico.
A experiência recomenda que as leis devem estabelecer a extensão máxima do trabalho compatíveis com a realidade e o estágio civilizatório, e deixarem para as negociações o ajuste da extensão mínima.
Assim é no Brasil. A Constituição de 1988 fixa de forma consentânea com o quadro nacional e mundial, 44 horas semanais e oito horas diárias como tetos e deixa para os acordos e convenções coletivas — ou mesmo para as próprias empresas, observados os limites normativos — a fixação das jornadas efetivas.
Em suma, convém que os parlamentares examinem cuidadosamente os argumentos em favor da redução de jornada, assim como os seus ônus, para que a modificação não se transforme em um bumerangue contra o país, a sociedade, a economia e, em especial, os trabalhadores e suas famílias. É duvidoso que medidas desse tipo gerem 6 milhões de empregos, como afirma a deputada Erika Hilton.
*Professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP
**Ex-diretor Jurídico da Confederação Nacional da Indústria
Fonte: Correio Braziliense 06/12/2024
Iris Helena
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