Lobby das empresas ajudou a bloquear no Congresso projetos que ampliavam responsabilidade das plataformas
Patrícia Campos Mello
São Paulo
Poder
Entidades que representam as plataformas de internet no Brasil divulgaram nota pública nesta segunda-feira (9) afirmando que a decisão sobre o Marco Civil da Internet, em debate no STF (Supremo Tribunal Federal, pode "levar a remoções preventivas e à censura privada, comprometendo o debate democrático".
Hoje, o Marco Civil da Internet estabelece que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente se não removerem conteúdo após ordem judicial, a não ser nos casos de violação de direitos autorais e imagens de nudez não consentidas. Nesses casos, basta notificação extrajudicial.
Mas o Supremo vai decidir dois casos que podem mudar o regime de responsabilidade das big techs no país.
O voto do relator de uma das ações, o ministro Dias Toffoli, na quinta-feira (5), declara que o artigo 19 do Marco Civil é inconstitucional e estabelece um regime de responsabilidade objetiva para empresas de internet. A tese da responsabilidade objetiva seguiu em parte a manifestação da AGU (Advocacia Geral da União).
Seguindo a tese de Toffoli, qualquer um pode processar essas empresas caso encontre, em suas redes, um conteúdo da lista de vedados, entre eles: crimes contra o Estado democrático de Direito, atos de terrorismo ou preparatórios, induzimento a suicídio ou à automutilação, racismo, violência contra a criança e mulher, oposição a medidas sanitárias e divulgação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que levem à incitação à violência física.
Em todos esses casos, as empresas podem ser responsabilizadas mesmo antes de receberem uma ordem judicial ou notificação extrajudicial, como uma denúncia de usuário. Com isso, elas teriam de monitorar ativamente todo conteúdo veiculado em suas redes para eventual remoção.
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Além disso, a tese de Toffoli também prevê responsabilidade objetiva sobre conteúdo recomendado, impulsionado (de forma remunerada ou não) ou moderado.
A nota divulgada nesta segunda, assinada por Associação Latino-Americana de Internet (Alai), Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) e Conselho Digital, afirma que a mudança em debate no Supremo "traz a imposição de responsabilidade objetiva, independentemente de notificação aos provedores, afastando-se da ideia de moderação para obrigar as plataformas a um processo de monitoramento, o que seria uma grave violação a direitos fundamentais."
Empresas como Google, Meta e TikTok são parte das associações. Também assinam a nota a Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) e a Confederação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro).
As empresas afirmam que a mudança aumentaria muito a judicialização. "Caso esse modelo prevaleça, o Brasil pode adotar um regime inédito entre democracias consolidadas, com consequências graves para a liberdade de expressão, a inovação, pequenos empreendedores e a inclusão digital", dizem as empresas.
Observadores acreditavam que Toffoli iria propor outras exceções à imunidade concedida pelo Marco Civil, além dos casos de nudez não consentida.
Mas projetavam que, para essas exceções (violações à Lei de Estado democrático de Direito, racismo e homofobia), iria vigorar o regime de "notificação e ação", em que as empresas podem ser responsabilizadas civilmente se receberem notificação extrajudicial e não agirem sobre os conteúdos. Esse regime é semelhante ao que vigora na União Europeia.
Na UE, também há a exigência de relatórios de mitigação de risco sistêmico para se avaliar o cumprimento das exigências da Lei de Serviços Digitais. Não há punição (multa) por conteúdo único, mas, sim, por desrespeito mais amplo às regras.
Na visão de uma ala do governo, no entanto, o regime de "notificação e ação" não vai longe o suficiente e manteria a impunidade das plataformas. Mas, dentro do STF, alguns ministros se movimentam para tentar amenizar a tese de Toffoli, com votos mais moderados dos próximos ministros —com a exceção de Alexandre de Moraes e Flávio Dino.
Para as big techs, alterar o Marco Civil "sem ponderar impactos ameaça não apenas o presente, mas também o futuro de uma internet que seja, ao mesmo tempo, livre, segura e acessível para todos."
A nota defende "um modelo que equilibre direitos, proteja a diversidade e promova a inclusão, garantindo que o Brasil continue a ser um protagonista na construção de um ambiente digital democrático e inovador."
Desde 2020, o Congresso tenta aprovar legislação que aumenta a responsabilidade das plataformas de internet. Com lobby pesado das big techs e dos legisladores bolsonaristas, diversos projetos de lei empacaram no Congresso.
Fonte: Folha de São Paulo 10/12/2024
Iris Helena
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