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Publicações de Interesse Público

21/10/2024 -

Câmara aprova projeto que limita recursos ao STF; entenda

Câmara aprova projeto que limita recursos ao STF; entenda

Proposta, que passou pela CCJ, praticamente acaba com a possibilidade de ações para que a Corte regulamente normas por omissão do Congresso

 Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro — De Brasília

Política

   CCJ da Câmara — Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

 Em meio a embates com o Supremo Tribunal Federal (STF), a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que praticamente acaba com a possibilidade de partidos, sindicatos e confederações ingressarem com ações na Corte para pedir que o Judiciário regulamente normas por omissão do Congresso Nacional ou dê prazo para que sejam regulamentadas.

 Esse tipo de ação tem causado atrito entre parlamentares - principalmente os da ala mais conservadora - com o Supremo ao longo dos anos. Um dos casos, por exemplo, foi a criminalização da homofobia, que o tribunal equiparou aos crimes de racismo e virou alvo de queixas da bancada evangélica. Outro, mais recente, foi ordenar que o Legislativo refaça a distribuição do número de deputados por Estado por causa das mudanças populacionais.

 Para barrar novos julgamentos nesse sentido, a oposição apresentou projeto em 2020 para limitar o escopo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO). Pelo texto votado, não poderá ser objeto de deliberação pelo Judiciário o assunto que estiver no Congresso, em qualquer etapa da tramitação, nos últimos cinco anos.

 O texto foi discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em agosto, de forma conclusiva, e aprovado em votação simbólica. Registraram posição contrária os deputados Helder Salomão (PT-ES) e Patrus Ananias (PT-MG). Na ocasião, houve acordo para que parlamentares progressistas retirassem requerimentos de obstrução. Em troca, outras matérias consideradas mais polêmicas não foram apreciadas.

 Apesar da aprovação simbólica, esperava-se que os partidos de esquerda - que foram contrários ao avanço - entrassem com recurso. Segundo apurou o Valor, essas legendas “vacilaram” e não recorreram.

 Nos bastidores, parlamentares atribuíram a inércia ao fato de o prazo para apresentação do recurso ter ocorrido em setembro, durante período eleitoral, quando os corredores da Câmara ficaram esvaziados até mesmo nas semanas de esforço concentrado.

 Sem o recurso, a redação final do texto chegou a ser pautada na CCJ na semana passada, mas não foi votada porque a pauta era consensual e o Psol prometia obstruir se o tema fosse apreciado. Após a aprovação da redação final - que deve ocorrer nas próximas semanas -, a medida irá diretamente ao Senado.

 Para a autora do projeto, a deputada Chris Tonietto (PL-RJ), o texto vai diminuir o “ativismo judicial” e o STF só poderá decidir quando o Legislativo já não tiver discutido ou deliberado sobre um assunto. “Dessa forma, evita-se que uma matéria rejeitada, ou seja, com disposição legal negativa, ou em fase de discussão, seja causa de deliberação no Judiciário em relação à sua omissão, pois nesses casos é inquestionável que o Parlamento não está materialmente omisso”, afirmou ela, na justificativa da proposta. 

O projeto votado, contudo, é mais amplo e não trata apenas de questões deliberadas e rejeitadas pelo Congresso. Pelo texto, esse tipo de ação ao STF não poderá tratar de assunto “que tenha tramitado” em “qualquer uma das fases” do Congresso nos últimos cinco anos. Com isso, bastará a apresentação de projeto de lei, mesmo que não seja sequer debatido, para impedir o questionamento ao STF sobre a omissão do Legislativo.

 Além disso, o projeto impede que a ADO questione a omissão do Congresso sobre um tema com argumentos “constitucionais de ordem puramente principiológica” - como são, na opinião dos defensores do texto, os princípios da dignidade humana e da igualdade, por exemplo. 

Relator do projeto, o deputado Gilson Marques (Novo-SC) defendeu que há apenas uma limitação no uso desses instrumentos. “O ponto fulcral é que muitas vezes a omissão é consciente. Um exemplo emblemático foi a Câmara rejeitar os requerimentos de urgência para o PL 2630, que tentava regulamentar as “fake news”. Mostramos ali que o Congresso conscientemente não quer a regulamentação, então outro não pode fazê-la”, disse. 

Análise

 Para o advogado constitucionalista Eduardo Ubaldo, sócio do Ubaldo Rabelo Advogados, o assunto é complexo, mas o projeto é inconstitucional do ponto de vista formal e material. “O que se pretende é restringir, num projeto de lei, um instrumento de efetivação de garantia de direitos previstos na Constituição”, afirmou. 

Segundo Ubaldo, a Constituição de 1988 é uma Carta repleta de direitos e garantias, pelo contexto histórico pós-ditadura militar, e muitos dos quais não estão normatizados até hoje. “O constituinte falou: ‘Estou prevendo esses direitos. Você, legislador ordinário, terá que regulamentá-los. E, se não o fizer, haverá um mecanismo que force a regulamentação’”, disse.

 A própria regulamentação da ADO só ocorreu quase dez anos depois, com a lei que os partidos de direita agora procuram alterar. Mas, na opinião de Ubaldo, qualquer mudança restritiva deveria ocorrer por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC) e o projeto invade a prerrogativa do STF de analisar se há ou não mora. “Essa é a principal questão que o Supremo analisa: se o Congresso está deitado em berço esplêndido ou não”, explicou o advogado. 

Outro ponto questionado por Ubaldo é que não existe, no meio jurídico, o conceito de “norma constitucional de natureza puramente principiológica” que o projeto veta. “Eu não saberia dizer o que é isso”, afirmou Ubaldo.

Fonte: Valor Econômico 21/10/2024

Iris Helena
Biblioteca


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