PF apreendeu mais de R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo ao longo de todo o domingo
Por
Isadora Peron
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Flávia Maia
,
Guilherme Pimenta
,
Mariana Assis
e
Gabriela Pereira
, Valor — Brasília
Cármen Lucia, presidente do TSE — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
O primeiro turno das eleições municipais ocorreu com tranquilidade — pelo menos sob a ótica da Justiça Eleitoral. Para a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, o país teve, nesse domingo (6), uma eleição com “sossego democrático” e “sem hostilidades maiores”. A Polícia Federal (PF), no entanto, registrou centenas de ocorrências ao longo do dia e apreendeu mais de R$ 1,7 milhão, que provavelmente seriam usados para cometer crimes eleitorais, como a compra de voto.
“O que a gente queria era uma eleição e, continuamos querendo, com sossego democrático. Pedi semana passada que cada eleitor saísse de casa com o seu documento, fosse votar, achando, acreditando e recebendo da Justiça Eleitoral a certeza de exercer um direito importante para a vida dele”, disse.
A ministra defendeu que, como não há um sistema melhor que o democrático, é preciso cultivá-lo. “Voltamos a uma condição de não depreciar as instituições para romper com a normalidade democrática”, afirmou.
Pela manhã, Cármen Lúcia votou em Belo Horizonte e depois participou de um teste de integridade do sistema de votação, onde defendeu que as urnas são “seguras e auditáveis”.
Nos últimos pleitos, a segurança do sistema de votação passou a ser reiteradamente questionada sem provas, especialmente por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que defendiam o voto impresso. Este ano, porém, os ataques às urnas não entraram na pauta da eleição.
Na avaliação da ministra, isso aconteceu porque as características das eleições municipais, em que o eleitor está mais preocupado com a construção de creches e hospitais, deixa pouco espaço para a disseminação de mentiras sobre as urnas.
Ela afirmou ainda que existia uma grande preocupação com as “mentiras digitalizadas” no pleito de 2024, mas que, no fim, não aconteceu o que “era previsto”, de um “super uso” de tecnologias como inteligência artificial para a fabricação de “fake news”.
Questionada por jornalistas sobre o uso de notícias falsas às vésperas das eleições, como o laudo médico falso apresentado por Pablo Marçal (PRTB) contra Guilherme Boulos (Psol), em São Paulo, a ministra informou que não poderia citar casos específicos porque está em meio a um processo eleitoral e o caso deve chegar ao TSE.
Ela, no entanto, disse que já existe regulação para impedir o uso de notícias falsas e as “importunações eleitorais” que podem modificar votos às vésperas das eleições. Ela também reconheceu que as normas podem ser aprimoradas.
A ministra lamentou ainda que nenhuma mulher foi eleita nesse domingo (6) nas 11 capitais que não terão segundo turno. “Acho uma pena e muito triste o desvalor que se atribui a nós mulheres”, disse. Ela complementou: “Fico triste em saber que, em uma sociedade em que somos 52%, sejamos tão poucas no cenário da participação política”.
Além de Cármen Lúcia, os outros seis ministros titulares do TSE acompanharam a apuração dos votos da sede do tribunal, em Brasília, entre eles Kassio Nunes Marques e André Mendonça, que também integram o Supremo Tribunal Federal (STF).
Outras autoridades, como o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, também estiveram no local, assim como o presidente do STF, Luís Roberto Barroso.
Em uma rápida fala a jornalistas, Barroso apontou que, felizmente, “nada de extraordinário” ocorreu ao longo do dia e exaltou o sistema eletrônico de votação, que, segundo ele, é “provavelmente o melhor do mundo”.
De fato, o processo de votação aconteceu sem maiores imprevistos. Pela primeira vez, o horário foi uniforme em todo o Brasil e todos os Estados seguiram o horário de Brasília para o início da votação. Na prática, em cidades do Acre, Roraima, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia a votação começou mais cedo.
Segundo o TSE, a taxa de abstenção foi de 21,71%, um patamar considerado alto por Cármen Lúcia. Em 2020, em meio à pandemia de covid-19, esse índice foi de cerca de 23%, e em 2016, de 17%. Segundo a ministra, não há dados para afirmar que a abstenção esteja relacionada à violência, mas ela defende que é preciso entender melhor esse fenômeno para ver o que se pode fazer para que o eleitor tenha vontade de ir votar.
De acordo com o TSE, 0,6% das urnas precisaram ser substituídas por outras, patamar considerado dentro da normalidade. Ao todo, 3.218 equipamentos tiveram que ser trocados, e houve apenas uma seção com votação manual.
No início da manhã, o aplicativo e-Título, usado para justificar o não comparecimento às eleições, apresentou instabilidade. Segundo o TSE, isso ocorreu devido à alta demanda. Por volta das 8h, houve um pico de 7,6 mil acessos simultâneos por segundo na plataforma, o que gerou sobrecarga. Depois, esse número orbitou em torno de 2,3 mil. Mais de 2,6 milhões justificaram a ausência nas urnas pelo aplicativo, um aumento de 65,9% em comparação a 2022.
Para reforçar a segurança, o TSE enviou integrantes da Força Federal para 502 municípios. Até as 19h30, dados do Ministério da Justiça registravam 2.618 crimes eleitorais e 515 prisões, sendo 22 de candidatos. O balanço final deve ser divulgado nesta segunda-feira (7).
Já a Polícia Federal registrou mais de 300 casos e abriu 93 inquéritos. A corporação informou ainda que foram apreendidos mais de R$ 1,7 milhão, dos quais cerca de R$ 519 mil em espécie. Em todo o ano de 2024 foram apreendidos R$ 50,3 milhões, sendo R$ 21,7 milhões em dinheiro.
A PF reforçou a fiscalização nos últimos dias, e deflagrou dezenas de operações para combater crimes eleitorais em todo o país. Uma das principais preocupações da presidente do TSE este ano era a infiltração do crime organizado no pleito. Ela recomendou que representantes da Justiça Eleitoral adotassem medidas para tentar impedir que nomes ligados a milícias e facções fossem eleitos.
Mesmo assim, a violência política foi o tema que dominou a campanha, especialmente depois da cadeirada do candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, José Luiz Datena, no ex-coach Pablo Marçal (PRTB). Até quinta-feira, o Observatório da Violência Política e Eleitoral, da Unirio, havia registrado 311 casos de violência contra lideranças políticas ou familiares que disputam cargos municipais. O levantamento apontou que houve 35 mortes e 53 tentativas de homicídio.
Este ano, o TSE decidiu alterar a sistemática da totalização de votos para evitar a sobrecarga no sistema — problema que ocorreu em 2020. Nas cidades com mais de 200 mil eleitores, onde pode ter segundo turno, foi possível acompanhar o resultado geral e por zona eleitoral. Já nas cidades menores, o resultado por zona só foi divulgado posteriormente. De acordo com o TSE, 463.367 candidatos disputaram a eleição em 2024.
Fonte: Valor Econômico 07/10/2024
por Iris Helena
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