Decisão sobre tratamento de ex-combatentes compensa rejeição anterior a psicoterapia com MDMA
Marcelo Leite
Colunas
A Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps) enfim obteve uma vitória na FDA, a agência de fármacos dos Estados Unidos, e autorizou estudo clínico sobre maconha com alto teor de THC para tratar veteranos das inúmeras guerras que esse país promove. O pedido de licença do teste clínico de fase 2 havia sido feito pela Maps em 2021. Previa pesquisar o uso de flores de cannabis de alta potência fumadas em baseados ou vapers.
A comparação se daria com um grupo que receberia erva placebo. Ao todo, cerca de 320 ex-combatentes acostumados à droga, que poderiam fumar quando e quanto bem entendessem. A ideia é investigar riscos e benefícios do hábito como ocorre na vida real. Em foco estaria o alegado efeito terapêutico da maconha em portadores de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), que se contam às centenas de milhares entre ex-soldados.
"Veteranos de guerra dos EUA e de Israel fazem uso da ganja rica em THC há décadas para tratar TEPT. Já era tempo de realizar estudos clínicos com desenho naturalístico sobre esse tema", avalia o neurocientista Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, autor do livro "As Flores do Bem: A ciência e a história da libertação da maconha" (Fósforo Editora). Dados oficiais indicam média diária de 18-20 suicídios de ex-soldados norte-americanos. Há levantamentos que incluem casos não reportados ou com causa equivocada de morte e indicam que a taxa pode ser o dobro, 44 (um terço dos 136 suicídios diários nos EUA).
O TEPT esteve também no fulcro de proposta abortada pela FDA com o psicodélico MDMA (ecstasy) como auxílio à psicoterapia de vítimas de trauma, aí incluídos abuso sexual e infantil. Os dados de dois ensaios clínicos de fase 3 foram rejeitados pela agência em agosto, que considerou insuficientes evidências de eficácia e segurança. A derrota do pedido para comercializar a inovadora psicoterapia assistida por psicodélico abateu a startup Lykos, nascida dentro da ONG Maps. A empresa trocou dirigentes e demitiu 75% do pessoal como medida de contenção, enquanto busca milhões de dólares para fazer o novo teste de fase 3 exigido pela FDA.
"A Maps se orgulha de liderar o caminho para abrir novos caminhos de pesquisa desafiando a FDA a pensar diferente. Debatemos com a FDA por mais de 15 anos para poder conduzir uma pesquisa rigorosa com terapia assistida por MDMA para TEPT, uma abordagem de tratamento nova para revisores da FDA, então e agora", afirmou em nota o ativista Rick Doblin, fundador da associação.
A agência de fármacos aplica mais rigor quando se trata de compostos psicoativos estigmatizados pela fracassada Guerra às Drogas dos anos 1970. Foi assim com o MDMA, proibido em 1985, e de novo com a maconha, com uso medicinal autorizado em 39 dos 50 estados dos EUA (24 admitem uso adulto, também).
Após cinco anos de questionamentos, a FDA cedeu agora ao estudo com cannabis de alto teor para tratar veteranos traumatizados. Mas excluiu por ora da pesquisa a inalação com vapers e o recrutamento de pessoas sem experiência prévia com maconha, mesmo dando a elas a autonomia para decidir quanto fumar, a cada dia.
Fonte: Folha de São Paulo 25/11/2024
Iris Helena
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