Desde 2009, a empresa tentava um registro para proteger sua sola colorida no INPI
Por
Adriana David
— De São Paulo
Legislação
Rafaela Carneiro: “Decisão é importante e irá pautar casos semelhantes” — Foto:
A grife francesa Christian Louboutin obteve, na Justiça, o direito de registrar como marca o famoso solado vermelho de seus calçados. A sentença é da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Desde 2009, a empresa tentava um registro para proteger sua sola colorida no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
A autorização é para registro de “marca de posição”. Em 2021, quando o INPI regulamentou a questão, a grife adaptou o seu pedido. Mas, em junho do ano passado, o órgão negou o registro, o que a levou a recorrer ao Judiciário.
A marca de posição é reconhecida pela aplicação de um sinal em uma posição singular e específica de um produto, que permite a distinção de outros comercializados por concorrentes. Esse tipo de registro passou a ser permitido com a edição da Portaria nº 37, pelo INPI, que entrou em vigor em outubro de 2021.
Na decisão, o juiz federal substituto Celso Araújo Santos, destaca que o registro de marca de posição é uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Quando o pedido de registro da grife francesa foi depositado, em março de 2009, o INPI, afirma, não admitia esse tipo de registro, com base na suposta ausência de distintividade, conforme o item 5.13.2 do Manual de Marcas.
“Isso mudou em 1/10/2021, em razão da edição da Portaria INPI nº 37/2021, que deixou clara a possibilidade de registro de marcas de posição, inclusive permitindo que pedidos de registro anteriores à norma pudessem ser alterados para essa categoria. Foi o que aconteceu com o pedido da autora”, diz ele.
O juiz acrescenta, na decisão, que “a fama e a reputação dos sapatos femininos de salto alto de Louboutin fizeram com que os consumidores passassem a identificar essa característica visual a tal produto, e não como uma simples cor de solado”. “A marca então adquiriu distintividade com esse uso, no fenômeno chamado distintividade adquirida ou secondary meaning”, afirma.
O magistrado ainda cita, na sentença, parecer elaborado pelos professores Kone Prieto Furtunato Cesário e Gustavo Cesário, que traz uma pesquisa de mercado feita com centenas de consumidoras brasileiras acima de 16 anos (público-alvo de sapatos femininos de salto alto) de todas as classes sociais e regiões do Brasil.
“Nela resta claro que a maioria associou o solado vermelho do sapato de salto alto a uma única marca e, quando apresentadas seis marcas de sapatos de luxo (Chanel, Gucci, Jimmy Choo, Prada, Louboutin, Salvatore Ferragamo), em ordem randomizada, mais de 60% das respondentes associaram a figura à Louboutin”, diz.
Para Rafaela Borges Carneiro, do escritório Dannemann Siemsen, que representa a Louboutin no processo, a decisão é importante e “irá pautar outros casos semelhantes, talvez até pelo INPI”. “É pioneira ao reconhecer a distintividade com exclusividade e preserva direitos da Louboutin”, afirma a advogada, acrescentando que a marca tem registro em mais de 50 países. Além do Brasil, foi negado o registro na China, onde a marca também discute a questão.
Para também coibir prática de concorrência desleal, em abril de 2023, a Louboutin entrou na Justiça de São Paulo com ação contra a marca mineira especializada em sapatos finos “Bruna Silvério Shoes”, que estaria fabricando calçados com a sola vermelha. E obteve decisão favorável no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial reconheceu que o consumidor associa a sola vermelha de um sapato à famosa grife.
Segundo o advogado Karlo Tinoco, do RNA Advogados, representante da Christian Louboutin nesse processo, a decisão, unânime, proibiu a marca mineira de produzir calçados com a sola colorida. Mesmo sem o registro no INPI, acrescenta, os desembargadores entenderam que houve violação do chamado “trade dress” - conjunto de elementos que identificam e individualizam uma empresa, produto ou serviço. “Quando se vê sapato de solado vermelho, o consumidor não acha que é de outra marca.”
A sentença da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, diz André Mendes, advogado especialista em Fashion Law do L.O. Baptista, reconhece que quando uma marca de moda cria um produto icônico, que possui distintividade (usando cores) e alcança uma reputação perante consumidores de moda, ele deve ser protegido pelo sistema de propriedade intelectual e pelo Judiciário. “Essa é uma decisão que representa um marco importante na proteção de ativos de propriedade intelectual de marcas de moda”, afirma.
O advogado acredita que essa decisão dá mais segurança para as marcas e criadores de moda no Brasil. “Ela [decisão] coloca o Brasil em pé de igualdade perante outros países que já reconheceram a proteção de marcas de posição e efetuaram o registro do solado vermelho da marca Louboutin”, diz.
Procurado pelo Valor, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial informou que está avaliando o caso e não se pronunciaria por enquanto.
Fonte: Valor Econômico 22/11/2024
Iris Helena
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