Julgamento foi suspenso após o início da leitura do voto do ministro, relator de um dos recursos analisados e será retomado na quarta-feira (4)
Por
Flávia Maia
— De Brasília
Política
Ministro Dias Toffoli — Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
No segundo dia de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli começou a votar no recurso de sua relatoria que discute a responsabilidade das plataformas digitais sobre as publicações de terceiros. Embora não tenha sido concluído, o voto do ministro sinaliza que ele deve derrubar o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que define que as plataformas digitais só poderão ser responsabilizadas nos casos em que, após ordem judicial específica, não removerem em tempo hábil conteúdo apontado como ilícito.
Durante a leitura do trecho do voto, Toffoli mostrou preocupação com a burocracia para a retirada de conteúdo mesmo com a ordem judicial conforme o disposto no artigo 19 do Marco Civil da Internet. Toffoli destacou que são três patamares para a remoção de conteúdo de terceiros ofensivos: a ordem judicial; o não cumprimento da retirada do conteúdo conforme o determinado pela Justiça; e o respeito aos limites técnicos e o prazo fixado na remoção.
“Vejam a burocracia que existe mesmo com a ordem judicial para se remover [o conteúdo]. E a responsabilidade [das plataformas] só surge depois, pelo artigo 19”, disse o ministro em plenário.
O movimento do advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, de alterar a posição da União a favor da derrubada desse trecho da lei, também foi visto por interlocutores da Corte como um indicativo pela inconstitucionalidade do artigo 19. A mudança foi feita na tribuna, durante a sustentação oral de Messias. Até então, nos memoriais apresentados no processo, a AGU vinha pedindo interpretação conforme. Ou seja, o artigo seria mantido como regra geral e as plataformas só teriam a obrigação de retirar conteúdos por ordem judicial.
No entanto, a AGU trazia algumas exceções em que as plataformas deveriam retirar o conteúdo mesmo sem ordem judicial após a notificação extrajudicial, sob pena de responsabilização. Seriam os assuntos relacionados à proteção de crianças e adolescentes, à integridade das eleições, à defesa do consumidor, à prática de ilícitos penais e outras situações de desinformação. Messias justificou que o “ecossistema de desinformação” disseminado por redes sociais está trazendo prejuízos econômicos e à qualidade da democracia brasileira.
Messias lembrou que precisou ajuizar ações no STF para que as plataformas cessassem as transmissões ao vivo da invasão dos prédios dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Em sua avaliação, o artigo 19 do Marco Civil está trazendo uma “imunidade” que tem sido usada pelas plataformas para manterem atitudes omissas em relação à desinformação. “Estamos tratando de algo maior, da sobrevivência do estado democrático de direito”, afirmou.
Aproveitando a fala de Messias, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o 8 de janeiro de 2023 é o exemplo da “total falência” da autorregulação das plataformas e das “big techs”. “É faticamente impossível defender que o sistema de autorregulação funcione depois do 8 de janeiro. Tudo foi organizado pelas redes”, afirmou Moraes.
No fim da sessão, o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que quer concluir a análise do tema ainda em 2024, antes do recesso do Judiciário, que se inicia no dia 20 de dezembro. “Vamos tentar fazer o possível para concluir este julgamento ainda este ano, não deixar pendente nas férias”, disse.
O julgamento foi suspenso após o início da leitura do voto do ministro Dias Toffoli, relator de um dos recursos analisados e será retomado na quarta-feira (4).
Os recursos discutem a moderação de conteúdo e a responsabilidade dos provedores de internet, websites e gestores de redes sociais em relação a publicações de terceiros. Um deles aborda a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e outro também trata de moderação de conteúdo, mas refere-se a fatos anteriores à edição do Marco Civil da Internet.
O artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece as circunstâncias em que um provedor de aplicações de internet (como as plataformas de redes sociais) pode ser responsabilizado civilmente por danos causados por conteúdo publicado por terceiros.
Dessa forma, o artigo 19 determinou que a palavra final sobre o que é ou não permitido nas plataformas é sempre do Judiciário e as empresas não podem ser responsabilizadas por publicações de terceiros se não descumprirem decisão judicial de remoção. Por esse raciocínio, as empresas são livres para adotarem suas regras e suas operações de moderação de conteúdo, mas não serão obrigadas a indenizar por não atenderem a demanda extrajudicial de um usuário.
Fonte: Valor Econômico 29/11/2024
Iris Helena
Biblioteca