Assunto prioritário para o governo tem deficiências de governança e financiamento, diz relatório
Por
Murillo Camarotto
— De Brasília
Brasil
Apontada como uma das prioridades do governo federal, a promoção de uma transição energética justa e inclusiva ainda padece de problemas sérios de governança e financiamento. É o que aponta uma ampla auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que avaliou o nível de maturidade das políticas públicas e iniciativas já anunciadas. O relatório, ao qual o Valor teve acesso, será apresentado em plenário nesta quarta-feira (27) pelo ministro Walton Alencar, relator do processo.
Os auditores do órgão de controle avaliaram, entre outras coisas, a coerência entre iniciativas governamentais e a articulação de estratégias para descarbonizar a matriz energética e reindustrializar o país de forma sustentável. A fiscalização aconteceu entre junho de 2023 e setembro de 2024.
O relatório destaca, por exemplo, que, apesar dos avanços na matriz energética renovável, o Brasil mantém subsídios relevantes aos combustíveis fósseis, o que dificulta o alinhamento com metas climáticas e encarece a transição para uma economia de baixo carbono. A dependência do setor de transportes, que representa 50% das emissões da matriz, “reflete o desafio de equilibrar segurança energética e sustentabilidade ambiental”.
No ano passado, de acordo com o levantamento, os subsídios a todas as fontes somaram R$ 102,6 bilhões, um aumento de 4,4% em relação a 2022. O movimento foi assegurado por um aumento de 27,2% das fontes renováveis, enquanto as fontes fósseis tiveram uma ligeira queda, de 0,6%. Ainda assim, os subsídios aos fósseis somaram R$ 80 bilhões (77,83% do total), enquanto as renováveis tiveram R$ 20,6 bilhões (22,17% do total).
Subsídios a fósseis
“Estes valores evidenciam que a cada R$ 1 de fomento para fontes renováveis de energia, cerca de R$ 4 são subsidiados aos combustíveis fósseis”, diz o estudo. “Essa discrepância não apenas reflete prioridades políticas incoerentes aos objetivos da transição energética, mas também representa uma oportunidade perdida para liderar essa corrida global", completa o documento.
Sobre a governança, o TCU identificou dificuldades para alinhar os interesses de diferentes áreas, em prejuízo da eficácia e da integração das ações necessárias para alcançar os objetivos climáticos e sociais.
A transversalidade da política ambiental, muito alardeada pelo governo, requer uma articulação “robusta” entre vários ministérios, o que ainda não é uma realidade. Um dos principais exemplos é a exploração de petróleo na Margem Equatorial.
Além disso, há muitas lacunas na integração entre os entes federativos (União, Estados e municípios), bem como na participação de órgãos legislativos e regulatórios, que carecem de mecanismos efetivos de cooperação.
“Em que pese a institucionalização das estruturas de coordenação estarem instituídas, ainda não há a implementação dos mecanismos de coordenação horizontal, incluindo processos de trabalho e instrumentos de apoio como planos, documentos e soluções tecnológicas. Tais mecanismos serão essenciais à medida que as ações do Plante (Plano Nacional de Transição Energética) estiverem sendo elaboradas, para o necessário alinhamento e coerência às demais políticas públicas relacionadas à transição energética", avalia o tribunal.
A criação da Secretaria Nacional de Transição Energética é avaliada pelo TCU como um passo importante, mas ainda é insuficiente para superar as barreiras de coordenação e promover uma governança integrada, que alinhe as diferentes visões e interesses em torno de uma política de Estado sólida e eficaz.
O aspecto “inclusivo” citado pelo governo na política de transição energética, grosso modo, trata da relação entre a redução dos índices de pobreza e as limitações de acesso à energia. Nesse contexto, uma transição “justa” visa garantir que os impactos econômicos e sociais da mudança para fontes de energia mais sustentáveis sejam distribuídos de forma equânime, sem que nenhum grupo social seja deixado para trás.
Também nesse quesito, o levantamento do TCU apontou a falta de institucionalização e instrumentalização de ações visando a justiça energética, como também a existência de iniciativas governamentais incoerentes com o objetivo de transição energética justa. “Falta uma definição mais precisa dos objetivos, bem como a criação de indicadores que mensurem a evolução das políticas em uma perspectiva equitativa”, diz o documento.
O trabalho, se aprovado pelos ministros, será encaminhado ao Congresso Nacional, a fim de subsidiar os trâmites legislativos que envolvam o tema, bem como para a adoção de outras medidas de competência de deputados e senadores.
Fonte: Valor Econômico 27/11/2024
Iris Helena
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