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Notícias

05/03/2006 17:33 -

Ao derredor de crimes hediondos e equiparados

Ao derredor de crimes hediondos e equiparados


JOSÉ AIRTON DE AGUIAR PORTELA
Juiz Federal da Seção Judiciária no Pará

Há alguns dias, por seis votos a cinco, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/90, que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos. Esclareça-se, a quem o tema não seja tão prosaico, que o sistema progressivo de regime prisional, doravante permitido pela jurisprudência da Corte Constitucional para os crimes referidos, tem por objetivo à reinserção gradativa do condenado ao convívio social, cumprindo a pena em etapas e em regime cada vez menos rigoroso, até receber a liberdade.

Malgrado a decisão mencionadaas haja sido proferida em controle difuso de constitucionalidade que, grosso modo, é a análise dos efeitos da lei no caso concreto e, portanto, não fulmina de imediato a norma supracitada, assim mesmo consubstancia precedente que deverá ser considerado pelos juízes quando da execução da pena.

A isso adicione-se que a Lei nº 10.792/2003, ao conferir nova redação ao artigo 112 da LEP, passou a não exigir que o mérito do condenado lhe seja favorável à progressão, bem como tornou inexigíveis a manifestação do Conselho Penitenciário e o exame criminológico. À primeira leitura, a lei requer apenas que o preso tenha cumprido ao menos um sexto da pena no regime fechado e ostente bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento.

Sob tal interpretação simplista, um traficante condenado a 12 anos de prisão, com bom comportamento, em dois anos evoluirá para o regime semiaberto e deste para o aberto em mais um ano e oito meses. Atilando o raciocínio, após dois anos, estará com um pé na rua e, após mais um ano e alguns meses, estará com os dois.
Ao vedar a progressão de regime nos crimes hediondos, ao nosso sentir, o legislador ordinário apenas palmilhou a discriminatio delineada pelo constituinte em relação a determinados delitos, privando seus autores de alguns benefícios penais, para assim atender aos anseios da sociedade, que exige punições mais rígidas para os criminosos mais perniciosos ou violentos. Todavia, não foi esse o entendimento majoritário no STF, e tal fato deve ser acomodado. Aos juízes de primeiro grau cabe agora a difícil tarefa de conciliar a dignidade da pessoa humana e a individualização da pena com a defesa da sociedade contra a insegurança e a impunidade.

A missão é mesmo hercúlea e, por conseguinte, as cabeças da Hidra de Lerna devem ser cortadas de um só golpe, já que o panorama recrudesce ante a constatação de que os regimes prisionais, para os quais o condenado por crimes mais graves deve evoluir em grande parte do Brasil, ou são deficientes ou simplesmente não existem. Assim instala-se a real possibilidade de que, não havendo regime semi-aberto, o condenado passe, incontinenti, para o regime aberto, e, pior, não havendo regime aberto, poderá ir para casa, na fantasiosa prisão domiciliar. Ante tal quadro mais pragmático será, conforme ironizou um colega juiz federal, após redigir o dispositivo condenatório, que o magistrado determine a entrega das chaves da cela ao condenado.

Para que criminosos perigosos, que não possuem condições de retornar ao convívio social, não sejam colocados na rua, quase automaticamente, após o cumprimento de um sexto da pena e bom comportamento carcerário, impõe-se que o Congresso Nacional, urgentemente, modifique o artigo 112 da LEP, para que requisito temporal distinga crimes e criminosos quando da concessão da progressão de regime. À guisa de exemplo: mantenha-se como está para os crimes de média ofensividade e aumente-se para dois ou três sextos em relação aos crimes hediondos e quejandos.

Por outro giro, contudo, surge o alento de que, mesmo com a atual redação do artigo 112 da LEP, o juiz ainda pode e deve determinar o exame criminológico quando o preso tiver praticado crime doloso com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Isso porque o artigo 33, parágrafo 2º, do Código Penal, de forma genérica, diz que a pena privativa de liberdade deve ser executada de forma progressiva e segundo o mérito do condenado. Ora, sendo cediço que, em sede de execução penal, vige o princípio do in dubio pro societate, se o juiz tiver dúvidas sobre a cessação da periculosidade do condenado, deverá condicionar a progressão de regime prisional ao exame supracitado.

Mesmo que presentes os requisitos objetivos, o juiz, dada a natureza do sistema progressivo de regime, que pressupõe a readaptação gradativa do preso à liberdade, deverá indeferir a progressão se o exame criminológico for negativo e pesarem contra o preso as disposições listadas no artigo 9º da LEP, quando evidenciem personalidade propensa ao crime, colhidas por meio de entrevista a pessoas, requisição de dados e informações a respeito do condenado junto a repartições ou estabelecimentos privados, ou pela realização de diligências e outros exames necessários.

Como consolo ao encargo de enfrentar a gravíssisma situação exposta, finalizo com a belíssima sentença de Erasmo de Roterdã: 'Nas grandes coisas, é suficiente ter ousado.'


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