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17/06/2005 12:58 -

Cem mil famílias isentas da taxa de marinha

Cem mil famílias isentas da taxa de marinha

Medida cautelar concedida nesta sexta-feira, 17, pelo juiz federal da 5ª Vara, José Airton de Aguiar Portela, isenta milhares de famílias de Belém da obrigatoriedade de pagar à União a taxa de marinha incidente sobre imóveis situados na primeira légua patrimonial da cidade. A Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU) também está obrigada a excluir, de cadastros de inadimplentes como Cadin, Serasa SPC e Dívida Ativa da União, as pessoas que deixaram de cumprir a referida obrigação.

O procurador da República Felício Pontes Jr., que subscreve a ação civil pública ajuizada no ano passado e pede a isenção do pagamento, estima que serão beneficiadas 112 mil famílias, 80% das 140 mil residentes em imóveis localizados em terrenos de marinha. “A decisão do juiz federal Airton Portela restabelece a justiça em relação a milhares de moradores de bairros como Jurunas, Guamá, Condor e Terra Firme, que têm direito a essa isenção”, disse o procurador.

Ele informou que na próxima terça-feira, às 19h30, no Clube Imperial, no Jurunas, o Ministério Público Federal promoverá uma reunião para deliberar se é conveniente recorrer da decisão judicial para garantir a extensão do benefício aos demais 20% não contemplados pela cautelar deferida pela Justiça Federal.

Dos quase 140 mil imóveis localizados em terrenos de marinha, mais da metade está situada nas chamadas “áreas de baixada” de Belém. O juiz José Airton Portela diz que, nas áreas de baixadas, situam-se “bairros períféricos com grande densidade demográfica onde podem ser encontradas as pessoas pobres, quase em estado de indigência, fato que fez de Belém, até pouco tempo, a terceira capital mais ‘miserável’ do País.”

José Airton Portela estabeleceu as situações em que a União deverá suspender a cobrança de pessoas físicas ocupantes de terrenos de marinha ou acrescidos, detentoras da posse ou propriedade. Deixarão de pagar, por exemplo, todas as famílias em que o consumo de energia elétrica no imóvel não ultrapasse a 80 KW/mês. Nesses casos, para comprovar o nível de consumo, bastará a apresentação dos talões de energia, sem prejuízo das informações que vierem ser requisitadas pela Justiça Federal à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e às Centrais Elétricas do Pará (Celpa).

Também estarão isentas as famílias que, mesmo na faixa de consumo superior a 80 KW/mês, sejam beneficiárias dos programas Bolsa Escola ou Bolsa Alimentação, “ainda que convertida em outra modalidade de assistência”. Da mesma forma, não pagarão a taxa as famílias cadastradas no programa Bolsa Família.

Serão excluídos da cobrança, igualmente, os possuidores ou proprietários de imóveis que não tenham recebido rendimentos superiores R$ 12.696,00 no ano-calendário anterior, coincidente com o ano referente à cobrança da taxa de ocupação (que se submete apenas à obrigação de apresentar a declaração de isento do Imposto de Renda).

Portela destaca que as listas de pessoas beneficiárias da medida cautelar que suspende a cobrança da taxa de marinha serão fornecidas, anualmente, pela Aneel, pela Celpa, pelo órgão gestor dos programas sociais do governo federal no Pará e pela Superintendência da Receita Federal.

Por determinação do Juízo da 5ª Vara, as mencionadas listas de isentos do pagamento deverão ser entregues, em até 15 dias, à Gerência de Patrimônio da União no Estado Pará, que, por seu turno, terá o mesmo prazo para adotar todas as medidas necessárias ao cumprimento da medida cautelar deferida.

O magistrado observa que a questão envolvendo o pagamento da taxa de marinha revela “uma situação de desespero das populações dos bairros mais pobres de Belém que, morando em casas (a maioria barracos ou construções muito modestas) construídas em área mais baixa, mas não necessariamente acrescidos de marinha, têm sido implacavelmente vitimadas pela sanha arrecadadora do Estado.”

Portela explica que, muito embora a situação exija a atuação judicial, “ante as patentes ameaças e lesões a direitos”, seria inviável deferir medida cautelar para suspender integralmente a exigência em relação a todos os imóveis enquadrados como terrenos de marinha ou acrescidos.

A execução de tal medida, acrescenta o juiz federal, seria derrubada diante da “alegação de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Por esse motivo, o magistrado considerou mais prudente suspender a cobrança da taxa apenas para aqueles “que sofrem de forma mais imediata os efeitos de tal exação, e que já estão legalmente excluídos do seu recolhimento”.

Pessoas miseráveis são executadas na Justiça por não pagaram a taxa

O juiz federal José Airton de Aguiar, ao deferir medida cautelar que isenta 112 mil famílias do pagamento de taxa de marinha, ilustra com alguns casos – extraídos de certidões de oficiais de justiça da Seção Judiciária Federal do Pará – sua convicção de que milhares de pessoas residentes em bairros mais pobres da cidade “têm sido implacavelmente vitimadas pela sanha arrecadadora do Estado.”

Ele cita, por exemplo, o caso de um proprietário que, por não ter recolhido os valores referentes à taxa de marinha, está sendo executado na Justiça Federal por uma dívida de R$ 5.128,18. O oficial de justiça informou que a penhora não pôde ser efetuada porque o executado, por sua condição financeira, não dispõe de qualquer bem, a não ser um “humilde casebre de madeira de apenas um compartimento já bastante deteriorado.”

Em outro caso, o valor da execução é menor ainda: R$ 2.926,95. O executado declarou ao oficial de justiça “nada possuir, que tem 83 anos e sobrevive com uma aposentadoria de R$ 370,00”. Em outro processo de execução de uma dívida de R$ 4.568,53, o oficial de justiça informou ter constatado “o estado de pobreza do proprietário do imóvel, ocupante de uma área de 5m x 19m, “que representa o local onde sua casa está erguida”. Diante da ausência de bens, a penhora também não pôde ser efetuada.

Casos como esses, segundo Portela, “bem representam a absurda situação a que foi submetida a população pobre de Belém”, que, embora beneficiária da isenção contida no Decreto-Lei nº 1.876, em vigor desde 1981, “vê-se constrangida e intimidada pelo poderio estatal que, por tal agir, fere de uma só vez aos princípios da isonomia, da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal.”

O princípio da isonomia, acrescentou o juiz, é desrespeitado porque indivíduos juridicamente desiguais são tratados como se fossem iguais, “assim incluindo na mesma situação os hipossuficientes, para quem é difícil produzir prova de sua pobreza, já que compromete sua segurança alimentar até mesmo as despesas com fotocópias, autenticações e diligências para obtenção de documentos”.

Portela acrescentou que o princípio da dignidade da pessoa humana é negligenciado quando o Estado “obriga anciãos e doentes a comparecerem à unidade local da Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU), a fim de provarem que são carentes”.

Por último, disse Portela, afronta o devido processo legal, tendo em vista que deixa inteiramente a cargo do delegado da Secretaria de Patrimônio da União no Estado “a decisão acerca de que pessoas devam ser consideradas carentes e que elementos probatórios demonstram tal condição.”

Portela considerou improcedente a alegação da Advocacia Geral da União (AGU), de que o Ministério Público Federal não teria legitimidade para atuar na questão referente à cobrança ilegal da taxa de marinha. “Longe de representar interesse individual do município de Belém, atuação esta que encontraria objeção na própria Constituição Federal, no presente feito o Ministério Público Federal atende ao comando constitucional que lhe atribui a função institucional de zelar pelo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na própria Carta Política”, diz o magistrado.

Para fundamentar sua decisão, de 25 laudas, José Airton Portela recorre a historiadores, a levantamento técnicos e a documentos que tratam sobre a constituição dos terrenos de marinha em Belém e a definição da chamada Linha do Preamar-Médio (LPM).

Reconhece o juiz que a doação da primeira légua patrimonial da cidade é plenamente válida, exceto no que se refere à inclusão dos terrenos de marinha e acrescidos, “posto que não tinha poderes para tanto o então governador Francisco Coelho Carvalho”, que governou o Estado na primeira metade do século XVII.

Portela mencionou o Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, segundo o qual terrenos de marinha são aqueles que, “em uma profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831. Isso inclui os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés. O mesmo decreto define como “terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.”

O juiz ressalta que a demarcação é indispensável para a exigência, pela União, da taxa de marinha. Mas a Secretaria do Patrimônio da União no Pará, segundo afirma o magistrado, descumpriu disposição legal ao convocar os interessados certos e incertos por edital, “portanto, em frontal desrespeito ao referido dispositivo que estatui que somente os interessados incertos devem receber chamamento por esse expediente.”

Reforça o magistrado que “a negligência ao devido processo legal foi tão gritante que, conforme se extrai do processo administrativo de revisão da LPM, não houve uma única impugnação ao estudo demarcatório, que, nada obstante, tornou obrigatório o recolhimento da taxa de ocupação em quase 140 mil imóveis."


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