É urgente repensar a forma com a qual veículos e redes sociais têm tratado casos de violência envolvendo celebridades
Joanna Moura
O ano era 2021. Um vídeo divulgado na internet mostrava um homem agredindo fisicamente uma mulher na sala de casa. As cenas são chocantes. Em certo trecho é possível vê-lo partindo para cima dela enquanto o bebê do casal se encontra deitado na cama logo ao lado.
O homem em questão é Iverson de Souza Araújo, mais conhecido como DJ Ivis, cantor, compositor e produtor musical paraibano. A divulgação das cenas de violência gerou uma onda de revolta pública e resultou na demissão do artista da produtora pela qual era agenciado e no cancelamento de diversos contratos, além de alguns meses de prisão.
Mas os efeitos colaterais da exposição de seu nome não foram exclusivamente negativos. Nos dias seguintes à publicação do vídeo nas redes sociais, Iverson viu seu perfil no Instagram ganhar mais de 250 mil novos seguidores.
A imagem apresenta uma silhueta de uma mulher, composta por várias formas geométricas brancas que se assemelham a fragmentos. O fundo é da cor vermelha, destacando a figura central.
O espetáculo sensacionalista em que se transforma a cobertura desses casos acaba por tornar violência contra a mulher uma ferramenta de marketing involuntário - Catarina Pignato/Folhapress
Avançamos para julho de 2024. A cantora Iza, grávida de cinco meses, publica um relato comovente sobre o término de seu relacionamento com Yuri Lima. Segundo Iza, o jogador de futebol havia mantido um caso com outra mulher durante a gestação da cantora. Em poucas horas da divulgação do desabafo de Iza e antes mesmo de um pronunciamento oficial do jogador, o perfil de Yuri já acumulava mais de 200 mil novos seguidores.
Nesta semana, Sean Combs, o rapper americano mais conhecido como P. Diddy ou Puff Daddy ganhou destaque no noticiário. O cantor e produtor, vencedor de três Grammys e considerado um dos responsáveis por moldar o cenário do hip hop nos anos 1990, é alvo de uma série de acusações graves, incluindo estupro, tráfico sexual, associação criminosa, sequestro e extorsão.
A gravidade das denúncias, que já resultaram em seu indiciamento e prisão preventiva, e o fato de que o cantor já havia sido envolvido em acusações semelhantes no passado, já deveriam ser suficientes para manchar qualquer reputação e fazer os fãs repensarem a relação com o artista. Mas o efeito parece ter sido o oposto. Segundo dados da Luminate, empresa especializada em análises da indústria fonográfica, as músicas de Diddy tiveram um aumento de execuções de 18,3% na semana de sua prisão.
Não é a primeira vez que um artista da indústria fonográfica vê seus números serem alavancados após uma acusação de violência de gênero. Em 2019, após o lançamento do documentário "Surviving R. Kelly", que revelou o envolvimento do também cantor em casos de abuso sexual, R. Kelly viu a quantidade de streamings de suas músicas duplicar.
Os casos são uma pequena amostra de uma realidade difícil de digerir: a de que a exposição negativa não apenas não prejudica, como também parece impulsionar a carreira de agressores.
O espetáculo sensacionalista em que se transforma a cobertura desses casos acaba por tornar a violência contra a mulher uma ferramenta de marketing involuntário. Infelizmente, em tempos de redes sociais cujos algoritmos premiam engajamento, vale a velha máxima "falem mal, mas falem de mim".
A mídia tem, sim, papel fundamental de informar e contribuir para a divulgação de casos de abuso e de agressão. Mas é urgente repensar a forma com a qual veículos e redes sociais têm transformado casos de violência envolvendo celebridades em verdadeiros reality shows de horror, em que o acusado se torna personagem principal e o crime vira apenas pano de fundo. Os números estão aí para provar que quem realmente ganha com isso nunca são as vítimas.
Fonte:Folha de São Paulo -02/10/2024
por Iris Helena Gonçalves de Oliveira
Biblioteca/SJGO