Locutor que comandou o Jornal Nacional 8 mil vezes tratava os rins e teve falência múltipla de órgãos
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G1
— Do Rio
O jornalista e apresentador Cid Moreira: voz icônica e seriedade profissional diante de câmeras e microfones, mas brincalhão e querido por colegas e amigos — Foto: Divulgação
Morreu nesta quinta-feira (3) o jornalista, locutor e apresentador Cid Moreira, um dos rostos mais icônicos da televisão brasileira, aos 97 anos - completados no domingo passado, 29 de setembro.
Ele estava internado no Hospital Santa Teresa, em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, desde o dia 4 de setembro, quando deu entrada com insuficiência renal crônica. Antes, vinha tratando de uma pneumonia em casa. O quadro piorou, e às 8h desta quinta Cid morreu de falência múltipla dos órgãos.
Segundo o Memória Globo, Cid Moreira apresentou o Jornal Nacional cerca de 8 mil vezes.
Filho de um bibliotecário e de uma dona de casa, o paulista de Taubaté era formado em contabilidade, mas pouco atuou nessa área. Um amigo, cujo pai era diretor da Rádio Difusora de Taubaté, o convenceu a fazer um teste de locução em 1944. Começou ali a carreira de comunicador. Entre 1944 e 1949, ele narrou comerciais até se mudar para São Paulo, onde trabalhou na Rádio Bandeirantes e na Propago Publicidade.
Ele me ajudou muito e eu tive que me esforçar muito para acompanhar o nível dele”
— Sérgio Chapelin
Em 1951, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga. Entre 1951 e 1956, começou a ter suas primeiras experiências na televisão, apresentando comerciais ao vivo em programas como Além da Imaginação e Noite de Gala, na TV Rio.
Sua estreia como locutor de noticiários aconteceu em 1963, no Jornal de Vanguarda, da TV Rio, o que marcou o início de sua carreira no jornalismo televisivo. Nos anos seguintes, trabalhou nesse mesmo programa em várias emissoras, como Tupi, Globo, Excelsior e Continental, consolidando sua presença na televisão.
Estreia no Jornal Nacional
Em 1969, Cid Moreira voltou à Globo para substituir Luís Jatobá no Jornal da Globo, que então ia ao ar às 19h45. No mesmo ano, foi escalado para a equipe do recém-lançado Jornal Nacional, o primeiro telejornal transmitido em rede no Brasil. A estreia ocorreu em setembro de 1969, e Cid dividiu a bancada com Hilton Gomes.
Cid contou do nervosismo na estreia daquele que, em pouco tempo, seria o principal telejornal da televisão brasileira. “Eu chegava no horário de fazer o jornal, não participava da redação. Eu só ia para apresentar o jornal. Naquele dia, cheguei e vi aquele nervosismo, todo mundo preocupado. E, para mim, era normal. Mas no dia seguinte vi na capa do jornal “O Globo”: ‘Jornal Nacional’ Aí comecei a perceber a dimensão”, revelou ao Memória Globo.
Dois anos depois, iniciou uma parceria de longa data com Sérgio Chapelin. Durante 26 anos, Cid foi o principal rosto do JN. Sua voz tornou-se sinônimo de credibilidade, e seu “boa noite” diário marcou a televisão brasileira.
Em 1996, uma reformulação do programa trouxe novos apresentadores, William Bonner e Lillian Witte Fibe, com Cid Moreira dedicando-se à leitura de editoriais.
Fantástico
Paralelamente, Cid também participou do Fantástico desde sua estreia, em 1973, revezando com outros apresentadores. Em 1999, ele narrou o famoso quadro de Mr. M, que se tornou um grande sucesso do programa.
Sua voz icônica ficou tão ligada ao quadro que ele entrevistou o próprio Mr. M quando o ilusionista visitou o Brasil, no ano seguinte.
A partir da década de 1990, começou a se dedicar à gravação de salmos bíblicos. Em 2011, realizou o objetivo de gravar a Bíblia na íntegra, projeto que se tornou um grande sucesso de vendas.
Em 2010, foi lançada a biografia “Boa Noite - Cid Moreira, a Grande Voz da Comunicação do Brasil”, escrita por sua esposa, Fátima Sampaio Moreira.
Durante a Copa do Mundo daquele ano, gravou a famosa vinheta “Jabulaaani!” para a cobertura do “Fantástico” e programas esportivos da Globo, adicionando mais um capítulo à sua ilustre carreira. O termo, que em zulu significa ‘celebrar’, virou febre.
Repercussão
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte de apresentador Cid Moreira. De acordo com Lula, o locutor era “dono de uma voz única e poderosa” e “seu legado no jornalismo e na televisão brasileira será eternamente lembrado”.
Em suas redes sociais, Lula afirmou que o Brasil se despede de Cid Moreira “com tristeza” e lembrou que ele “atuou em diversas rádios e emissoras de TV antes de assumir a bancada do Jornal Nacional, onde foi o principal apresentador por décadas” e “se tornou o rosto das notícias e a voz do ‘boa noite’ para milhões de brasileiros”.
No programa Encontro, da TV Globo, o jornalista Sérgio Chapelin disse que o apresentador foi o “melhor profissional” com quem já trabalhou. “Ele me ajudou muito e eu tive que me esforçar muito para acompanhar o nível dele”, disse Chapelin.
O jornalista William Bonner, atual apresentador e editor-chefe do Jornal Nacional, relembrou a trajetória de Cid Moreira e o jeito brincalhão do apresentador. “O Cid Moreira era um grande brincalhão e ele adorava que brincavam com ele também.”
“O Cid, depois que saiu do Jornal Nacional, conseguiu ser marcante de outras formas, até com certo humor. Como participação no Fantástico. A voz do quadro do Mister M, quem não lembra? A voz que imortalizou o nome de uma bola de futebol, durante a Copa do Mundo, em 2010, na África, do Sul. Esse é o profissional que chegava às casas das pessoas. O profissional que eu tive a honra e a felicidade de trabalhar, algumas vezes, era uma pessoa de extremo bom humor, embora tivesse mais idade que eu, que adorava brincadeiras”, destacou Bonner.
Renata Vasconcellos, apresentadora do JN, salientou que o veterano passava uma formalidade e ao mesmo tempo um sorriso de garoto. “Eu gostaria de destacar uma qualidade do Cid que é muito rara e maravilhosa: a capacidade de conciliar características opostas. Ele tinha toda a formalidade, o peso que o cargo de apresentador do Jornal Nacional exige, a sobriedade, a seriedade. Mas, ao mesmo tempo, com um olhar carinhoso, um sorriso quase maroto, de garoto, uma alma leve. E ele conseguia passar isso, ao mesmo tempo. Isso fazia com que os brasileiros se identificassem e se sentissem seguros na imagem de uma pessoa íntegra e ao mesmo tempo humana.”
Velório e sepultamento
O corpo de Cid Moreira foi velado na noite desta quinta-feira no Parque Municipal Prefeito Paulo Rattes, em Itaipava, região serrana do Rio. O velório tinha previsão de ser realizado das 16h às 19h, no hall de entrada do parque. No entanto, o corpo só chegou ao local às 17h50, escoltado pela Polícia Militar.
Nesta sexta-feira (4), haverá uma segunda cerimônia de despedida no Palácio Guanabara, sede do governo do Estado. O salão nobre estará aberto das 8h30 às 10h para a família e das 10h às 13h para o público.
O enterro acontecerá na tarde desta sexta-feira.
Em seguida o corpo do jornalista seguirá para sua cidade natal, Taubaté, em São Paulo, onde será enterrado. “Ele falou pra mim que queria ser enterrado em Taubaté. Ficar perto da primeira esposa, da filha, do neto. Já conversei com os queridos deles que estão lá, já vão providenciar”, disse a viúva, Fátima Sampaio.
Cid Moreira dizia que gostaria de ser sepultado ao lado da primeira esposa, Nelcy Moreira; da primeira filha, Jaciara; e do neto, Alexandre, que morreu aos 21 anos, em 1996.
A casa onde Cid morava em Taubaté atualmente é a sede da pró-reitoria da Universidade de Taubaté e fica na mesma rua onde Cid conseguiu seu primeiro emprego como estagiário de contabilidade em uma rádio.
A prefeitura de Petrópolis, onde ele vivia, declarou luto oficial de três dias. “Cid Moreira tinha um carinho por Petrópolis, em especial por Itaipava, lugar que ele escolheu para morar nos últimos anos”, afirma nota da administração municipal.
Cid deixa os filhos Rodrigo e Roger e a esposa Fátima Sampaio, com quem viveu por mais de duas décadas.
Fonte : Valor Econômico
Iris Helena