O novo modelo de tributação sobre consumo no Brasil, introduzido pela Emenda Constitucional n. 132/2023, foi objeto do Ciclo de Debates sobre a Reforma Tributária, realizado pela Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf/TRF1) na Seção Judiciária de Goiás (SJGO) nos dias 23 e 24/9.
O objetivo do evento foi o de formar magistrados dos 13 estados que compõem a Justiça Federal da 1ª Região que, ao longo do período de transição e de aprovação das leis complementares do novo sistema tributário, julgarão processos referentes ao tema que impactam todos os contribuintes brasileiros.
Na abertura, o juiz federal diretor do Foro da SJGO, Marcos Silva Rosa, agradeceu a escolha de Goiás como sede de um evento com temas desafiadores para a Justiça Federal e destacou “os dois dias de intensas atividades” num contexto desafiante como o da reforma tributária e dos aprendizados que ela demanda.
Em seguida, o diretor da Esmaf/TRF1, desembargador federal Jamil de Jesus Oliveira, destacou que o fato de a Emenda Constitucional 132 já estar em vigor é o principal motivo para se discutir assuntos decorrentes da reforma, pois traz inquietação aos contribuintes e aos entes tributantes. “A Justiça Federal tem uma especial preocupação em tudo isso, pela concentração, no âmbito de sua competência, das discussões dos atos do comitê gestor do imposto sobre bens e serviços, imposto que substituirá, no tempo próprio, – os tributos relacionados aos estados e aos municípios –”, explicou o magistrado.
Já o presidente do TRF1, desembargador federal João Batista Moreira, reforçou a necessidade de ampliar as formações práticas sobre o tema, especialmente a contabilidade tributária. Ele também agradeceu a iniciativa da Esmaf e destacou a relação entre as atividades do ciclo de debates para aprimorar a prestação jurisdicional.
A mesa de honra contou ainda com o corregedor regional da Justiça Federal da 1ª Região, desembargador federal Ney Bello; a vice-diretora da Esmaf, desembargadora federal Maura Moraes Tayer; o secretário-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), juiz federal Illan Presser; e o procurador-geral do estado de Goiás, Rafael Arruda, que representou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado.
Assista aqui a íntegra da abertura.
Primeiro dia
No primeiro dia de evento foram abordados os problemas do atual sistema tributário brasileiro, comparando-o com outros modelos internacionais. Também foram debatidos os impactos da reforma tributária no Poder Judiciário e as vantagens e os desafios do Split Payment.
Abrindo o primeiro painel, o juiz federal Mateus Pontalti, abordou o tema “Problemas do modelo brasileiro de tributação sobre o consumo: uma comparação do Brasil com o mundo”. O magistrado fez uma análise comparativa entre os modelos de tributação Europeu e Norte-Americano; explicou como funciona o sistema tributário brasileiro atualmente e destacou os principais problemas e as melhorias que a Reforma Tributária poderia proporcionar.
Na sequência, o juiz federal Hugo Abas Frazão falou sobre a “Comparação do contencioso tributário brasileiro com o contencioso tributário europeu”, quando apontou a necessidade de uma profunda reflexão sobre o sistema jurídico brasileiro.
Sob a mediação do juiz federal substituto Rodrigo Gonçalves, ele comparou o modelo tributário nacional com o de nações europeias como França e Itália, mas alertou que “cada país tem suas particularidades e não é possível simplesmente transplantar ideias”. O magistrado também destacou a ausência de simplificação nas ações processuais brasileiras, o que contribui para a judicialização excessiva. “Precisamos realinhar o processo, recalibrando o direito material ao processual”, pontuou.
Na terceira atividade do dia, o tema abordado foi “Os impactos da reforma tributária no Poder Judiciário”. Na apresentação o desembargador federal do TRF1 Marcos Augusto de Sousa destacou a necessidade de mudança no sistema fiscal brasileiro, a promessa de simplificação da cobrança de impostos pela Reforma Tributária e a esperada redução da litigiosidade.No entanto, o magistrado levantou reflexões sobre os desafios para o Poder Judiciário, como a determinação da competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para processar e julgar os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do Imposto Sobre Bens e Serviços. Ele também mencionou a chamada “minirreforma do Judiciário”, proposta pela Advocacia-Geral da União (AGU), para criar, na Justiça Federal, uma nova instância de julgamento que seria especializada na análise do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), após a Reforma Tributária – e a criação da chamada Ação Declaratória de Legalidade (ADL), para que atores legitimados pela Constituição Federal possam acionar diretamente o STJ a fim de fixar a interpretação jurídica sobre a aplicação dos novos tributos.
Diante do novo cenário, o desembargador federal Marcos Augusto frisou que os desafios enfrentados pelo Judiciário serão complexos e que o período de implementação da reforma será muito importante para que as interpretações sejam consolidadas.
Encerrando primeiro dia de evento, a professora Talita Félix fez uma contextualização sobre a Reforma Tributária e explicou sobre as vantagens e desafios do Split Payment – que significa “pagamento parcelado” –, sistemática que garante que a parcela correspondente aos impostos seja diretamente destinada ao governo, reduzindo a possibilidade de sonegação fiscal, trazendo transparência e alterando a eficiência da arrecadação tributária.
Segundo dia
Os temas “Tributação sobre o consumo”, “Capacidade contributiva” e “Imposto seletivo” foram discutidos nos painéis mediados por juízes federais da 1ª Região, com o objetivo de formar magistrados e magistradas para julgamentos baseados no novo sistema.
Com mediação do juiz federal da Seção Judiciária de Goiás (SJGO) Alysson Fontenele, o professor Francisco Mata Machado Tavares falou sobre a tributação sobre o consumo e capacidade contributiva.
O professor Tavares explorou premissas teóricas sobre a definição de tributos a partir de diferentes autores, falou sobre a relação entre tributação e desigualdades no contexto brasileiro e apresentou algumas soluções para a regressividade em tributos sobre o consumo, como a alternativa Steinmo e o Direito Financeiro, abordando a escolha originária da Constituição de 1988 pela tributação seletiva (com base na essencialidade das operações) e o Direito Tributário “puro”. Ele abordou, ainda, a seletividade em função da essencialidade, o problema do pass-through e o caminho do cashback, considerado uma solução mista entre Direito Financeiro e Direito Tributário.
Na conclusão, o palestrante trouxe simulações de sua autoria com base no Projeto de Lei Complementar 68/2024, que atualmente aguarda designação de relator no Senado Federal. E, encerrando o painel, ele respondeu perguntas das juízas e juízes que questionaram, entre outros assuntos, a relação entre tributação e desigualdades de gênero.
Em seguida, o desembargador federal Marcelo Albernaz, do TRF1, foi o mediador das exposições do juiz federal Leonardo Buissa Freitas, da SJGO, e a professora Maria Teresa Ruas Coelho.
Maria Teresa Ruas Coelho falou sobre o imposto seletivo a partir das evidências científicas, a metodologia dos estudos envolvidos e a base teórica fundamentada nos economistas Pigou e Coase. Segundo ela, há conclusões para acreditar que os tributos seletivos funcionam, em especial sob alíquotas elevadas (aumento no custo das atividades nocivas) e quando associados a políticas públicas multissetoriais (a exemplo do aumento sobre tabaco, bebidas alcoólicas e açucaradas que se inserem em um conjunto de outras políticas). Ela também ressaltou as relações entre tributos seletivos e o comportamento dos consumidores e o impacto sobre a ilegalidade ou pirataria.
Já o juiz federal Leonardo Buissa abordou as características normativas do Imposto Seletivo, passando por assuntos como: a seletividade como critério de justiça fiscal e tributo extrafiscal e o detalhamento do imposto seletivo na Emenda Constitucional 132/2023. O magistrado levantou importantes reflexões como “será que a reforma vencerá a hiperlitigiosidade no campo tributário?” e citou os principais desafios jurídicos que podem chegar aos gabinetes da Justiça Federal pela interpretação da lei complementar sobre o imposto seletivo.
Na parte final do evento, o tema “Transição entre o atual e o novo modelo de tributação sobre consumo”, foi conduzido pelo juiz federal Eduardo de Assis Ribeiro Filho, da Seção Judiciária de Goiás (SJGO), e pela professora Talita Félix. A moderação do painel foi realizada pelo juiz federal Juliano Taveira Bernardes, da SJGO.
O magistrado apresentou os princípios que ordenam o novo sistema tributário, como a neutralidade tributária, a simplificação tributária e o equilíbrio entre receitas e despesas. “Os princípios já constavam na Constituição Federal, mas foram reforçados pela reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional 132/2023”, explicou Eduardo de Assis, mencionou a existência de regras de transição da Reforma Tributária que versam quanto ao rearranjo do pacto federativo (distribuição dos tributos), aos benefícios fiscais, à administração tributária e à Zona Franca de Manaus.
A respeito do IBS, implementado com a Reforma, a professora Talita Félix explicou que o Comitê Gestor do IBS – entidade pública que coordenará a arrecadação, fiscalização, cobrança e distribuição do tributo – traz uma estrutura inovadora que não deve ser comparada às já conhecidas. A palestrante afirmou que o Comitê tem competência administrativa, autonomia técnica e orçamentária e que não diz respeito ao disciplinamento do tributo; além de ressaltar que o grupo tem competência para fazer o delineamento das regras tributárias por meio de regimento. “O Comitê Gestor atuará como um banco que arrecada, realiza as compensações e faz o repasse do valor arrecadado”, afirmou a professora.
O último painel da programação começou com a apresentação do professor Paulo Mendes, que iniciou sua fala abordando as repercussões da Reforma Tributária. Uma das mudanças fundamentais, segundo o palestrante, é que “a partir da Reforma, um contribuinte de Goiânia, por exemplo, deverá tributo para todos os entes da federação, entre outros pontos que precisarão ser discutidos”. O professor apresentou três pontos de preocupação sobre a nova legislação: o regime processual do IBS; o sistema de uniformização do IBS e da CBS; e a nova competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Palestra de encerramento
Encerrando o evento, o professor Arthur Maria Ferreira Neto falou sobre os novos princípios tributários (simplicidade; transparência; justiça tributária; cooperação e defesa do meio ambiente). O palestrante considera que a Reforma trouxe elementos para o sistema tributário sem que houvesse, no Congresso Nacional, reflexão não só sobre o conteúdo desses princípios, como também sobre o propósito de introduzi-los ao ordenamento tributário.
Arthur acredita que é precipitada a busca por definição quanto ao conteúdo desses princípios e que, “para formar certo consenso, é necessário que se promova longa discussão junto à comunidade jurídica, com reflexões doutrinárias e após avanços jurisprudenciais diante de casos concretos, o que pode levar 20 anos ou mais”.
Com informações da ASCOM/TRF1
Fotos: Joelton Godoy/SJGO e Tiago Bênia/SJGO
Seção de Comunicação Social
Justiça Federal – Seção Judiciária de Goiás