O ex-presidente da Companhia Docas do Pará (CDP) Ademir Andrade, um dos 31 denunciados sob acusação de desvios de recursos da autarquia, ingressou perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, com pedido de habeas corpus para que o Ministério Público Federal no Pará retire da denúncia que ofereceu à 3ª Vara da Seção Judiciária do Pará trechos do livro mais recente do jornalista Arnaldo Jabor. O procurador da República Felício Pontes Jr. não apenas rebateu os argumentos da defesa de Ademir, como disse que o habeas corpus é um tipo de ação totalmente inadequada para formular pedidos dessa natureza.
Ademir alega, em petição assinada por Roberto Lauria, seu advogado, que a epígrafe, ou seja, a citação que consta da abertura da denúncia, contém “expressões violadoras da dignidade da pessoa humana”. Acrescenta que o texto “avilta a imagem” do ex-presidente da CDP e dos demais processados (que ainda guardam em seu favor a presunção de inocência), posto que gravemente violador da dignidade pessoal e processual garantida na Constituição Federal, que, indubitavelmente, protege um processado de ser amaldiçoado por seu acusador”.
Como Ademir ingressou com o HC junto ao TRF, o relator do pedido de habeas corpus, desembargador federal Cândido Ribeiro, solicitou ao juiz federal da 3ª Vara Federal, Rubens Rollo D’Oliveira, informações que deverão ser prestadas em cinco dias, que se esgotam até esta sexta-feira, 28. De posse das informações é que o desembargador decidirá se manda ou não retirar a epígrafe.
Os procuradores da República Felício Pontes Jr., Rodrigo Telles de Souza, Ubiratan Cazetta e José Augusto Torres Potiguar são os autores da peça acusatória contra Ademir e mais 30 denunciados pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa, fraudes em licitações e estelionato. A soma das penas exigidas pelo MPF, em um dos casos, chega a 125 anos de prisão.
Na denúncia, os procuradores utilizaram parte do último livro de Jabor, intitulado “Pornopolítica: Paixões e Taras na Vida Brasileira”. Diz um dos trechos da obra que constam da acusação do MPF: “Malditos sejais ladrões, gatunos, pichelingues, unhantes, ratoneiros, trabuqueiros dos dinheiros públicos, dos quais agadanhais, expropriais cerca de 20% de todos os orçamentos, deixando viadutos no ar, pontes em nada, esgotos a céu aberto e crianças mortas de fome, mortas de tudo, enquanto trombeteais programas populistas inócuos.”
Continua Jabor, em afirmações também aproveitadas na epígrafe da denúncia: “Que a maldição de todas as pragas do Egito e do Deuteronômio vos impeça de comer o fruto de vossas fazendas escravistas, que não possais degustar o pão de vossos fornos nem o milho de vossos campos, e que vossas amantes rancorosas vos traiam e vos contaminem com as mais escabrosas doenças e repugnantes feridas!”
Para o advogado de Ademir, “tais expressões funcionam bem no texto do qualificado jornalista, mas, por sua rudez, não servem para ser manipuladas dento de um processo, como referencial da causa de pedir do órgão acusador, pois flagrantemente violam os limites de proteção da pessoa do processado”. Roberto Lauria acrescenta que o Estado “deve respeito à pessoa do acusado, podendo a ele imputar fatos e por eles pedir a prestação jurisdicional, contudo, preservando o homem, que não pode ser aviltado, denegrido, achincalhado, sob pena de violação do princípio do princípio da dignidade humana”.
“Ele (Ademir) vestiu a carapuça”, rebateu o procurador da República Felício Pontes Jr., sobre os argumentos apresentados pela defesa do réu no pedido de habeas corpus. A epígrafe, explica o membro do MPF, “é mera citação, é mera referência que apenas introduz o trabalho que se apresenta. É o caso dos trechos extraídos do livro de Jabor. Eles apenas encimam, abrem, introduzem a denúncia. No caso específico, ao aproveitar algumas citações do livro, o MPF não pretendeu denegrir a imagem de ninguém, não pretendeu menosprezar e nem debochar de qualquer dos denunciados”, explicou Felício Pontes Jr.
Segundo o procurador, com a epígrafe, o Ministério Público Federal “pretendeu apenas compor genericamente a situação, o contexto atual da política e da vida pública brasileira. Agora, se o ex-senador Ademir Andrade sentiu-se ofendido, isso é sinal de que a carapuça lhe caiu perfeitamente. Esse pedido para que as expressões sejam excluídas da denúncia nos serve, a rigor, de reforço às acusações que formulamos contra os envolvidos no caso do escândalo da CPP”, disse Felício.
Quanto à utilização do habeas corpus para pedir a exclusão da epígrafe de uma denúncia, Felício Pontes Jr. manifestou-se assustado. “Sinceramente, isso é, como alguns dizem, de uma absurdez sem tamanho. Eu nunca vi isso em toda a história do Direito: uma habeas corpus – tipo de ação para garantir a liberdade de locomoção das pessoas, para amparar quem está na iminência de sofrer coação ou violência – ser utilizado para pedir ao Poder Judiciário que mande riscar do corpo de uma denúncia a epígrafe ali contida”, afirmou o procurador. A denúncia contra Ademir Andrade e mais 30 pessoas foi apresentada à Justiça Federal no dia 15 de setembro. Foi formulada com base no cruzamento de dados levantados por investigações da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) que resultaram em inquérito de mais de 12,4 mil páginas, encaminhado à Justiça juntamente com a peça acusatória. A íntegra da ação criminal está na página principal do site da Procuradoria da República no Pará (www.prpa.mpf.gov.br). É a terceira ação movida pelo Ministério Público em decorrência de operação da PF realizada em abril, quando foram presas 18 pessoas acusadas de envolvimento em fraudes na CDP. O nome da operação, batizada de Galiléia – também nome de um mar – é uma referência ao “mar de lama” que assolava a estatal. De acordo com a denúncia, as irregularidades começavam na seleção das obras a serem implementadas e das empresas que iriam realizá-las. O Ministério Público considera que as artimanhas legais colocadas em prática transformaram a CDP “em um autêntico balcão de negócios”. Para justificar a dispensa de licitação, os contratos não mencionavam todos os serviços necessários – que depois eram executados mediante aditivos – ou eram registrados como emergenciais. Na verdade, as investigações comprovaram que os problemas reparados pelas obras eram corriqueiros ou já existiam havia anos.