Juízes federais, membros do Ministério Público e representantes de outros órgãos e instituições que atuam no combate ao trabalho escravo destacaram nesta sexta-feira (27), durante seminário na Justiça Federal, em Belém, que esse tipo de crime tem se deslocado cada vez mais das zonas rurais para as áreas urbanas, exigindo assim uma ação interinstitucional mais efetiva e permanente para evitar que milhares de trabalhadores sejam agredidos em sua dignidade e em sua condição humana.
Promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SRH/PR), o seminário “Erradicação do Trabalho Escravo” reuniu juízes de varas criminais federais, procuradores do Trabalho, agentes de Polícia Federal, professores, advogados e outros profissionais da área jurídica.
Designado para representar no evento o ministro do Superior Tribunal de Justiça, corregedor-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de Estudos Judiciários, Arnaldo Esteves de Lima, o juiz federal diretor do Foro da Seção Judiciária do Pará, Ruy Dias de Souza Filho, classificou o trabalho escravo como uma “chaga” e lembrou que o Brasil, uma das mais sólidas democracias do mundo, ainda exibe realidades que o aproximam de práticas do século XIX, quando a escravidão rebaixou seres humanos à condição de objetos de consumo.
“Estou convicto de que todos nós, juízes, membros do Ministério Publico, representantes da Polícia Federal, professores e operadores da área do Direito, estamos inescapavelmente vinculados, por força de nossas atividades profissionais, a desempenhar um papel mais atuante no combate à erradicação do trabalho escravo”, disse Ruy Dias.
O coordenador-geral da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo da (Conatrae), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, José Armando Fraga Diniz Guerra, informou que o resgate, em áreas urbanas, de trabalhadores submetidos a condições desumanas e degradantes de trabalho é cada vez maior.
Aeroporto - Como exemplo, Guerra mencionou que a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT), resgatou 111 operários em condições análogas à escravidão nas obras de ampliação do Aeroporto Internacional de São Paulo, no município de Guarulhos, em três operações entre os dias 6 e 21 de setembro. Os homens estavam em alojamentos considerados irregulares pelos fiscais.
Para o juiz federal Carlos Henrique Borlido Haddad, que discorreu sobre o tema “Trabalho escravo: condições degradantes e supressão da liberdade”, os tribunais ainda estão consolidando a jurisprudência em relação ao que seriam elementos indispensáveis, essenciais para caracterizar esse tipo de crime, daí permanecerem certas divergências sobre se haveria ou não trabalho escravo, mesmo sem a total supressão da liberdade da vítima.
O magistrado considerou o trabalho escravo uma “praga” que deve merecer permanente combate de vários órgãos e instituições e se referiu à sua experiência como juiz federal da Vara de Marabá, no sul do Pará, onde chegou a proferir, no período de um ano, 32 sentenças relacionadas a trabalho escravo, com a condenação de 28 réus.
A subprocuradora-Geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, fez uma correlação entre relatos do escravo Frederick Douglas, referentes ao sistema escravocrata que perdurou nos Estados Unidos e as condições enfrentadas por milhares de trabalhadores que, no Brasil, foram resgatados de condições degradantes. “No Brasil, é preciso união de vários órgãos para melhorar os meios de investigação e melhorar a nossa compreensão sobre os malefícios desse tipo de crime”, disse a subprocuradora.
“A escravidão é uma praga”, resumiu o desembargador federal aposentado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Tourinho Neto, que lembrou de formas dissimuladas de trabalho escravo. “Hoje, muitos trabalhadores podem até estar livres dos grilhões, mas estão presos pelo estômago. Não têm liberdade, não têm opção. São obrigados a se submeter a condições degradantes de trabalho”, afirmou.
“A escravidão moderna é mais sutil do que no século XIX”, acrescentou Tourinho Neto, que também se referiu a mudanças de concepções – inclusive no meio jurídico - sobre o trabalho escravo ao longo dos séculos no Brasil. Lembrou o desembargador que Nelson Hungria, um dos maiores penalistas brasileiros, já mencionava em 1950 que o então governador do Pará, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata encontrou retirantes das secas do Nordeste e presos foragidos em condições de trabalho degradantes no interior do Pará.
O juiz do Trabalho Marcus Menezes Barberino, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas (SP), alertou para a ocorrência do trabalho escravo em grandes empresas brasileiras, que exibem altos lucros e detêm meios de produção dotados de modernas tecnologias, mas mesmo assim impõem exigências que acabam configurando o que ele classificou de “macrolesões”, por afetarem, muitas vezes, grandes contingentes de trabalhadores.