A Justiça Federal condenou a 6 anos e oito meses de detenção uma ex-secretária de Educação denunciada no ano de 2106, pelo Ministério Público Federal, por ter dispensado indevidamente processo licitatório em que a Secretaria de Educação do Estado do Pará fez um contrato para adquirir mais de 360 mil livros didáticos, a custos que ultrapassaram os R$ 12 milhões. Os fatos ocorreram em 2010.
Na sentença (veja a íntegra), assinada nesta segunda-feira (13), o juiz federal Rubens Rollo D’Oliveira, da 3ª Vara, especializada no julgamento de ações criminais, também decretou a perda do cargo público ocupado pela ré, Ana Lúcia de Lima Santos, por ter violado os deveres funcionais de lealdade, probidade e moralidade. A ex-secretária ainda poderá recorrer da sentença ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília (DF).
“Nunca vi tantas irregularidades num só processo de inexigibilidade de licitação, com flagrante inobservância do princípio constitucional da legalidade, pela Administração Pública. A burocracia serve para proteger a sociedade, não para acobertar ilícitos administrativos. Portanto, estou convencido de que houve graves violações aos princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da probidade administrativa, e dos que lhes são correlatos, que regem as licitações”, destaca o magistrado na sentença.
Na denúncia, o MPF relata que a Seduc contratou, em 2010, a Gráfica e Editora Direção Ltda., para adquirir o livro intitulado “Sociedade em Construção: história e cultura afro-brasileira e indígena”. A obra seria distribuída a 365 mil alunos das escolas estaduais de ensino médio do estado do Pará, em atendimento a uma lei editada em 2008, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nas instituições de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicas e privadas.
De acordo com o MPF, foram despendidos R$ 12.928.500,00 para a aquisição dos livros didáticos. Desse total, R$11.853.972,00 foram liberados pelo governo federal, através do Programa Especial de Fortalecimento do Ensino Médio, e R$1.074.528,00 foram provenientes do orçamento erstadual.
Levantamento feito à época pela própria Auditoria Geral do Estado apontou as seguintes irregularidades no processo de inexigibilidade de licitação: a) falta de caracterização de singularidade do bem e direcionamento do objeto; b) inadequação do atestado de exclusividade; c) pagamento indevido a fornecedor, gerando prejuízo ao erário por recebimento parcial e pagamento integral de livros.
A 3ª Vara entendeu que a inexigibilidade de licitação narrada pelo MPF foi resultado de uma sequência de atos administrativos que se materializaram por meio de documentos assinados pela então secretária de Educação. “Na verdade, todo o processo de inexigibilidade foi uma montagem para dar ares de legalidade à formalização do processo”, acrescenta a sentença.
Prejuízos - O magistrado considerou que o processo indica evidências de que 266.223 unidades não foram entregues à Secretaria de Educação, causando um prejuízo de R$ 9.823.628,70, mesmo passados três anos da verificação in loco, uma vez que tal conclusão levou em conta o quantitativo dos livros que se encontravam em depósito na Seduc (93.362) e dos livros que foram distribuídos às escolas (3.415). “Certo é que a defesa não se desincumbiu de provar a alegação de que todo o material fora entregue pela empresa contratada”, diz o magistrado.
Rubens Rollo ressalta que não houve avaliação do livro, “certamente porque tal obra se referia somente a um grupo étnico (índios) e, isoladamente, não contemplaria as exigências da Lei nº 11.646/2008 quanto ao estudo de história e cultura afro-brasileira”. “Portanto, claro está que a avaliação pedagógica e o Atestado de Exclusividade, no presente caso, afastam a garantia de que a contratação sem licitação estava acobertada pelo manto da legalidade”, reforça a sentença.
Quanto à compra direta da editora exclusiva, Rubens Rollo classificou a carta de exclusividade de “imprestável”, por se referir à obra intitulada “Sociedade em Construção: História e Cultura Indígena – O Índio na Formação da Sociedade Brasileira”, direcionada ao Ensino Fundamental e Fundamental l, o que não atenderia a uma resolução de 2010, do FNDE, que estabelece os critérios de transferência automática de recursos a estados, a título de apoio financeiro, no âmbito do Programa Especial de Fortalecimento do Ensino Médio.
Diante de tantas irregularidades, o juiz acrescenta que cai por terra a afirmação de que a denunciada teria atuado apenas com negligência. “Antes de ser secretária estadual de Ensino, [a ré] era secretária adjunta de Ensino e, portanto, não estava alheia aos trâmites de uma aquisição de livros sem exigir licitação. Além disso, o estado do Pará possui assessoria jurídica de séculos, mas a ré preferiu seguir assinando documentos eivados de vícios”, fundamenta a sentença.