A família do ex-servidor da Fundação Nacional do Índio Carlos Alberto Farias, assassinado em 1993 por um índio, terá direito a receber R$ 207.500,00 a título de danos morais. Também receberá, a título de danos materiais, pensão por morte a ser paga a dois filhos da vítima. A sentença, de 21 laudas (veja aqui a íntegra), foi proferida pela juíza federal Hind Ghassan Kayath, da 2ª Vara da Seção Judiciária do Pará. A Funai ainda poderá recorrer ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília (DF).
Ao valor da indenização a ser paga pela Funai por danos morais deverá ser acrescida, segundo a decisão judicial, atualização monetária a partir da sentença. Também incidirão sobre os R$ 207,5 mil, a partir do homicídio, juros de mora fixados pela juíza no percentual de 0,5% ao mês, até a vigência do Código Civil de 2002, quando então passarão ao percentual de 1% ao mês.
A pensão por morte, a título de danos materiais, deverá ser paga aos autores da ação, Carlos Alberto Farias Júnior e Catiana de Figueiredo Farias, filhos da vítima, até a data em que completarem 25 anos de idade, no valor equivalente a 2/3 de dez salários mínimos. As parcelas vencidas também ficarão sujeitas à correção monetária. Os juros de mora incidentes foram fixados da mesma forma que na indenização por danos morais.
Carlos Alberto, segundo a ação proposta por seu dois filhos, foi morto a tiros em 8 de outubro de 1993 pelo índio Manassés Tabu Caiapó, em local próximo à aldeia indígena Januária, na BR-316, município de Bom Jardim, no Maranhão. O crime ocorreu durante manifestação em que os índios da tribo Guajajara bloquearam a rodovia e passaram a cobrar uma espécie de “pedágio” de quem quisesse ultrapassar o bloqueio.
Os autores da ação alegaram que a responsabilidade deveria recair sobre a Funai, na condição de tutora dos índios que habitam as aldeias situadas nas reservas sob sua administração. A Fundação chegou a alegar que os autores não apresentaram prova de que o autor do homicídio foi realmente um índio tutelado. E sustentou a inexistência de nexo de causalidade entre o crime e os danos narrados pelos filhos da vítima.
Na sentença, a juíza ressalta que, muito embora declarações prestadas na Polícia Federal e em juízo por servidores da Funai não ofereçam certeza sobre a origem indígena do homicida, os autores o consideraram um integrante da tribo a partir de evidências, como o fato de Manassés Caiapó viver em aldeia indígena e conviver maritalmente com índia.
“Omissões sucessivas” - Hind Kayath observou que, mesmo que o autor do crime não fosse índio, deve-se atribuir à Funai a “responsabilidade subjetiva” pelas ocorrências, ou seja, “pelas omissões sucessivas e injustificáveis de seus agentes que concorreram para o assassinato do pai dos autores.” Lembro a juíza que todas as vezes em que o Estado tiver o dever jurídico de agir para evitar o dano, mas não o fizer, “caracteriza-se sua responsabilidade subjetiva decorrente da falta do serviço, a qual poderá ocorrer por negligência, imprudência ou imperícia, ensejando o incontestável dever de indenizar independentemente da natureza da culpa.”
Nesse sentido, destaca a juíza, as circunstâncias da morte do servidor são indiscutíveis e demonstram que a Funai omitiu-se em suas responsabilidades na área do crime. O homicídio, lembrou a magistrada, ocorreu dentro da Reserva Indígena Pindaré, a poucos metros do Posto da Funai, durante “prática ilegal de pedágio pelos índios, prática essa já de conhecimento anterior por parte daquela Fundação, e que foi fruto da iniciativa dos próprios indígenas da região.”
Segundo a sentença, a circunstância do autor do disparo não ser comprovadamente índio em nada favorece a Funai quanto à sua responsabilidade. A juíza mostra que, por ter-se omitido e negligenciado quanto a seu dever de fiscalizar a presença de estranhos à comunidade indígena, a Fundação acabou “permitindo que indivíduos do calibre de Manassés Caiapó ali adentrassem e se fixassem, e assistiu de forma passiva a interdição de rodovia federal e a ação violenta dos índios sob sua tutela, ações que redundaram em uma série de ilícitos, como agressões, extorsões, lesões corporais e, por fim, assassinato.”