“De início, o Ministério Público lançou um desafio: ‘tente ligar para o Ibama-Marabá, em quaisquer de seus três telefones (3324-2000, 3324-5739 e 3324-1122). Se V.Exa. conseguir realizar um chamado, talvez esta demanda tenha algo equivocado’. O desafio foi aceito e... nada. Uma, duas, três, quatro vezes. Os telefones não funcionam. A que ponto se chegou...Duas instituições que se digladiam. O Ministério Público Federal que quer trabalhar e o Ibama que não o deixa trabalhar.”
Assim começa a decisão (veja aqui a íntegra) do juiz Carlos Henrique Borlido Haddad, da Subseção da Justiça Federal em Marabá, que fixou o prazo de 48 horas para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) execute ações de combate a queimadas e ao desmatamento na Área Indígena Xikrin do Cateté, no limite entre os municípios de Parauapebas e Água Azul do Norte, no sudeste do Pará.
O Ibama está obrigado a cumprir a decisão do juiz, em caráter liminar, a partir do momento em que for intimado, sob pena de pagar multa fixada em R$ 10 mil por dia. O Instituto, segundo a determinação judicial, deverá fornecer equipe com no mínimo cinco agentes, e dotada de equipamentos e veículos, para começa o combate ao desmatamento na terra indígena. Até o início da tarde desta quinta-feira, 24, o Ibama ainda não havia sido formalmente intimado da decisão, segundo informou a secretaria da Subseção de Marabá.
Nas cinco laudas em que expõe seus argumentos para deferir a liminar, solicitada em ação civil pública proposta pelo Ministério Publico Federal, Carlos Henrique Haddad faz duras críticas à atuação do Ibama, numa região da Amazônia que mais necessita da presença efetiva e constante do órgão ambientalista.
A Polícia Federal, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a Fundação Nacional do Índio (Funai) colocaram-se à disposição do Ministério Público Federal, segundo o magistrado, para que se dê início à atuação conjunta contra exploração de madeira, desmatamento e queimadas na região.
“Apenas o Ibama, legalmente encarregado de executar as políticas nacionais de meio ambiente e de exercer a fiscalização e controle do uso sustentável dos recursos ambientais, opôs-se a idéia. Inicialmente, afirmou que todos os fiscais estavam ou de férias ou em operações no interior”, afirma Haddad.
Além disso, prossegue a decisão, o Ibama informou não haver recursos para pagamento de diárias e apontou a existência de normas internas que demandariam pelo menos três dias para a mobilização de pessoal. Mencionou ainda o Ibama o que considera omissão dos demais entes da federação - Estado e Municípios - na proteção do ambiente.
Reserva do possível - “A situação é inverossímil”, diz Haddad. “O Ibama cita o ‘princípio da reserva do possível’ como forma de justificar sua inércia. Em tese, determinados direitos não poderiam ser implementados por força de reservas materiais, ou seja, em decorrência das (im)possibilidades econômicas e financeiras do Estado. Como falar em reserva do possível no presente caso? Se o Departamento de Polícia Federal, Funai e Incra estão dispostos e aptos a compor a força-tarefa, que impossibilidade é essa que afeta apenas o Ibama? Ademais, será que se insere na reserva do possível a manutenção de linhas telefônicas na sede da autarquia em Marabá? Deslocar cinco servidores, remunerados por diárias, para a realização das operações requeridas, seria exigir demais da instituição?”, questiona o magistrado.
Prossegue o juiz: “O Ibama que se contenta com pouco é a mesma instituição que recentemente ajuizou ações civis públicas contra siderúrgicas de Marabá, pleiteando indenizações que quase alcançam 1 bilhão de reais, e que telefonou para este juízo, às vésperas de uma audiência designada, para informar que não compareceria por falta de recursos para adquirir uma passagem aérea Belém-Marabá. Não teria R$ 300,00 para defender sua pretensão bilionária. Na verdade, parece que se perdeu o foco.”
Haddad menciona o que classifica de “substanciosa reportagem” da revista “Veja”, edição de 26 de março de 2008, na qual revelou que o município de São Félix do Xingu, inserido na área de jurisdição da Subseção de Marabá, figura como recordista na derrubada de árvores no país. Metade da área foi desmatada nos últimos sete anos.
“Quantos anos mais se aguardarão para ser alterado o cenário de destruição? Quando a criminalidade violenta sofre acréscimo em determinadas cidades, costuma-se concentrar esforços e dedicar especial atenção ao problema, a fim de reduzir dados negativos de estatísticas e melhorar as condições de segurança da população. Idêntico raciocínio não deveria ser adotado pelo Ibama, com concentração de recursos financeiros e humanos para fiscalizar as áreas mais degradadas? Parece que essa não é a perspectiva da instituição.”
Haddad também recorre à “Veja” para destacar que no Estado de São Paulo existem 2 mil fiscais do Ibama, ao passo que, em toda Amazônia, são apenas 644 fiscais. “A distribuição é correta? A organização é adequada? Não. O cobertor que forra o Sudeste e deixa o Norte a descoberto prova que algo precisa ser feito. Enfim, há necessidade de se mudar o atual panorama. A punição dos ilícitos penais que lesam o ambiente, assegurado o devido processo legal, depende, inicialmente, da apuração das infrações, atividade que o Ministério Público Federal tenciona executar em conjunto com Polícia Federal, Funai, Incra e Ibama”, diz Haddad.