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30/06/2006 15:43 -

Juiz manda recuperar parte da Transamazônica

Juiz manda recuperar parte da Transamazônica

Liminar concedida pelo juiz federal de Altamira, Herculano Martins Nacif, obriga a União e o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit) a providenciarem, em 30 dias, a desobstrução dos trechos sem condições de tráfego na rodovia Transamazônica, entre os municípios de Novo Repartimento e Uruará. Após a desobstrução, deverão ser garantidas as condições de trafegabilidade da estrada. A multa diária fixada pelo magistrado, em caso de desobediência às duas providências, atinge o total de R$ 2 milhões por ponto obstruído.

A decisão de Nacif (veja a íntegra) também determina que, em 120 dias, a União e o Dnit substituam, no trecho entre os dois municípios, todas as pontes de madeira por pontes de concreto.

Além da sinalização da rodovia entre Novo Repartimento e Uruará, que deverá ser toda substituída, o magistrado também determina que a União providencie, em 30 dias, “medidas tendentes à redução dos alarmantes índices de criminalidade” entre os dois municípios. Ao final do prazo, deverá ser apresentada em juízo a relação das medidas a serem efetivadas. O juiz mandou ainda que a União construa e providencie o equipamento de um posto da Polícia Rodoviária Federal no trecho da rodovia entre Anapu e Novo Repartimento.

Além do valor de R$ 2 milhões estabelecido como multa para o caso de desobediência à determinação para que vários trechos sejam desobstruídos e se garanta a trafegabilidade de parte da Transamazônica, as penas pecuniárias fixada para o caso de não-cumprimento das demais providências determinadas por Nacif alcançam o total de R$ 400 mil.

Os valores decorrentes da aplicação das multas diárias serão destinados, segundo Nacif, ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), para aplicação em investimentos nas áreas de educação e saúde dos municípios de Novo Repartimento, Pacajá, Anapú, Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo, Medicilância e Uruará.

Herculano Martins Nacif tomou a decisão de obrigar a União e o Dnit a providenciarem a melhoria de vários trechos da Transamazônica ao apreciar ação civil pública ajuizada conjuntamente pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado do Pará.

Prejuízos - Os autores alegaram que os obstáculos decorrentes da intrafegabilidade da rodovia constituem uma “afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, e conseqüente não-fruição dos direitos constitucionais da saúde, educação, acesso à justiça, liberdade do exercício da profissão, livre iniciativa, segurança e liberdade de locomoção pela população residente nos municípios mais afetados pela precária conservação da estrada.”

O juiz concordou com as alegações do Ministério Público de que a impossibilidade de tráfego na Transamazônica ressalta a “inobservância a padrões mínimos na prestação do serviço público, existindo trechos em que são necessários oito dias para se percorrer 46 quilômetros, além de existirem tábuas improvisadas no lugar de pontes de concreto e inexistirem placas de sinalização.”

O magistrado destaca que os serviços de saúde estão seriamente afetados e cita o caso de gestantes que correm riscos durante simples ato de terem que se submeter a exames de ultra-sonografia em cidade próxima. “A falta de atendimento gera mortes por conta do isolamento, sendo que somente os mais abastados da região têm condições de fretar aviões em casos de emergência”, afirma o juiz federal.

Além disso, complementa o juiz federal de Altamira, o acesso à justiça está sendo prejudicado, “uma vez que a simples realização de uma audiência resulta em uma situação de imprevisão, por não poder ser estimada à data da chegada do interessado no juízo. De fato, a experiência inicial da Justiça Federal tem revelado que a dificuldade de acesso na região representa uma barreira à distribuição da justiça, tanto em matéria cível como penal. O mesmo ocorre quanto ao direito à educação, praticamente inviabilizado durante a maior parte do ano.”

Veja os principais trechos da decisão do juiz federal Herculano Martins Nacif

”Transamargura” - “Mais de trinta anos depois, a ‘arrancada histórica’ está longe de ser acabada. Um milhão de pessoas da região aguardam o desenvolvimento fruto da ‘Transamargura’ ou da ‘Transmiseriana’, designações populares da BR-230.

Precariedade - “Mister destacar que o investimento de US$ 1,5 bilhão (um bilhão e quinhentos milhões de dólares) para a construção da BR-230 hoje é visível no seguinte quadro: uma pista de terra vermelha e amarela que durante seis meses é poeira e os outros seis meses é lama. Pontes de madeira continuam a ceder ao peso das chuvas mais fortes ou dos caminhões mais robustos.”

Publicidade - “No caso vertente, como não há condições mínimas de trafegabilidade na BR-230, resta impraticável a realização do preceito constitucional acima, implicando tal situação no triste panorama no qual vidas humanas são sacrificadas por conta da impossibilidade de acesso à recursos médicos básicos. Esse mesmo Estado que gasta milhões em publicidade é incapaz de promover as necessárias dotações orçamentárias e conseqüente desembolso financeiro que arque com o custo relativamente baixo para a manutenção da Rodovia Transamazônica de modo a não ser a mesma bloqueada.”

Afronta à Constituição - “Os membros dos MPs asseveram, acertadamente, que a construção da Transamazônica afrontou ditames constitucionais, em especial no que tange ao desrespeito ao meio ambiente, dizimação de populações indígenas, falta de planejamento estratégico, dispêndio de verbas públicas desprovido de fundamentos técnicos de engenharia e desrespeito à dignidade das pessoas atraídas para a região.”

”Brasileiros de segunda” - “Quanto ao contexto atual, os Ministérios Públicos revelam de forma precisa o abandono total das populações da região, destacando-se a baixa escolaridade média, os serviços de saúde precários, acesso mínimo ou mesmo inexistente a esgotos sanitários, elevada incidência de exploração de mão-de-obra infantil e utilização de trabalho escravo. Em suma, o Estado não está provendo condições mínimas de dignidade a milhares de brasileiros, que estão sendo relegados à condição de brasileiros de segunda classe, praticamente invisíveis à sociedade.”

Danos - “Quanto aos danos, faço minhas as palavras dos requerentes: ‘São inúmeros os prejuízos ocasionados pela retenção de caminhões, ônibus e outros meios de transporte. É intuitiva a ocorrência de danos às cargas e veículos, como extensamente relatado. O tráfego, nas condições atuais, equivale ao entabulamento de negócio de risco, com o necessário repasse econômico aos consumidores da região. Surge a sempre necessária pergunta: Qual outra rodovia do país causa tantos prejuízos aos veículos que nela trafegam?’” (grifos no original).

Igualdade perante a lei - “Os 250.000 habitantes dos Municípios acima identificados não são cidadãos de segunda classe. Pelo princípio constitucional da isonomia todos são iguais perante a lei. Assim, tais cidadãos não apenas possuem os direitos constitucionais infra delineados, que há mais de trinta anos são cerceados pelo Governo Federal, mas também têm direito à ter seus direitos, têm direito à efetividade do Estado Democrático de Direito, têm direito à proteção judicial e têm direito à possuir, acima de tudo, dignidade.”

Dignidade - “As comunidades que vieram atraídas por um “Eldorado Amazônico”, mero devaneio que engendrou uma torpe propaganda enganosa, são vítimas da falta de ações governamentais básicas, o que resulta em sérios transtornos e graves dificuldades no cotidiano desses brasileiros, os quais, muitas vezes, são fatalmente despojados da própria vida. Essas comunidades devem ser integradas e não esquecidas. Devem elas ter acesso, efetivamente, aos benefícios sociais e de saúde, bem como possuem elas o direito à dignidade humana.”

Direito à vida - “Quanto à essa questão, dada a peculiaridade deste direito, não se revela por demais necessária a abordagem detida sobre o ponto, uma vez que trata-se de tema de amplo espectro, não sendo este o local e o momento adequados para análise detida, sendo claro que o esgotamento da matéria requer a elaboração de verdadeiros tratados. Aqui basta apenas consignar que reconheço a nítida relação entre o direito à vida dos moradores da região e a trafegabilidade da Rodovia Transamazônica.”

Omissão histórica - “Aliás, resumindo a questão em tela, afirmo com absoluta e inabalável convicção: o completo abandono da Transamazônica configura a mais grave omissão do Governo Federal, durante toda a história republicana do Brasil.”

Garantia de direitos - “É chegada a hora de o Poder Judiciário garantir a efetividade da Constituição Federal, cuja Lei Maior não pode mais ser vista como uma simples Carta de Intenções, mas, ao contrário, como um valioso e incondicional comando de garantia das liberdades públicas, de todos os direitos fundamentais individuais e sociais nela previstos, sem o que não há falar-se em Estado Democrático de Direito. Com a Carta Política de 1988, ocorreu no Brasil o fenômeno da Constitucionalização do Direito, decorrendo daí a efetividade da Constituição Federal, como bem observou o jurista Luís Roberto Barroso, em lapidar artigo publicado na Revista Direito Federal, nº 82, páginas 109/157, da Associação dos Juízes Federais do Brasil, sob o título: ‘Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil)’”.

Manutenção - “Com essas considerações, impõe-se a integral concessão da tutela de urgência, com vistas à garantia específica do resultado prático da postulação, restando assegurada, em conseqüência, a manutenção de condições mínimas de trafegabilidade da Rodovia BR-230 (Transamazônica) no trecho entre os Municípios de Novo Repartimento e Uruará, inclusive durante o período das chuvas, sendo os próximos meses de verão o período adequado para as obras necessárias, eis que impossível realizá-las na época do inverno.”


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