Autorizada pelo juiz federal da Subseção de Santarém, Fabiano Verli, a Polícia Federal iniciou na manhã desta terça-feira, 7, a Operação Faroeste, para desarticular uma quadrilha acusada de grilagem de terras públicas no oeste do Pará. Foram cumpridos até o momento 18 mandados de prisão temporária. Dos presos, oito eram servidores do Incra no Pará, inclusive o gerente regional no Estado, José Roberto de Oliveira Faro, preso em um hotel em Manaus (AM), e o superintendente adjunto, Pedro Paulo Peloso da Silva.
Participaram da ação cerca de 70 policiais federais. Os presos são acusados de crimes contra a ordem tributária, corrupção ativa e passiva, grilagem de terras (Lei 4947/66) e formação de quadrilha. Todos devem ser transferidos para a cidade de Santarém, onde foram expedidos os mandados de prisão temporária.
Nas duas decisões que autorizaram a Polícia Federal a deflagrar a “Operação Faroeste”, o juiz federal da Subseção de Santarém, Fabiano Verli, diz ter constatado, nos autos do processo submetido à sua apreciação, a existência de provas que justificam o entendimento de que os envolvidos “muito têm por explicar à Justiça sobre suas atividades e seus meios de vida”.
Jeitinho - O magistrado condena o “jeitinho” que ainda predomina em muitas áreas do serviço público, chega a classificar os beneficiários das fraudes como uma “turminha” que recebia tratamento privilegiado por parte de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e diz não ter dúvidas da existência de um “esquema” que revela graves deslizes éticos de funcionários públicos no exercício de suas funções.
“Percebo que o problema é muito sério”, diz o magistrado, “pois se trata de possíveis atos que comprometem a segurança jurídica e o digno funcionamento da Administração. Quando uma turminha tem ampla preferência, dentro do Incra, para iniciar a titulação de uma área, este esquema desvirtua a ordem normal das coisas. Uma pessoa que inicia o procedimento de regularização de terras sem pagar a uma destas empresas especializadas corre um presumível risco de ser preterida em relação a outra que usou dos serviços destas empresas”, afirma Verli.
Ele destaca que a “apropriação do público pelo privado” ficou configurada na conduta de particulares que, valendo-se de contatos dentro do Incra, tiveram seus pedidos apreciados com maior rapidez em relação ao normal. “As empresas, sim, têm direito de atuar livremente, mas sem envolver funcionários públicos. Estamos cansados das repartições públicas onde tudo é com jeitinho. Tudo depende do ridículo ‘dono’ deste ou daquele setor. O público não tem dono, ou tem, o povo”, diz o magistrado.
Fabiano Verli acrescenta que “a função pública é tão importante - e as queixas da população quanto à criminalidade no Incra, tão recorrentes – que é necessário um verdadeiro esclarecimento acerca das condutas” de servidores do órgão envolvidos nas fraudes, entre eles o superintendente José Roberto Faro.
Para o magistrado, “grande parte dos envolvidos mostra condutas bem diferentes daquelas esperadas de profissionais íntegros. Parecem tramóias. Usam-se meias-palavras, códigos etc. Não falam, escrevem e fazem referências como gente de bem costuma falar, escrever e se referir às coisas”.
Verli observa que, em situações de regularização fundiária, é preciso que se atente para o prejuízo das condutas para o serviço público e para a população. “É óbvio que os compadres - aqueles que negociam cotidianamente com servidores supostamente corruptos - vão ter clara preferência sobre os pobres mortais que não acionam o ‘esquema’, que não sustentam o ‘esquema’ ou simplesmente não conhecem o ‘esquema’. De que um ‘esquema’ existe, não tenho dúvida neste momento. Digo isto porque pessoas honestas não conversam sempre em linguagem cifrada sobre seus negócios”.
O juiz complementa com o seu conceito sobre honestidade no exercício de cargos e funções no serviço público. “Um servidor irrefutavelmente honesto vai para o trabalho, cumpre o horário, trabalha o tempo todo, tenta resolver os problemas da Administração à sua maneira e depois volta para casa, vai cuidar dos filhos ou vai fazer qualquer outra coisa. Tudo que sair muito desta normalidade é suspeito. Vender facilidades é uma das grandes avenidas dos crimes contra a Administração. Ter ‘alguém nosso lá’ é indício fortíssimo de organização para o favorecimento de uns em detrimento da coletividade”, afirma Verli.
O juiz federal manifesta-se convicto de que há “fatos claramente inexplicados”. Segundo Verli, a simples leitura do inquérito policial revela isso. “Mas existe também uma fortíssima e embasada suspeita de que se trata de uma quadrilha que obviamente não se entrega diante dos singelos interrogatórios em separado, com ampla possibilidade de ajustes de molde a se evitarem as contradições – peças fundamentais nas investigações feitas com efetividade dentro dos parâmetros do Estado Democrático de Direito”, conclui o magistrado.
Os que foram presos pela Polícia Federal
- JOSÉ ROBERTO DE OLIVEIRA FARO - Gerente regional do Incra no Pará (preso em Manaus/AM)
- PEDRO PAULO PELOSO DA SILVA - Ex-executor do Incra em Santarém, atual Superintendente adjunto do Incra no Pará
- JOSÉ DORIVALDO PINHEIRO - Servidor do Incra/PA (cedido ao Ministério Público Federal – MPF)
- JOÃO EUSTÓRGIO MATOS DE MIRANDA - Servidor do Incra/PA (ex-executor do Incra em Santarém)
- CLEYSSON JORGE PEREIRA MARTINS - Servidor do Incra em Santarém
- JORGE BARTOLOMEU PEREIRA BARBOSA - Servidor do Incra em Santarém (afastado)
- ÂNGELO DE SOUZA MARQUES - Servidor do Incra em Belém (atuação na área de cartografia)
- ALMIR DE LIMA BRANDÃO - Servidor do Incra/PA (Representante do Serviço Nacional de Cadastro Rural, responsável pela emissão do CCIR – Certificado de Cadastro de Imóvel Rural)
- JOSÉ OSMANDO FIGUEIREDO - Advogado em Santarém.
- ONÉLIA KZAN PEREIRA BARBOSA - Esposa e auxiliar de Jorge Bartolomeu, servidor do Incra em Santarém
- ELIZANDRA KELEN CARDOSO DOS ANJOS - Auxiliar de Jorge Bartolomeu, servidor do Incra em Santarém
- ANDREZA ACÁSSIA MARTINS MARQUES - Filha de Ângelo (servidor do Incra em Belém), proprietária de escritório de regularização fundiária na cidade de Santarém
- CLÓVIS ROGÉRIO CASAGRANDE - Empresário. Um dos maiores plantadores de grãos do oeste do Pará. Representante dos grupos Prant e Planalto Verde na Gleba Pacoval em Santarém
- PAULO MIGUEL JAMBERS - Empresário. Sócio de Clóvis Casagrande.
- JECIVALDO DA SILVA QUEIROZ - Advogado em Santarém. Ex-estagiário do Ministério Público Federal
- CIRILLO MARANHA - Advogado em Santarém. Ex-sócio de Jecivaldo Queiroz.
- MOACIR CIESCA - Empresário do ramo madeireiro. Proprietário da Madeireira Rancho da Cabocla, uma das maiores da região.
- EDILSON JOSÉ MOURA SENA - Servidor demitido do MPF no Pará.