O juiz federal da Subseção de Marabá, Carlos Henrique Borlido Haddad, concedeu nesta segunda-feira liminar que obriga o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a coibir a devastação florestal em cerca de 480 assentamentos no sul do Pará e promover a recuperação das áreas de preservação permanente e da reserva legal.
O magistrado ressalta que a atuação do Incra no sul do Pará configura um caso típico em que “o Estado briga com o Estado”, diz que o órgão age igual a Frankenstein e estabelece dois períodos para que seja feita uma avaliação sobre o controle do desmatamento, por meio do confronto entre imagens de satélite: em junho e dezembro de 2009.
O juiz federal adverte que, na primeira constatação de que devastação florestal está prosseguindo, o Incra será punido com multa de R$ 1 mil, relativos a cada assentamento que apresentar resultados negativos na preservação ambiental. Na segunda aferição, a multa será elevada a R$ 2 mil e estendida ao superintendente e ao presidente da autarquia, no valor individual de R$ 5 mil e R$10 mil.
Segundo a decisão judicial (leia aqui a íntegra), nos assentamentos que possuem mais de 75% de sua área desmatada, será suspensa a metade dos créditos, benefícios e incentivos governamentais a que teriam direito, em junho 2009. Na segunda aferição, em dezembro do próximo ano, haverá suspensão completa dos incentivos governamentais, a menos, segundo o magistrado, que seja “demonstrada a adoção de medidas prioritárias que visem à recuperação da reserva legal.”
Haddad também determina que o Incra deverá comprovar em 30 dias, nas ações desapropriatórias que tramitam na Subseção Judiciária de Marabá, a existência das licenças ambientais prévia e de instalação e operação junto à Secretaria do Meio Ambiente (Sema). Se a autarquia não comprovar, o processo será suspenso até que se apresente o documento exigido.
Desvastação - Na ação civil pública ajuizada na Subseção de Marabá, o Ministério Público Federal (MPF) demonstra que cerca de 49% da área de assentamentos de reforma agrária em toda a Amazônia foram desmatados até 2004. Isso corresponde a 15% da área desmatada na Amazônia.
Estudos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), intitulado "Desmatamentos nos assentamentos de reforma agrária na Amazônia", informam que a taxa de devastação nessas áreas foi quatro vezes maior se comparada à taxa média existente na região amazônica. As principais conclusões do estudo foram que 22% do desmatamento causado no sul do Pará até 2007 ocorreram em assentamentos. Dos 431 assentamentos analisados, apenas 19 possuem mais de 75% da área de floresta nativa preservadas.
O juiz federal ressalta que os dados apresentados pelo MPF coincidem com os fornecidos pelo Ministério do Meio Ambiente, segundo o qual os assentamentos do Incra lideram a lista dos 100 maiores desmatadores da Amazônia. “É o Estado que briga com o Estado. Portanto, é fato incontestável que, nos projetos de assentamento criados pelo Incra, a destruição da vegetação natural caminha a passos largos. E o que o Incra tem feito para tentar coibir ou reduzir a devastação das áreas de floresta em que se fixaram os assentamentos?”, questiona Haddad.
O magistrado lembra que a autarquia “comprometeu-se a providenciar todos os licenciamentos até 2011 e, de acordo com seu cronograma, pelo menos 100 projetos de assentamentos deveriam ter a licença de instalação e operação em 2008. Até agora, último mês do ano, nenhuma licença foi obtida, informa Haddad. “Uma situação como essa não pode permanecer inalterada, sob olhares contemplativos. Caso contrário, persistirá a extração de madeira como meio de sobrevivência dos assentados, com a liberação de recursos milionários para supostamente serem empregados nos assentamentos”, destaca o juiz federal.
Carlos Henrique Haddad diz que as ações e omissões do Incra lembra a história de Frankenstein. “O criador perde o controle sobre a criatura e, como solução, só lhe resta matá-la. No sul do Pará, o Incra não pode matar o que já criou... E então se desmata. São 481 projetos de assentamento, alguns, com milhares de habitantes. Não existem 300 servidores do Incra na região e a fiscalização é pífia. Criou-se algo sobre o qual não se exerce mais controle e, feito isso, não pode a autarquia, agora, eximir-se de sua obrigação de fiscalização. O Incra terá que arcar com os ônus de sua criação frankensteiniana e suportar os efeitos de sua conduta”, afirma o magistrado.