ARTHUR PINHEIRO CHAVES
Juiz Federal Substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará
Em recente estudo realizado pelo Bando Mundial, relativo ao grau de combate à corrupção nos diversos países analisados no ano de 2006, o Brasil ocupou a 106ª posição. Em 2002, em indicador semelhante divulgado pela “Transparência Internacional”, nosso País ocupava o 45º lugar, conforme dados revelados respectivamente pelo “O Estado de São Paulo” e “Gazeta Mercantil”.
O decréscimo merece reflexão, em país que tem a pretensão de se colocar entre as principais nações do planeta, trazendo à ordem do dia a discussão da questão do foro privilegiado, diretamente ligada ao combate à corrupção.
A questão em apreço foi objeto de recente campanha contrária à aprovação da Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 358, de 2005, mobilizada pela Associação de Juízes Federais do Brasil – AJUFE, no dia 1 de junho deste ano.
Referida PEC insere no bojo da Reforma do Poder Judiciário a proposta de acréscimo do art. 97-A à Constituição Federal, prevendo a subsistência da competência especial por prerrogativa de função, em relação a atos praticados no exercício da função pública ou a pretexto de exercê-la, ainda que o inquérito ou a ação judicial venham a ser iniciados após a cessação do exercício da função pelo autor do ilícito. Esse projeto prevê, ainda, que a ação de improbidade administrativa, de natureza civil, terá que ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade.
Trata-se de dispositivo contrário a jurisprudência do STF, revelada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.797/DF, que julgou a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, a qual tratava do assunto de forma semelhante ao estatuído na atacada PEC.
O tema, portanto, é controverso. Necessário entender, de início, que foro privilegiado ou por prerrogativa é aquele que cabe a alguém que exerce cargo ou função de especial relevância para o Estado e em face disso é processado por órgãos superiores que, em tese, teriam maior independência para julgar altas autoridades, evitando ingerências de ordem política.
No Brasil, com a proclamação da República em 1889, a Constituição de 1891 instituiu o foro privilegiado. A partir de então, todas as Constituições o mantiveram. No âmbito internacional, a questão não apresenta uniformidade. Os Estados Unidos, por exemplo, não adotam o sistema de foro privilegiado. A vizinha Argentina o adota de forma restrita.
Em uma análise preliminar, contudo, pode-se afirmar que nenhum país adota a prerrogativa de foro de forma tão ampla quanto o Brasil. Nossa Constituição o prevê tanto para casos de crime comum, com para casos de crime de responsabilidade, a uma grande gama de agentes políticos. O foro privilegiado, entretanto, tem mostrado sua ineficiência na esfera criminal, por diversas causas, entre as quais a apontada extensão.
Os Tribunais, ademais, naturalmente destinados a apreciar recursos e deles estando abarrotados, não estão aparelhados e nem habituados a processar as ações criminais originárias, o que gera lentidão na tramitação.
A lentidão decorre, ainda, da necessidade de cumprimento de diligências e atos de instrução em locais fora da sede das Cortes, o que motiva a expedição inúmeras cartas de ordem, retardando o trâmite das ações e resultando muitas vezes em extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição.
O bom senso e o desejo combate eficaz à corrupção revelam a necessidade da revisão do sistema. Uma medida cabível é restringir o foro privilegiado apenas aos crimes de responsabilidade, excluindo-se os crimes comuns. Crimes comuns são aqueles previstos no Código Penal e em leis penais extravagantes, praticáveis por qualquer pessoa, ao passo que os crimes de responsabilidade são os praticados por funcionários públicos e agentes políticos em razão de suas funções. Percebe-se que somente na segunda situação há razão apta a justificar a prerrogativa de foro. A medida, contudo, dependente de Emenda à Constituição.
Afastar a hipótese de foro privilegiado a agentes políticos aposentados ou sem mandato, uma vez que fora do cargo já não há justificativa técnica ou prática apta a perpetuar a deferência, que, caso contrário, deixaria de ser concedida em razão do cargo ou função e passaria a ser exercida em razão da pessoa, em afronta ao princípio constitucional da igualdade.
Evitar o foro privilegiado nas ações de improbidade administrativa, previstas na Lei nº 8.429/1992, é outro ponto relevante. Eventuais abusos no ajuizamento dessas ações em primeira instância devem ser combatidos, sem que, contudo, isso justifique dar o mesmo destino de ausência de desfecho ocorrente nas ações penais originárias a esse poderoso instrumento de combate à corrupção.
Conclui-se, portanto, que a restrição ao foro privilegiado é medida necessária para a prestação jurisdicional em tempo razoável, caminhando-se, dessa forma, para uma efetividade maior no combate à corrupção e à impunidade, auxiliando o nosso País a sair da desonrosa colocação no ranking apontado no início e dando-se um passo adiante no sentido da eliminação de privilégios injustificados, não condizentes com um regime democrático.
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