ARTHUR PINHEIRO CHAVES
Juiz Federal Substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará
A seqüência de mega-operações levadas a cabo pela Polícia Federal, amplamente noticiadas pela mídia recentemente, trazem a necessidade de reflexão acerca da imagem atual do Poder Judiciário perante a sociedade, ante a divulgação do possível envolvimento de magistrados nas situações investigadas.
De início, no que concerne ao resultado das referidas operações, sem olvidar o relevante papel exercido pelo Ministério Público e pela Polícia, se faz necessário ressaltar aspecto que nem sempre é repassado de forma clara à população. Deve-se ter em mente que as diligências efetuadas pela polícia são realizadas em cumprimento de ordem judicial, a pedido da autoridade policial ou do Ministério Público. Não há busca e apreensão, interceptação, quebra de sigilo ou prisão, salvo a realizada em flagrante delito ou decorrente de transgressão ou crime militar, sem que tenha sido expedida uma ordem judicial, conforme previsto no art. 5º. XI, XII e LXI da CF/88.
Portanto, se trata, na hipótese, do Judiciário procurando averiguar a possível prática de ilícitos, inclusive por seus membros, através de ordens por ele emanadas, “cortando na própria carne”, como se tem costumado dizer. Esse aspecto merece ser repisado, de forma a que se preserve a credibilidade devida a um dos pilares do Estado Democrático de Direito, que é o Poder Judiciário, composto em sua grande maioria por membros que se esforçam para atender de forma digna e honesta a sociedade que os remunera, levando-se em conta os meios dispostos pela realidade.
Não se deve dar conotação de generalização ou “pirotecnia” às situações investigadas. A propagação indevida de falsas premissas que resultem no descrédito do Poder é grave, uma vez que o Judiciário é a fortaleza última do cidadão na busca de seus direitos, tendo fundamental papel no Estado democrático, no exercício do controle e harmonia com os demais Poderes da República, conforme mecanismo de tripartição do poder estatal, pensado pelo Barão de Montesquieu. Judiciário fraco é sociedade fraca e democracia fraca, não interessando a ninguém.
Nesse sentido, o que deve ser feito, uma vez comprovada a prática delituosa, é punir os culpados com o devido rigor, sem deixar de garantir aos acusados o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa, assegurados a todo e qualquer cidadão (art. 5º, LIV e LV da CF/88). O maior interessado em que isso ocorra é o próprio Poder Judiciário, ante a imperiosa necessidade de auto-preservação. Que se punam os efetivamente culpados e não se enfraqueça a magistratura.
Feita a necessária análise do panorama refletido pelo noticiário recente, de forma a se mostrar a importância da abordagem do tema em foco, passa-se a discorrer sobre outro aspecto que tem afetado a imagem da magistratura nacional, que diz respeito à demora na tramitação processual.
Na análise de suas origens, pode-se dizer que a crise no sistema judiciário se agravou após o advento da Constituição Federal de 1988, a chamada “constituição cidadã”. Naturalmente pródiga em direitos e garantias, resultante do momento histórico pós-ditadura em que foi concebida, incentivou o incremento do número de ações judiciais propostas, situação para a qual o Judiciário não se encontrava preparado.
Reflexo disso é que temos hoje, apenas para que se atenha a exemplo de âmbito local, um Juizado Especial Federal, na Seção Judiciária do Pará, com cerca de 50.000 processos distribuídos pelos três juízes que nele atuam, situação insustentável. A recente explosão de ações relativas à aplicação do índice do Plano Bresser nas poupanças agravará ainda mais o quadro.
Tem-se, então, o seguinte paradoxo: a existência de um problema que aparenta ser insolúvel, mas que necessita de solução premente, não só por impositivo constitucional, face ao disposto no art. 5º, LXXVII, da CF/88, que prevê a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, mas também em face das graves conseqüências trazidas com o desgaste da imagem do Poder Judiciário, decorrentes da delonga processual.
Qual a solução? A resposta não é simples ou unívoca. Algumas medidas já foram adotadas. Recente reforma no Código de Processo Civil, mormente na parte que visou facilitar a fase de execução (Lei nº 11.232/2005), é um exemplo disso. A adoção da súmula vinculante é outra amostra. A intensificação da “cultura da conciliação”, que no âmbito da Justiça Federal pode ser retratada tanto nos Juizados Especiais Federais, nas ações de natureza previdenciária, como em recente projeto de conciliação nas ações relativas ao SFH, é outro exemplo.
Ainda há muito que fazer. A redução do cipoal de recursos existentes em nosso sistema processual é medida necessária e há muito pleiteada. Hoje em dia o Brasil tem, na prática, quatro instâncias recursais, o que se mostra inconcebível.
A modificação da “cultura da necessidade recursal”, mormente por parte da Fazenda Pública, muitas vezes em questões já pacificadas pela jurisprudência dos tribunais, também se faz premente. A ampliação da informatização do processo é de igual forma imprescindível.
As mudanças não se restringem ao âmbito processual. Há, ainda, necessidade de melhor aparelhamento da justiça e investimento no preparo e treinamento de juízes e servidores. Dotar juízes e servidores de noções de administração, de forma a que se utilizem de técnicas de administração bem sucedidas na iniciativa privada, na medida da possibilidade de sua aplicação na administração da justiça.
Necessário é, também, um aprofundamento na análise de dados estatísticos, de forma a que se tenha suporte fático para o aumento imprescindível do quadro de juízes e servidores.
De outro lado, a busca de soluções açodadas, sem maior análise de seus reflexos, ou sem a participação de pessoas acostumadas como o dia-a-dia do funcionamento da justiça, deve ser evitada, sob risco de agravamento da situação. Exemplo disso foi o fim das férias coletivas nos tribunais, por muitos considerado um equívoco.
O aumento do crédito em relação à magistratura, ademais, não passa apenas pela celeridade processual. Não prescinde, também, de que a justiça seja menos fechada em si mesma, passando a dar a maior relevância a uma política de transparência do Poder. Durante muito tempo o Judiciário foi hermético, cheio de rituais desnecessários e com juízes encastelados, herança do Brasil Colônia-lusitana.
Hodiernamente, não pode ser assim, seja por impositivo constitucional, face ao princípio da publicidade da Administração Pública (art. 37, caput da CF/88), que passa pela referida transparência, seja por impositivo legal (art. 2º, parágrafo único, V da Lei nº 9.784/1999)
Nesse desiderato, cabe aos Tribunais, entre outras medidas, ampliarem a publicidade de seus atos administrativos, inclusive via rede mundial de computadores; publicarem os indicadores de produtividade de seus magistrados; darem a mais ampla divulgação possível de seus concursos públicos e licitações; criarem ouvidorias eficientes.
É necessário, ainda, dotar o Judiciário como um todo de assessorias de Comunicação eficazes, de forma a que, em face da vedação contida no art. 36, III da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LC 35/1979), que proíbe ao juiz manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, sirvam referidas assessorias de elo entre o Judiciário e a Imprensa na divulgação de suas decisões, evitando-se, desta forma, a ocorrência de equívocos na utilização termos técnicos ou a publicação de informações aptas a distorcer a realidade, situação comum em notícias sobre decisões judiciais.
Os exemplos citados e as soluções apontadas não são exaurientes, nem de fácil implementação. Muitas delas já foram adotadas por diversos tribunais do País. Outras ainda pendem de adoção. Não há, contudo, fórmula mágica. A fórmula possível, óbvia e necessária é a incessante busca e luta pela melhoria da prestação jurisdicional, de forma a que o Judiciário possa preservar sua imagem, dando a devida satisfação à sociedade e tendo o necessário fortalecimento como um dos elementos do tripé que sustenta nosso Estado democrático.
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