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26/11/2010 17:07 -

“O juiz federal é inequivocamente um juiz eleitoral”, diz magistrado

“O juiz federal é inequivocamente um juiz eleitoral”, diz magistrado

Abaixo, a íntegra do discurso pronunciado durante audiência pública que debateu a reforma do Código Eleitoral, na manhã desta sexta-feira, no auditório da Seção Judiciária do Pará, pelo juiz federal Daniel Santos Rocha Sobral. Diretor do Foro da Seccional, membro efetivo do Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA) e delegado estadual da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), ele defendeu o aumento da participação dos juízes federais na composição dos TREs.

É motivo de júbilo para a Justiça Federal em Belém ser palco da audiência pública do senado destinada à elaboração do novo Código Eleitoral, movimento de interlocução moderno com a sociedade, por intermédio do qual os seus mais diversos segmentos podem diretamente apresentar sugestões, idéias, propostas, para o escorreito aperfeiçoamento da legislação brasileira, proposições essas que, em momento vindouro, serão devidamente lapidadas e condensadas pela comissão de notáveis designadas pelo Senado Federal brasileiro, tendo à frente o Ministro do Supremo Tribunal Federal Antônio Dias Toffoli.

A idéia da realização de audiências públicas pelas várias regiões deste imenso Brasil, aliado à vastidão dos temários objeto de discussão, bem retratados na cartilha entregue a cada um dos presentes, demonstra a não mais poder o hercúleo trabalho que Suas Excelências terão pela frente, trabalho de importância ímpar que já se mostra incontroversamente positivo, aberto, plural e democrático, seja pela escolha dos locais das audiências, rodízio permanente entre as instituições que compõem a Justiça Eleitoral (Justiça Federal, Estadual, Ministério Público), seja pela demonstração inequívoca de ouvir, de refletir, de aperfeiçoar instituições e institutos, em prol de um bem maior que é a própria sobrevivência do Estado Democrático de Direito.

Até agora seis audiências públicas já foram realizadas, nas cidades de Belo Horizonte, Recife, Florianópolis, São Paulo, Salvador e Cuiabá, no bojo do qual foram discutidos temas da mais alta relevância para o Estado brasileiro, tais como: composição da justiça eleitoral, financiamento público ou privado de campanhas, controle da internet, controle qualitativo e científico das pesquisas de opinião, dentre tantos outros. Agora chega a vez da 7ª audiência pública, chega a vez da Região Norte, chega a vez do Pará e de Belém, tendo a sociedade paraense o privilégio a oportunidade única de participar ativamente deste festejado momento democrático, formatando propostas que serão agregadas a tantas outras já amealhadas e a serem amealhadas nas audiências que se seguirão. Não há um tema que se sobressaia aos demais, porém, ante a relevância do momento e a oportunidade de uso primeiro da palavra, não poderia deixar de externar, ainda que em rápidas pinceladas, breves considerações sobre o tema da composição da justiça eleitoral, matéria tão cara aos magistrados federais e porque não dizer à própria essência da reforma eleitoral perseguida e à natureza federal do mister eleitoral, tanto que, dos cinco temários elencados pela comissão de juristas, a matéria em exame se encontra topograficamente posta em primeiro lugar, mais precisamente no item I, do Tema I “administração e organização das eleições”, com a seguinte ementa: “Competência da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral na primeira instância e nos Tribunais Regionais. Exercício por juízes federais e membros do Ministério Público Federal dada a natureza federal do Judiciário eleitoral”, sob a relatoria do Dr. Carlos Eduardo Caputo Bastos.

Essa temática fala por si só. De logo, se entreabre a exegese de que o termo “federalização da justiça eleitoral”, usualmente utilizado por aqueles que querem manter o status quo, encontra-se por demais equivocado, tentativa vã de mascarar a realidade, porquanto não se federaliza algo que na essência já possui índole federal, sendo manifestamente despiciendo o fato de as eleições se processarem, de fato, nos Estados, Distrito Federal e Municípios, haja vista que, se assim não fosse, material e territorialmente falando, haveriam de ser processadas onde? Descortina-se também que as discussões e propostas não só podem como devem abranger a composição das diversas instâncias da Justiça Eleitoral, propiciando, a partir do diagnóstico levantado, a partir do legítimo auscultar da sociedade, as medidas legislativas necessárias, ainda que com ares de emendas à Constituição.

Francis Bacon, com propriedade, já teve oportunidade de asseverar que “quem não quer pensar é um fanático; quem não pode pensar é um idiota; quem não ousa pensar é um escravo”. Sejamos, pois, ousados na arte do pensar e do refletir. Sejamos pois sóbrios e serenos no sentido de ajustar rumos, no sentido de dar à Justiça Eleitoral, enquanto ramo do poder judiciário da União, tratamento coerente e fidedigno à realidade constitucional brasileira, sendo impostergável a mudança de tratamento em relação à magistratura da União. Ora, se a Justiça Eleitoral não possui quadros próprios, específicos, de carreira, à evidência devem ser chamados a socorrê-la a Justiça Comum (Federal e Estadual), com preferência à primeira.

É questão de bom senso, coerência, lógica jurídico eleitoral, notadamente respeito à Constituição. Nem se argumente que a Justiça Federal não poderia desempenhar tal mister a contento, ou que tampouco teria quadros suficientes a assumir tal tarefa, ainda que parcialmente. Isso não é verdade. A realidade hoje vivenciada pela Justiça Federal, com 777 varas federais (1.554 juízes federais), é bem diferente da vigente à época da eclosão do Código Eleitoral (julho de 1965), época em que sequer existia justiça federal de 1ª instância, fazendo os juízes de direito as vezes de juízes federais. Ora, desde o vetusto ano de 1966, quando se deu a criação das primeiras 44 varas federais no Brasil até hoje, houve um aumento de nada menos que 1765% no número de varas federais, situação que de per si impele à retomada gradativa da competência delegada, justificando, noutro giro, necessário repensar da composição da justiça eleitoral, até porque, gize-se, a atual composição dos TREs vem sendo replicada mecanicamente desde a CF/1967, sem maiores questionamentos.

A composição das zonas eleitorais é ainda mais dramática, ininteligível e surreal, na medida em que os juízes federais - em que pese serem juízes da União e o mister eleitoral de índole federal - encontram-se totalmente alijados da judicatura eleitoral de 1º grau, de maneira flagrantemente inconstitucional. Digo inconstitucional, porque não há um único regramento constitucional na Carta em vigência conferindo exclusividade da função eleitoral de 1º grau aos juízes estaduais, diferentemente do que ocorria nas Constituições de 1946, de 1967 e de 1969. Absolutamente, não! A CF/88 fala textualmente que são órgãos judiciários eleitorais: TSE, TRE, juízes eleitorais e juntas eleitorais (art. 118), e dúvidas não há de que o juiz federal é inequivocamente um juiz eleitoral, ora porque atuante nos TREs, ora porque funciona como juiz auxiliar nas eleições gerais. Aqui, às escâncaras, deveria aplicar-se o mesmo entendimento ocorrente nas execuções fiscais da União e benefícios previdenciários (competência delegada), no bojo do qual onde exista vara federal (juiz federal) este é o responsável pela condução e processamento dos feitos. Na sua falta, residualmente, os estaduais assumiriam. Esse entendimento, aliás, iria ao encontro das constantes queixas de associações de classes de magistrados estaduais que vêem como um ônus insuportável o exercício dessa competência delegada.

O que intriga, contudo, é que essas mesmas associações, ou seus juízes pontualmente, não precisam qualquer ônus, não articulam qualquer palavra - acho que nem se atrevem a dormir para não sonhar-, no que tange à pretensa perda do exercício das causas eleitorais, nada obstante – é importante alardear a realidade – não se pretenda em nenhum momento excluir a Justiça Estadual das lides eleitorais, mas sim compartilhar o seu legítimo atuar por toda a Justiça Comum, com preferência à Federal, exclusivamente por força de seus elementos técnicos indissociáveis e intransponíveis.

Qual a razão dessa cizânia no espectro da competência delegada? Será que as causas eleitorais não são causas da União e conseguintemente eles, no exercício destas, não estariam exercendo competência delegada? Estranha-se comportamentos tão díspares para situações tão similares. No mais, e em complemento, como justificar que em uma localidade em que haja vara federal a zona eleitoral nela inscrustrada fique nas mãos da justiça estadual (juiz de direito e promotor de justiça), enquanto há juiz federal e procurador da república lotados e em número suficiente para desempenhar o mister eleitoral? Durma-se com tamanho paradoxo eleitoral.

Em arremate, trago à colação pensamento de São Tomás de Aquino para quem “a esperança possui duas filhas lindas: a indignação e a coragem. A indignação para não aceitar as coisas como estão; a coragem, para mudá-las”. Que a indignação da magistratura federal externada nesta e em outras audiências públicas encontre solo fértil não só perante esta notável comissão de juristas, mas também junto ao congresso nacional e à sociedade como um todo, que por certo veem o trabalho dos juízes federais, notadamente nos TREs, como referência; que esse solo fértil seja capaz de germinar a semente boa, exterminando ou mitigando a níveis suportáveis a semente daninha e corporativa; que dessa semente boa se operem mudanças efetivas, em prol de um sistema eleitoral harmônico e coerente, e, sobretudo, na busca de um Judiciário cada vez mais transparente, independente e ético, uma vez que, como bem já advertiu o ínclito ex-ministro do STF e ex-juiz federal Carlos Mário da Silva Velloso, “a sociedade brasileira tem fome de ética”.

Sejam todos bem-vindos a esta festejada arena democrática e que Nossa Senhora de Nazaré cubra a nós todos com seu manto sagrado, guiando-nos sempre e sempre no caminho do bem.


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