ANTÔNIO CARLOS ALMEIDA CAMPELO
Juiz Federal Substituto da 5ª Vara
Vivemos tempos difíceis. A mídia, todos os dias, revela-nos que a criminalidade evolui numa escala exponencial. Divulga-se um caso sórdido e, no momento seguinte, outro ainda mais perverso nos faz esquecer os antigos. A insegurança permeia nossa sociedade e sentimos que a violência está por perto, espreitando-nos como uma víbora a premeditar o bote certeiro. É a roda viva, declamada por Chico Buarque, que não nos permite 'ter voz ativa e no nosso destino mandar'.
Há alguns dias, um médico, Paulo Sérgio, que prometeu que nunca causaria mal a alguém ao fazer o juramento de Hipócrates, ia tomar café da manhã com sua mãe já idosa. Porém, no meio do caminho, havia não uma pedra, como na visão de Drummond, mas três balas desferidas por criminosos que o deixaram inerte no leito da rua e levaram seu veículo para abandoná-lo pouco depois. Ele nunca imaginara ser vítima de violência inexplicável em ensolarada manhã de domingo.
Quanto lucraram os meliantes? Pouco, com certeza, mas, presos, sequer demonstram arrependimento, posto que a vida já não vale muito nestes tempos estranhos.
No espetáculo midiático da criminalidade, noticiou-se recentemente a morte impiedosa de José Hélio, de 6 anos, que foi arrastado por um carro conduzido por assaltantes no Rio de Janeiro. Embora avisados, os meliantes preferiram fugir, para evitarem a prisão, a soltar o cinto de (in)segurança que prendia a criança. Ao ser avisado por um motoqueiro, de que estava arrastando um menor, um dos facínoras teria gritado que se tratava de um boneco de Judas. É difícil acreditar nessa barbárie sem precedentes!
Porém, o mais grave é que os dirigentes públicos parecem insensibilizados, notadamente pela divulgação na Imprensa que um teria dito que o paraense cultiva 'um sentimento de insegurança' e que outro comentou que 'o caso do médico era um fato isolado'. É patente a omissão do Estado diante dos fatos.
A insegurança é real e temos que enfrentá-la no embate pela sobrevivência diária, clamando aos céus que livre nossos cônjuges, filhos, parentes e amigos da criminalidade desenfreada que fulmina nossa sociedade, principalmente porque não vislumbramos qualquer atitude governamental eficaz ser adotada para diminuir a criminalidade e decretar o fim da impunidade atual.
No dia 12 deste mês, fez dois anos que Dorothy Stang, freira americana, naturalizada brasileira, morreu assassinada por causa de sua luta na defesa dos 'severinos' da Amazônia, que são aqueles que sofrem a 'mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos 30, de emboscada antes dos 20 e de fome um pouco por dia' e cujo sepulcro 'é de bom tamanho, nem largo nem fundo, ... é a terra que querias ver dividida'. Apesar da repulsa mundial, os mandantes ainda não foram julgados e um deles sequer permanece preso.
Pode não ser a solução definitiva, mas a prisão perpétua, por certo, faria alguns criminosos repensarem suas atitudes ou deixarem o convívio da sociedade para sempre. Ademais, urge que seja modificada a lei para que o tempo máximo de internação por ato infracional praticado por adolescente, atualmente de três anos, seja até triplicado em determinados casos.
Além disso, nesta época de exceção, medidas repressivas extremas deveriam ser adotadas, tais como o regime de 'tolerância zero' conduzido com sucesso por Rudolph Giulliani na cidade de Nova York. Com isso, o Estado reagiria com rigor ante o menor delito.
Aline, de 14 anos, irmã de João Hélio, proferiu uma declaração mais sensata do que a de muitas autoridades públicas: 'Se não fizerem as mudanças (legais) agora, quando será?'.
No silêncio da madrugada, sento na cama de meus filhos, que estão dormindo, agradeço a Deus o dom de suas vidas e rezo para que o médico, a criança e a freira intercedam por um mundo melhor para todos.
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