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Notícias

09/10/1999 16:41 -

O Poder Judiciário visto pela mídia

O Poder Judiciário visto pela mídia

EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES, FILHO

Juiz Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Pará

Recente decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal provocou nas últimas semanas, e ainda provoca, intenso burburinho na mídia escrita, falada e televisada. Trata-se da decisão que, por entendê-la inconstitucional, afastou a cobrança de contribuição previdenciária dos servidores públicos civis federais aposentados, pretendida pelos economistas do Executivo e tida como âncora do aperto fiscal imposto pelo FMI.

Lamentável foi o enfoque adotado, pois, como se pretendesse fazer uma chamada para um Fla x Flu ou um Re x Pa, buscou-se dar uma conotação de embate entre Judiciário e FHC, contenda essa que jamais, nem mesmo no reino das fantasias, existiu. Até que seria interessante, quando não cômica, uma disputa, seja pela luta romana, seja pela esgrima, seja por debates culturais/científicos, travada entre o Ministro Carlos Mário Velloso e o Presidente Fernando Henrique.

De fato, a forma eleita pelos órgãos formadores de opinião para trazer ao grande público o resultado de uma importante decisão da Corte Suprema foi infeliz, chegando mesmo às raias da irresponsabilidade. Esqueceu-se a mídia, por alguns chamada de quarto poder, da importância de se ter um Supremo Tribunal forte e independente em um país que se diz democrático, para compará-lo a um ser vingativo e mesquinho. Esqueceram-se de que é o mesmo Tribunal que, com esmero e justiça, cuida de causas que representam cifras milionárias, também com as mesmas virtudes, aprecia as mais humildes demandas; de que são os mesmos Ministros que, com retidão, mandam o mais repugnante dos criminosos para trás das grades, também dão a liberdade ao injustiçado. Nas notícias recentemente veiculadas deixou a mídia tudo isso de lado para, vesgamente, passar para o povo uma idéia de que os Ministros do STF, como que por desforra, teriam declarado a inconstitucionalidade de determinada lei, simplesmente porque os "donos" do poder se recusaram a conceder-lhes, e aos demais Juízes, aumento de vencimentos. Aproveitaram, ardilosamente, os noticiários para imputar ao Judiciário a responsabilidade por um pretenso "prejuízo" que o Executivo, e por conseqüência o povo, teria que suportar. Pelo que se noticiou, o Judiciário seria o maior e único responsável pelas mazelas e dificuldades econômicas por que passamos.

Entretanto, perderam os senhores da notícia a grande chance de demonstrar quão importante é a existência de um Poder Judiciário forte, representado por uma cúpula independente e destemida para tomar suas decisões. Deixaram de lado todo um histórico de lutas, onde a própria mídia era só elogios à Corte Suprema pelo seu destemor e independência, para criticá-la, injusta e desmotivadamente, por uma decisão que nada mais fez, se não retomar a Ordem Constitucional, expurgando do ordenamento jurídico diploma legal que com ela colidia. Gostaria de ver as reações, diante de acórdão que afastasse, por inconstitucional, hipotética lei que, ainda que indiretamente, trouxesse alguma forma de censura aos meios de comunicação. Com certeza, o mesmo Tribunal mesquinho e ignóbil seria elevado às alturas e aclamado aos quatros cantos, como a Casa onde se faz justiça e se defende a Constituição.

A verdade é uma só e não pode ser escondida ou disfarçada: mais uma vez optou o Executivo pela abominável prática de aumentar e criar de tributos, mesmo ciente de sua inconstitucionalidade, na certeza de que uns poucos buscariam socorro na Justiça, enquanto outros tantos se sujeitariam a lei, submetendo-se à espoliação oficial. Tão grande era sua certeza que, de imediato, contou com as burras cheias, prometendo mundos e fundos ao gestor internacional da economia. Ocorre que desta feita repugnante artifício não surtiu o efeito esperado, porquanto o Poder Judiciário, primeiro pela pronta intervenção dos Juízes Federais de primeira instância e, logo em seguida, pela vigorosa e incisiva voz do Supremo Tribunal Federal, afastou, de plano, a pretendida imposição de contribuição previdenciária a servidores públicos que se aposentaram com o intocável direito de a ela não mais se sujeitarem.

Ao optar pela crítica aberta e descarada à decisão do Supremo Tribunal Federal e pela velada defesa dos gestores da econômica, tidos como senhores da verdade e paladinos do sofrido povo brasileiro, perderam os órgãos formadores de opinião a grande oportunidade de demonstrar ao seu público o tamanho da importância de se ter um Poder Judiciário forte, independente e atuante em um Estado Democrático de Direito.


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