O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Walter Nunes, disse nesta sexta-feira, ao discursar em Brasília no Dia de Mobilização Nacional contra a PEC 358/2005, que a ampliação do foro privilegiado, prevista em dispositivo da proposta de emenda constitucional em tramitação na Câmara, representa “retrocesso inaceitável ao processo democrático e em nada vai melhorar o serviço judicial.” Em Belém, a mobilização ocorreu no auditório da Seção Judiciária do Pará.
Ele conclamou todos segmentos da sociedade a se engajarem na luta contra a ampliação do foro privilegiado, apoiando o abaixo-assinado a ser entregue ao Parlamento. Se o dispositivo da PEC for aprovado, destacou o magistrado, aumentará a morosidade do Poder Judiciário no julgamento de processos envolvendo os acusados de atos de improbidade e crescerá “o sentimento de impunidade em relação à má-gestão pública e aos crimes praticados por agentes públicos graduados”. A seguir, a íntegra do discurso do presidente da Ajufe.
“Estamos reunidos aqui, na Câmara dos Deputados e em 19 capitais, para marcar o clamor da sociedade por justiça. Nós, juízes, advogados, procuradores, parlamentares, defensores públicos, estudantes estamos cansados de ouvir: ‘Tudo vai acabar em pizza’.
“Anaconda, Hurricane, Thêmis, Navalha. São inúmeras operações nas quais são atribuídos atos criminosos a autoridades dos três poderes.
“A pergunta que se faz é como tudo isso vai terminar. Os culpados realmente serão punidos?
“Precisamos superar obstáculos gigantescos. O primeiro deles é a modificação de um sistema arcaico que prejudica o funcionamento ágil e eficiente do Poder Judiciário, o que só faz aumentar o sentimento de impunidade. Não bastasse isso, há uma proposta pronta para ser votada no plenário desta Casa, extremamente prejudicial ao combate da criminalidade. Trata-se de estender a ex-ocupantes de cargos públicos a prerrogativa por foro de função. Está lá a proposta, perdida no meio da PEC 358, que contém importantes medidas de aperfeiçoamento da Justiça, parte da segunda etapa da Reforma do Judiciário.
“Essa prerrogativa para os ocupantes de cargos públicos é prevista desde a Constituição Imperial. Presidente da República, deputados e senadores, ministros dos tribunais superiores e de Estado, Governadores, Prefeitos. Enfim, são muitas as autoridades detentoras de prerrogativa de foro. Para piorar, elas atraem para o seu foro as demais pessoas supostamente envolvidas. É fácil verificar como isso ocorre na prática. Basta observar as últimas operações.
“Afirma-se que, devido às altas funções de certos agentes públicos, é importante que um processo contra eles tenha curso, desde o início, em um tribunal, porque seria integrado por magistrados mais experientes. Seria uma forma de preservar o interesse da sociedade para que não haja a interrupção ou perturbação no exercício do cargo ou do mandato. Isso não procede. Essa justificativa em defesa do foro privilegiado parte também da idéia equivocada da existência de hierarquia entre os órgãos jurisdicionais.
“Ainda, assim, aqui e ali se tem tentado ampliar esse privilégio.
“O fato de alguns agentes só poderem ser processados e julgados por tribunais é, por si só, uma anomalia. Ampliar esse privilégio é um retrocesso inaceitável ao processo democrático e nada vai melhorar o serviço judicial. O mais grave é que contribuirá decisivamente para a morosidade e o sentimento de impunidade em relação à má-gestão pública e aos crimes praticados por agentes publicos graduados.
“O que se vislumbra é um quadro tenebroso. Nossos tribunais, sediados nas capitais, distantes dos fatos e das pessoas, não têm condições de proceder à instrução de processos criminais. Não podemos esquecer que este é um país de dimensões continentais, com mais de 8 milhões e meio de quilômetros quadrados de extensão. Como um magistrado pode ouvir réus e testemunhas residentes a milhares de quilômetros onde o suposto fato criminoso ocorreu? Imagine o tempo gasto nesses procedimentos. E mais: diante da quantidade de processos que serão deslocados para as instâncias superiores, será instaurada uma verdadeira crise nos tribunais, que hoje já estão congestionados com processos.
“Não podemos esquecer também que a função principal dos tribunais é julgar recursos, que são milhões, e habeas corpus. Os processos envolvendo autoridades e ex-autoridades, como está proposto na PEC 358, vão se arrastar no tempo. Ai, teremos um outro problema. Aliás, um problema sério: a prescrição dos crimes.
“A idéia da prerrogativa de função é dar maior proteção à pessoa, em razão do cargo que ocupa. Não por outro motivo é denominado também foro privilegiado. Alargar essa prerrogativa para quem não mais está na função evidencia que a intenção não é resguardar o exercício funcional, mas proteger a pessoa que deixou o governo. É privilégio puro. Isso é inaceitável.
“Ademais, estender a prerrogativa de função para os casos de improbidade administrativa é um retrocesso ao controle da gestão pública, que tem sido desenvolvido, com tenacidade, na magistratura de base, mercê de iniciativas do Ministério Público, mediante punições exemplares de perda de cargo, dos direitos políticos, além de condenação em multa e no ressarcimento dos prejuízos causados.
“Fica evidente que a ampliação desse privilégio, além de não se afinar com o regime democrático, em razão da avalanche de inquéritos policiais, habeas corpus e ações criminais e de improbidade que serão remetidos para as instâncias superiores, inviabilizará o julgamento dos atuais processos, dentre eles os relativos às operações recentes.
“A Ajufe, juntamente com as demais entidades civis presentes a este ato público, conclama todos a se engajar nesta luta contra a ampliação do foro privilegiado. Em Brasília e nos 19 Estados mobilizados neste momento, começamos a coletar assinaturas parar levar até à presidência e lideranças desta Casa nosso repúdio. Estamos comprometidos a empreender uma luta sem tréguas contra essa iniciativa. Com todas as letras e de forma veemente, vamos dizer: AMPLIAÇÃO DO FORO PRIVILEGIADO, NÃO! BASTA DE PRIVILÉGIO!
Muito obrigado!”