O juiz federal Wellington Cláudio Pinho de Castro, da 4ª Vara, especializada em ações penais, rejeitou denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra uma doméstica acusada de crime de estelionato. Ela teria recebido indevidamente cinco meses de pagamento de amparo assistencial a um filho seu, menor de idade e portador de deficiência, mesmo após o beneficiário ter falecido, o que teria causado prejuízo de R$ 1.273,18 ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O entendimento do magistrado é de que “há falta de justa causa para o início da ação penal.”
O menor tinha 11 anos, vivia com problemas de saúde e percebia benefício do INSS. Após o falecimento, a acusada continuou a sacar o benefício para pagar várias despesas, inclusive as decorrentes com o funeral do filho que falecera. Mesmo assim, voluntariamente ela ligou para a central de atendimento do INSS informando sobre o ocorrido e foi orientada a ir até um posto para formalizar a notícia do óbito. Quando foi ao posto, a doméstica se dispôs a devolver o benefício em parcelas, mas não pôde fazê-lo porque se encontrava desempregada na ocasião.
Ao rejeitar a denúncia, o juiz federal destacou que, embora a doméstica tenha confessado que sacou algumas parcelas do benefício, “observa-se que apresentou a escusa (justificativa) de ter utilizado tais recursos para as despesas do funeral do beneficiário, situação extrema que configura excludente de culpabilidade.”
O magistrado expõe seu entendimento de que a conduta da mãe do menor, que o MPF considerou criminosa, foi em verdade ocasionada pela doença de seu filho e seu repentino falecimento, além das condições financeiras precárias da acusada, que na época trabalhava como doméstica. Nessas circunstâncias, acrescenta o juiz, “até por questão humanitária, não lhe poderia ser exigível adotar comportamento diverso, o que constitui causa supralegal da exclusão da culpabilidade.”
Ressaltou o juiz que a acusada é pessoa humilde, doméstica, desempregada há três anos, de pouca instrução (ensino fundamental incompleto), que não teve acesso a ensino público de qualidade, nem oportunidades de trabalho. “De todas as desventuras que a vida lhe reservou, pobreza, falta de instrução, desemprego, ser mãe de um portador de deficiência, falecimento do filho, perda da única renda familiar com a cessação do benefício, só lhe faltava ser processada criminalmente, por ter claudicado uma única vez. Paradoxalmente, o mesmo Estado que sempre foi omisso em lhe proporcionar condições dignas de saúde, educação, segurança e políticas públicas essenciais, mobiliza todo seu aparato repressor em intensidade desproporcional ao dano causado”, diz Wellington Castro em sua decisão.
Ele considerou que o caso que envolve a doméstica não tem a menor semelhança com tantos outros, em que figuram fraudadores contumazes da Previdência, intermediários, despachantes ou aliciadores de beneficiários. No caso da denúncia do MPF, diz o magistrado, trata-se de “pessoa comum do povo que, por desinformação e ignorância, lançou mão de valores creditados indevidamente pelo INSS, acreditando ser legítima a sua conduta. Faltava-lhe, portanto, potencial consciência da ilicitude.”
A conclusão do juiz federal é a de que, no contexto da denúncia formulada pelo MPF, “milita em favor da denunciada, a demonstrar sua boa-fé, o fato de ter ligado para atendimento telefônico da Previdência para se informar sobre a possibilidade de continuar recebendo o benefício. Ao ser alertada sobre a irregularidade, tomou a iniciativa de comunicar, pessoalmente, o óbito do beneficiário ao INSS e assumiu compromisso de restituir os valores, embora não o tenha feito por falta de dinheiro.”