ARTHUR PINHEIRO CHAVES
Juiz Federal Substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará
Tramita no Congresso Nacional, entre outros, Projeto de Lei nº 3.627/2004, encaminhado pelo Poder Executivo Federal, cuja ementa é a que segue: “Institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior e dá outras providências”. A utilização do sistema de reserva de cotas de vagas, mormente o baseado em critério racial, para acesso às universidades públicas brasileiras, tem sido objeto de muita controvérsia entre os agentes envolvidos.
Referido sistema se insere em um conjunto de ações denominadas de afirmativas, de políticas compensatórias ou de ações de discriminação positiva, surgidas num contexto histórico específico nos Estados Unidos, visando reparar danos causados a grupos vítimas de algum tipo de discriminação, de forma a reduzir diferenças existentes entre aqueles e os demais membros do corpo social.
Trata-se de meio de concretização do princípio da igualdade, que pressupõe que a realização da efetiva isonomia implica em proporcionar a igualdade de oportunidades, demandando, em determinadas hipóteses de relevante discrepância entre os atores sociais, a adoção de meios excepcionais, de forma a tornar possível a superação das diferenças, igualando desiguais na medida de suas desigualdades, conforme ensinamento de Rui Barbosa, repetindo Aristóteles.
Tais ações encontram respaldo no Texto Constitucional, que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III da Constituição).
Nesse sentido, a adoção do sistema de cotas se justificaria ante a dívida histórica existente na sociedade brasileira em relação a determinados grupos, tais como os indígenas e os afro-descendentes, por situações como a escravidão e a segregação, com efeitos até os dias atuais, consistente, inclusive, em maior dificuldade de ascensão social.
Do outro lado da discussão, se põe o sistema de mérito no acesso às universidades públicas, fundamental para que a universidade possa desempenhar adequadamente a sua missão, recrutando os melhores talentos, aferidos, na medida do possível, através de critérios objetivos e impessoais (art. 206, VI e VII da CF/88).
Percebe-se, portanto, a existência de conflito de valores. Em tais situações, o moderno direito constitucional preconiza a adoção de técnica denominada de ponderação de valores, significando dizer que o intérprete ou aplicador da norma fundamental deve fazer concessões recíprocas entre os valores em confronto, preservando o núcleo mínimo de cada um, com base no princípio da razoabilidade, adotando, na solução do conflito, medida adequada ao fim a que se destina, sem restringir excessivamente o direito de outrem, trazendo benefício superior ao dano que acarreta.
Na hipótese que se analisa, o juízo de ponderação deve recair sobre o fator de discriminação aplicado nas cotas. A adoção de reserva de vaga com cota de percentual elevado, acima de 40%, por exemplo, demonstra-se injusta e pouco razoável, não se adequando ao fim visado, trazendo como conseqüência a queda geral do nível de ensino.
Viola, ademais, em grau excessivo e ilegítimo, o princípio da igualdade, acarretando um mal superior ao benefício que possa eventualmente trazer, podendo reavivar, ademais, preconceitos latentes entre grupos em oposição, beneficiados e não-beneficiados pelo sistema de reserva de vaga.
Dessa forma, mostra-se defensável, como ponderação razoável, uma cota de reserva de até 20%, apta a permitir a ascensão social do segmento tido por desfavorecido, sem frustrar os objetivos do ensino universitário.
Outro aspecto que merece ser ponderado é o concernente ao critério adotado. Um critério exclusivamente étnico dá ensejo a subjetivismos e distorções, mormente em face da miscigenação entre nós presente. Não obstante o débito histórico-social já apontado, a adoção de fator como a circunstância de o aluno ser oriundo de escola pública, além de refletir ao certo parcela menos favorecida da população, sem necessidade de maiores estudos estatísticos, emerge como critério mais objetivo, atendendo ao desiderato constitucional de redução das desigualdades e proporcionando à parcela de cidadãos mais pobres o acesso à educação, como meio de crescimento individual e do país.